Quebra de patente do efavirenz: anti-retroviral usado no tratamento da aids

AutorMaria Antonieta Lynch
Páginas141-147

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O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou em 4 de maio de 2007 o decreto1 de quebra da patente do an-ti-retroviral Efavirenz,2 medicamento usado para o tratamento da Aids fabricado pelo laboratório norte-americano Merck, Sharp & Dohme.

Essa medida consubstancia o esforço do governo por cumprir o preceito constitucional da universalização da saúde pública, que é uma de suas prioridades.

O Brasil foi um dos primeiros países a adotar políticas de saúde para a melhoria do atendimento dos portadores do HIV/Ai-ds.3 Desse modo, com o intuito de alcan-çar esse objetivo, o Programa Nacional de DST4 e Aids vem desenvolvendo projetos que visam elevar a qualidade no atendimento aos pacientes nos serviços públicos.

Na instrumentalização dessa política, destaca-se o acesso universal e gratuito aos medicamentos usados no tratamento dos soropositivos, medida que foi implementada no início da década de 1990.5

Contudo, a viabilidade do programa encontra constantes óbices econômicos, posto que os custos da importação dessas drogas são demasiadamente altos. Embora nem todas sejam importadas, as que são, representam elevados valores o que muitas vezes ameaça a eficiência do programa.

Foi em decorrência dos impasses nas negociações com o laboratório titular do Efavirenz, que é o medicamento mais utilizado na terapia anti-retroviral, que ocorreu a licenciamento da sua patente.

Segundo dados do Ministério da Saúde, na atualidade, 38% dos pacientes em tratamento o utilizam e estimava-se que até o final de 2007,75 mil, das 200 mil pessoas em terapia anti-retroviral estariam usando esse fármaco.

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Em números isso significa que a programação de compra em 2007, somente do Efavirenz 600mg, equivaleria a US$ 42.930.000,00, ou seja, cerca de US$ 580 por paciente/ano.6

As dificuldades acentuaram-se quando constatou-se que o laboratório Merck, detentor da patente, estabelecia preços diferenciados para os diversos países, fazendo com que variassem de US$ 277,40 a US$ 697,00 por paciente/ano. No Brasil os preços do Efavirenz são os mesmos desde 2003, apesar do crescente número de pacientes que o utilizam.

O Ministério da Saúde, tentando assegurar o acesso dos medicamentos a todas as pessoas com Aids em tratamento anti-retroviral, considerou insuficiente a proposta de redução de apenas 2% (dois pontos percentuais) no preço do Efavirenz 600mg para a contratação da programação para 2007 em virtude das reduções noticiadas e dos preços que estão sendo praticados no mercado internacional pela própria MSD.7

Embora o governo federal tenha solicitado especial atenção à MSD, no sentido de que os preços fossem compatíveis com o aumento do consumo do medicamento no Brasil e com os valores internacionais, informando ao laboratório que aceitaria o mesmo preço ofertado para a Tailândia,8 não houve acordo satisfatório.

O insucesso das negociações culminou pela primeira vez na concretização do licenciamento compulsório de uma patente de medicamento no Brasil. Ameaças já tinham ocorrido, mas sempre se chegava a um consenso, o que desta vez não ocorreu.

É importante ressaltar que essa política pública tem feito com que o Brasil enfrente fortes pressões da indústria far-macêutica internacional, que defende quase que de forma absoluta o direito sobre as patentes. Contudo, essa defesa absoluta da propriedade vem sendo relativizada, tendo sido objeto de discussão na rodada de negociações da OMC, em Doha, Qatar, onde o Brasil sustentou que as necessidades emergenciais de uma população se sobrepõem aos direitos de patentes, tendo, portanto, se posicionado no sentido de que o Acordo TRIPS não deve se sobrepor às questões de saúde pública, postura que lhe deu respaldo e força política para negociações posteriores.

Defensor de suas políticas, o governo federal procedeu à "quebra da patente" do Efavirenz, o que lhe permitirá comprar ou produzir a versão genérica do medicamento. No caso de compra, o Brasil poderá fa-zê-lo de três laboratórios indianos - Cipla, Ranbaxy e Aurobindo - que cobrarão US$ 0,45 por comprimido, enquanto a Merck cobra US$ 1,59. O genérico produzido pela Índia deveria chegar ao Brasil em setembro de 2007.

Tecnicamente, a "quebra de patente" é chamada de licenciamento compulsório que é a autorização dada pelo Estado para que a exploração de determinada patente seja feita sem o consentimento do seu titular.

A exploração pode acontecer de duas formas. Ocorre de forma direta quando o próprio titular da patente assume os riscos da atividade empresarial explorando, fabricando e comercializando o objeto. Pode também suceder que a exploração não seja efetivada pelo titular, mas por terceiro que assim procede em decorrência da outorga de licença de uso.

Há situações, porém, legalmente previstas (arts. 68 a 71 da Lei n. 9.279/1996) nas quais o titular da patente é obrigado a licenciar o uso em favor de terceiros, deixando de ser uma liberalidade. Estas hipóteses são as seguintes: (a) exercício abusivo do direito; (b) abuso do poder econômico; (c) não exploração do objeto da patente no território brasileiro por falta de fabrica-

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ção ou fabricação incompleta, ou, ainda, a falta da exploração integral da patente no Brasil, ressalvados os casos de inviabilidade econômica; (d) comercialização não satisfatória para atendimento das necessidades do mercado; (e) dependência de uma patente em relação a outra, se demonstrada a superioridade da patente dependente, e a intransigência do titular da dependida em negociar a licença; (f) emergência nacional ou interesse público, declarado pelo Poder Público Federal.

Em síntese, temos que a licença compulsória é um ato não voluntário que pode fundamentar-se no abuso de direito, no abuso de poder econômico e nos casos de emergência nacional ou relevante interesse público, podendo ser concedido, de ofício ou judicialmente, facultando a suspensão temporária do direito exclusivo do titular da patente de impedir terceiro, sem seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar com esses propósitos produto objeto de patente ou processo ou produto obtido diretamente por processo patenteado.9

A licença compulsória não é apenas um permissivo pátrio, e sua previsão é encontrada em acordos internacionais sobre a matéria, como o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, ou Acordo TRIPS. O art. 31, alínea b, do TRIPS trata do uso de patente sem autorização do...

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