Pastoral popular: poder ou serviço?

AutorCláudio Perani
Páginas36-45
PASTORAL POPULAR: PODER OU SERVIÇO?
Cláudio Perani
(publicado originalmente nos Cadernos do CEAS, n.º 82, nov./dez. 1982, p. 7-19)
Entendemos por p astoral popular todas as iniciativas de igreja no âmbito das c lasses populares, nas quais o
povo encontra um espaço para assumir sua respo nsabilidade na vivência deuma fé comprometida com os
problemas da justiça. São as Comunidades Ecles iais de Base, as várias Pastorais da Terra, da Favela, da
Periferia, Pastoral Operária..., Movimentos Past orais de determinadas ca tegorias, Comissões de Direit os
Humanos e d e Justiça e Paz, Grupos de Assessorias etc, onde o “pastoral”, isto é, a ligação com a igreja, é
explicitamente reconhecido.
Nesse terr eno, atualmente no Brasil bastante rico, di nâmico e diversificado, está em andamento um amplo
debate político que acompanha o processo concreto da pastoral popular. Na medida em que as comunidades
de base iam surgindo, logo apresentavam-se - além das intenções – como um espaço, não somente de
reivindicação social, mas também político, quer dizer como um espaç o de contestação do poder sej a da
Igreja, seja do Estado, seja do Capita l. Não há dúvida porém que, depois da reformulação partidária e por
ocasião da s eleiçõ es de novembro de 1982, o discurso político - e não somente o discurs o, claro! - entrou
plenamente também no âmbito da pastoral.
Encontramos vários posicionamentos p ráticos e teóricos, influenciando-se reciprocamente. Mui tas dúvidas e
perguntas ficam levantadas e serão equacionadas certamente a partir do desenvolvimento do processo.
Queremos contribuir para o debate com estas breves reflexões sobre algumas questões que periodicamente
aparecem sobretudo entre os agentes de pastoral popular. Em síntese, pretendemos levantar o problema de
como a pastoral popular se relaciona com o político, antecipando desde já nossa preferência por uma
inserção a nível das massas e de suas necessidades, mais do que a nível ela articulação dos vários
poderes.
Evidentemente, nossa perspectiva deseja assumir o pont o de vista da Igreja que nasce dos Pobres, quer dizer,
de uma Igreja que denuncia os opressores e que se solidariza com os oprimidos, comprometida com seu
processo de libertação. O enfoque pretende ser teológico, considerando o que cabe à pastoral enquanto
pastoral; isso não significa eliminar uma análise política, s empre necessária - em todo caso, sempre expl ícita
ou implicitamente presente - mas, além dela, recorrer a critérios evangélicos que fundamentam a missão da
Igreja e seu modo de realizá-la.
QUESTÕES DEBATIDAS
Várias são as per guntas que se levantam no âmbito da pastoral popular ; muitas delas necessar iamente são as
mesmas que põe a atual conjuntura do movimento popular; outras são mais próprias da pastoral. Sem
pretensão de um quadro completo, apresentamos aquelas que parecem ocorrer mais freqüentemente,
demorando-nos, nas du as primeiras perguntas, nas questões que atingem o movimento popular todo, mais
amplo do que a pastoral popular.
1. Onde está o povo? a massa?
Talvez seja o questionamento principal. "Povo" é certamente a palavra que mais aparece nas várias análises
e não se pode negar que seja a preocupação e referência básica das lideranças, pastorais, sindicais ou
políticas. Podemos entendê-lo aqui c omo "massa" (purificando o conceit o da conotação negativa
habitualmente atribuído-lhe), a grande maioria dos brasileiros, trabalhadores rurais, operários, moradores
das periferias urbanas, biscateiros, empregados, sub-empregados, desempregados... Ele tem sua história:
suas necessi dades, sua consciência, sua luta do dia-a-dia, suas organizações, suas mobilizações
(espontâneas?), sua cultura e sua religião... Conhecem as vanguárdias , os agentes, os assessores toda essa
problemática? Mais ainda, está sendo reconhecida e assumida pelos mesmos? A p ergunta, talvez, tenha que
ser invertida: não tanto "onde está o povo?", mas " onde estão as assim chamadas "lideranças"?
Talvez se descubra uma grande distância, entre nossos esquemas e nossas articulações (sempre
pretensamente definidos em nome do povo) e os esquemas e articulações da massa (sempre considerada

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