Participação do Cidadão no Processo Administrativo

AutorOcimar Barros de Oliveira
Ocupação do AutorAdvogado, professor de Direito
Páginas129-167

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A participação do cidadão no processo administrativo, como repetidas vezes mencionado no presente trabalho, é imperativo de concretização do ideal brasileiro de construção de um Estado Democrático de Direito.

Devido ao caráter, na maior parte das vezes, público do processo administrativo, há situações em que o cidadão irá participar efetivamente do mesmo, nele realizando atos, e outras vezes participando como consultado (audiências e consultas públicas) ou até mesmo “fiscal”, visando verificar a legalidade e moralidade, entre outros princípios que norteiam o processo administrativo.

O professor Paulo Modesto assim afirma em seu texto: Participação Popular na Administração Pública: Mecanismos de operacionalização: “A participação administrativa, ou a participação no âmbito da Administração Pública, considerando este sentido amplo, corresponde a todas as formas de interferência de terceiros na realização da função administrativa do Estado”114.

O entendimento exposto pelo professor Paulo Modesto, analisado em comparação com o disposto no artigo 9º da Lei 9.784/99, Lei do Processo administrativo no âmbito federal, que trata dos interessados no processo administrativo, nos induz a classificar a participação do cidadão em pelo menos três versões.

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Daí se pode inferir que a participação do cidadão no processo administrativo se dará das seguintes formas: 1. O cidadão como parte no processo administrativo; 2. O cidadão como terceiro interessado no processo administrativo; 3. O cidadão como integrante de grupos sociais nacionais com poderes de representação.

3. 1 O cidadão como parte no processo administrativo

Existem vários processos administrativos nos quais a Administração Pública figura em um polo e o cidadão no outro. Nesses casos o cidadão irá exercer o direito subjetivo na defesa de interesses exclusivamente privados, havendo o interesse público de um lado muitas vezes resistido pelo interesse privado do outro.

Nesse mesmo sentido o inciso I do art. 9º, da LPA, assim preconiza: “I - pessoas físicas ou jurídicas que o iniciem como titulares de direitos ou interesses individuais ou no exercício do direito de representação”.

Exemplos disso são os processos de desapropriação, imposições de multas e processos disciplinares contra servidores públicos.

Apesar de a Lei 9.784/99 ter utilizado, no art. 9º, a expressão interessados e não ter mencionado a participação como parte, percebe-se que o legislador reconhece a situação de parte do cidadão, quando na redação do art. 58, I, da Lei 9.784 menciona “os titulares de direitos e interesses que forem parte no processo.

3. 2 O cidadão como terceiro interessado no processo administrativo

O artigo 9º, II, da Lei 9.784/99 expressa a participação do cidadão como terceiro interessado, nos seguintes termos: “aqueles que, sem terem iniciado o processo, têm direitos ou interesses que possam ser afetados pela decisão a ser adotada”.

Isso se deve ao fato de que há processos administrativos nos quais o cidadão, apesar de não ser parte atuante desde o início do

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processo, pode ter direitos posteriormente afetados pela decisão a ser adotada, podendo, ainda, ser terceiro interessado quando o mesmo diligenciar como verdadeiro fiscal da lei e arauto dos princípios que regem o processo administrativo, nos moldes legais.

Tal participação se dará através de petição, representação, denúncia pública, consulta ou audiência pública ou mesmo de recurso administrativo, previsto em lei, no qual o terceiro interessado arguirá decisões que venham a perigar direitos individuais e até mesmo transindividuais; denunciará os vícios do processo, devendo a Administração Pública convalidá-lo, caso seja possível, ou mesmo declará-lo nulo no todo ou em parte.

Exemplo típico de participação do cidadão como terceiro interessado é o acesso às contas públicas municipais, previsto no § 3º do artigo 31, da CF de 1988, que será analisado em tópico específico.

3. 3 O cidadão como integrante de grupos sociais nacionais com poderes de representação

Outra forma de representatividade do cidadão é a participação de grupos sociais organizados, com poderes de representação, como sindicatos, associações, conselhos profissionais, ONGs, partidos políticos e outros.

Os incisos III e IV do artigo 9º da LPA tratam da participação do cidadão como integrante de tais entidades com poderes de representação, na defesa de interesses transindividuais, atingindo interesses coletivos, entendidos aqueles de grupos identificáveis de pessoas com mesmos interesses e até mesmo difusos, compartilhados por pessoas indetermináveis, unidas por liame fático.

Podem participar mediante consulta pública antes da tomada de decisão em matéria de interesse geral ou mesmo de interesse do grupo ao qual representam, integrando colegiados públicos para tomada de decisões de interesse geral ou do grupo que representam, ou mesmo apresentando requerimentos, representações, denúncias, etc.

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Nesse entendimento, na tutela dos interesses particulares e/ou sociais, os cidadãos podem lançar mão de vários instrumentos processuais tanto administrativos quanto judiciais ou expedientes administrativos, alguns tutelados no próprio texto constitucional e outros na legislação infraconstitucional.

3. 4 Participação cidadã no Direito comparado

O Direito comparado tem contemplado dispositivos no firme propósito de implementar a participação do cidadão no cenário das decisões administrativas, por ser imperativo de consolidação das democracias hodiernas, já que não se concebe mais a tomada de decisões unilaterais pelo Estado, as quais manteriam o povo na inquietante condição de súdito.

No intuito de aquilatar tal preocupação no cenário mundial, necessário salientar alguns exemplos de dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que conduzem o cidadão à arena de discussões, sem a pretensão de exaurir o tema, que, devido à sua extensão, merece estudos apartados.

Iniciando pela França, a Constituição de 1958 no art. 72, com redação dada pela Emenda de 28.10.1962, alega que as coletividades, assim entendidas as comunas (municípios), os departamentos e os territórios de ultramar, têm autonomia administrativa exercida por conselhos eleitos.

A República Portuguesa erigiu a princípio fundamental a participação do cidadão, insculpida no art. 267, nº 1, e no art. 268, nº 1115, da

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Constituição, aduzindo o direito de informação do cidadão com respeito aos processos administrativos, ratificando o princípio da participação no procedimento administrativo no art. 8º do Código de Procedimento Administrativo Português.

A Constituição da Itália prevê a participação do cidadão no seu art. 3º, dispondo que compete aos Poderes públicos “facilitar a participação de todos os cidadãos na vida política”. O art. 23 assegura a participação dos cidadãos nos assuntos políticos. Na legislação infra-constitucional a Lei nº 7/95, que regula as Bases do Regime Local, assegura a participação dos cidadãos na gestão dos Municípios116.

A Constituição espanhola de 1978 contempla a participação no seu art. 9º117, sofrendo influência do art. 3º da Constituição Italiana, contemplando, ainda, no art. 23, a participação do cidadão nos assuntos políticos118.

A Constituição da Argentina prevê no seu art. 43 o direito de o cidadão peticionar contra atos ilegais ou arbitrários das autoridades públicas. Prevê, ainda, no art. 86 a figura do defensor del pueblo, que corresponderia a um ouvidor no Brasil, ou mesmo à figura do ombudsman. Contudo, o marco na legislação argentina é a sua lei de procedimento administrativo – Ley 19.549, de 27.04.1972 –, que em resumidos 34 artigos traz uma normatização moderna e condizente com os ideais democráticos de participação do cidadão.

Destaca-se a legislação dos países acima mencionados ante a importância como paradigma da processualidade administrativa que

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contemple a participação do cidadão. Países outros também editaram suas leis de processo ou procedimento administrativo, porque essa é uma tendência mundial.

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