Parte Especial, Livro I

AutorPaulo Bandeira
Páginas104-194

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2.7. 1 Do processo de conhecimento e do cumprimento da sentença

Toda vez que o cidadão se vê prejudicado lhe é assegurado o "direito de peticionar", ou seja, o direito de pedir ao Poder Judiciário que resolva, à luz da lei, seu problema.

Mas não basta, simplesmente, falar sobre isso com alguém. Há uma série de protocolos - escritos, na maioria dos casos - a serem seguidos e são normatizados em lei. É necessário formar um processo, que tem início com uma petição inicial (um texto inicial, escrito dentro de certas regras - art. 319 do NCPC), com a exposição dos fatos e o suporte legal para que se pretenda o reconhecimento desse direito.

O processo, por sua vez, tem por objetivo trazer uma solução à lide. O ato de pedir a tutela do Estado por parte do cidadão é chamado de ação. O Estado presta a tutela por meio de um processo, conduzido por um juiz.

Enrico Tullio Liebman assim se posicionou sobre o tema:

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"A iniciativa do processo: um ônus e um direito. A iniciativa do processo cabe à parte interessada (ou, em via excepcional, ao Ministério Público), porque o juiz não procede de ofício, e não decide uma controvérsia, senão a pedido do interessado."42O NCPC manteve quase as mesmas exigências do antigo art. 282, do CPC/1973, com alguns destaques dignos de nota:

Art. 319. A petição inicial indicará:

I - o juízo a que é dirigida;

II - os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu;

III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;

IV - o pedido com as suas especificações;

V - o valor da causa;

VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;

VII - a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação.

§ 1º Caso não disponha das informações previstas no inciso II, poderá o autor, na petição inicial, requerer ao juiz diligências necessárias a sua obtenção.

§ 2º A petição inicial não será indeferida se, a despeito da falta de informações a que se refere o inciso II, for possível a citação do réu.

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§ 3º A petição inicial não será indeferida pelo não atendimento ao disposto no inciso II deste artigo se a obtenção de tais informações tornar impossível ou excessivamente oneroso o acesso à justiça.

Observem que as partes destacadas caminham de acordo com a nova filosofia do CPC, qual seja, aproveitar ao máximo os atos, ainda que faltem dados ou elementos em uma peça, como é o caso acima.

A materialização da ação tem por embrião uma petição, um ato processual escrito,43que é a forma correta e adequada de se pedir ao Estado que interfira no problema, na lide, na demanda, na contenda, enfim, que ele afirme a quem pertence o direito. Em suma, é o instrumento por meio do qual a parte reúne os fatos, dentro de certa ordem legal, e os apresenta em juízo. Pode ser escrita ou eletrônica, conforme dispõe o novo CPC:

"Art. 193. Os atos processuais podem ser total ou parcialmente digitais, de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrônico, na forma da lei."

A petição inicial que recebe este singelo nome porque, de fato, sem ela o processo não tem início, não pode e não deve ser feita de qualquer forma: existem regras e, em razão de sua importância, quando faltam alguns requisitos, o juiz ao recebê-la poderá indeferi-la, não sem antes, claro, conceder prazo ao autor para "consertar" eventual erro. Na forma técnica "emendar a inicial".

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2.7.2. Do indeferimento da petição inicial

São várias as razões para o indeferimento.44Pode ser por questões de ordem técnica, ou até pela própria redação, caso os fatos não sejam expostos com clareza, ou estejam "truncados" de modo a dificultar o entendimento por parte do julgador.

Destacamos:

Art. 330. A petição inicial será indeferida quando:

I - for inepta;

II - a parte for manifestamente ilegítima;

III - o autor carecer de interesse processual;

IV - não atendidas as prescrições dos arts. 106 e 321.

§ 1º Considera-se inepta a petição inicial quando:

I - lhe faltar pedido ou causa de pedir;

II - o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico;

III - da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão;

IV - contiver pedidos incompatíveis entre si. [...].

Duas situações merecem especial comentário.

Em primeiro lugar, não mais constam a decadência e a prescrição como causas de indeferimento da petição inicial (inc. IV do art. 295 do CPC/1973), que extinguiria o processo sem resolução de mérito (art. 267, inc. I, do CPC/1973). Na nova disposição legal, de-

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tectadas as situações o juiz as decidirá de ofício ou a requerimento, hipótese em que haverá resolução do mérito:

"Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz:

[...]

II - decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição; [...]"

Em segundo lugar, quando o pedido for juridicamente impossível (art. 295, parágrafo único, inc. III, do CPC/1973). O NCPC não reproduziu a hipótese de inépcia da petição inicial decorrente do pe-dido ser juridicamente impossível, mantendo-se silente neste ponto.

Neste sentido vem o art. 17 do NCPC ao mencionar que "para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade", de modo que adota o entendimento doutrinário, reconfigurando a hipótese de "impossibilidade jurídica do pedido".

Conforme mencionado, as duas hipóteses ensejam decisão de mérito. Sobre "possibilidade jurídica do pedido como condição da ação", afirma Teresa Arruda Alvim Wambier:

"O legislador deixou de lado a possibilidade jurídica do pe-dido, muito criticada pela doutrina [...] a rigor, trata-se de um aspecto do próprio mérito."45Sobre "Possibilidade Jurídica do Pedido como condição da ação", afirma Tereza Arruda Wambier: "O legislador deixou de lado a possibilidade jurídica do pedido, muito criticada pela doutrina[....] a rigor, trata-se de um aspecto do próprio mérito"46

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Por oportuno, apontamos o art. 321 do NCPC como uma grande evolução, igualmente de acordo com a nova metodologia.

Importante destacar:

"Art. 321. O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado." (destacamos)

Mas, por que devemos ter atenção diferenciada para esse dispositivo? Aqueles que militam na advocacia sabem, por se tratar de situação até bem comum, que muitos juízes despachavam: "Emende a inicial em 10 dias" (art. 284 do CPC/1973).

Ora, emende o que? Precisamente em que ponto houve erro ou equívoco? Às vezes se consegue detectar o engano, como, por exemplo, equívoco em um dos polos (ativo ou passivo - autor ou réu). Porém, existem situações em que o patrono descreve os fatos da inicial, com absoluta certeza que tudo se encontra claro e cristalino. Mas, considerando o contido no inc. III do § 1º do art. 330 do NCPC, onde encontramos situação de possível indeferimento quando "da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão", não raro o advogado tem dificuldade para encontrar seu texto, digamos, "truncado". Para o causídico tudo se encontra claro e objetivo. Caberia, pois, ao Magistrado apontar exatamente o que estaria errado ou aquilo que fez com que ele não entendesse o texto.

Normalmente, o juiz simplesmente determinava que "se emende a petição inicial", sem apontar com precisão o equívoco. Pior, alguns indeferiam de plano, sem conceder o prazo para correção, constante do art. 284 do CPC/1973.

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Muitos profissionais já se depararam com outra situação, igualmente rotineira, onde um dos polos da demanda se encontrava errado. A título de exemplo, citamos o caso de uma ação de alimentos, onde a "mãe" propõe a demanda contra o pai para pedir alimentos para o filho. A teor do art. 6º do CPC/1973, "Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei". Temos, então, que o titular do direito material é o menor cabendo a ele, portanto, pleitear juridicamente.

Sobre o tema, destacamos decisão da 3ª Turma do STJ, cuja relatora foi a Ministra Nancy Fátima Andrighi, no REsp 1.046.130/MG, "a legitimidade é realmente dos filhos a legitimidade ativa para propor ação de alimentos, devendo os pais representá-los ou assisti-los conforme a idade. Contudo, a formulação do pedido em nome da mãe não anula o processo, apesar da má-técnica processual, pois está claro que o valor se destina à manutenção da família. [...] O pedido está claramente formulado em favor dos...

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