Parecer emitido pelo Centro de Estudos de Direito do Consumo de Coimbra em tema de prescrição de dívidas, caducidade do direito à diferença do preço e de caducidade do direito de acção no domínio dos serviços públicos essenciais

AutorMário Frota
Páginas212-232

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Ver Nota1

Excertos

“Há no que aos factos tange, uma assinalável divergência entre os procedimentos tendentes à economia de consumo e as imputações ao Demandado de diferenças emergentes de uma pretensa viciação dos instrumentos de medida”

“São flagrantes as fragilidades da fundamentação de direito e as contradições em que incorre reforçam o quadro no desacerto das peças que mal encaixam na moldura escolhida”

“A caducidade consiste em um facto preclusivo, ainda que fundada em razões de direito substantivo”

“A caducidade é de conhecimento oficioso do tribunal e pode ser alegada a qualquer momento do processo, se estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes”

“Encontramo-nos perante uma situação de existência de violação do contrato de fornecimento de energia eléctrica por fraude imputável ao consumidor”

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Consulta

Presente consulta em ordem a saber se, tendo sido detectadas, em 16 de Maio de 2011, pretensas diferenças de preço em fornecimento de energia eléctrica titulado por contrato celebrado entre a eDP e o consulente, é tempestiva a acção proposta em 22 de Janeiro de 2015.

Disponíveis as principais peças dos autos, a saber, articulados iniciais, contestação e sentença.

Parecer

Cumpre emitir parecer, subordinado ao índice que segue:

1. Da factualidade relevante
1. 1 Dos desníveis de consumo e seus reflexos na facturação

Do que provado fora, como consta da fundamentação de facto, emergem, para o que ora importa, 12. Do resultado da inspecção e da análise efectuada aos respectivos registos de consumo, constatou-se que a partir de 17/11/2005 ocorreu uma nítida e repetida quebra do consumo de energia (2/3), sendo que tais consumos se verificaram até 16/05/2011 – 18º Pi. 21. no início do mês de Julho de 2012, a a. enviou-lhe a factura em causa da quantia de 93.198,89€, com data limite de pagamento até a 25.07.2012, como sendo devida pelo fornecimento de energia eléctrica fornecida, reportada ao período de 17.11.2005 a 16.05.2011, tendo sido advertido de que a falta de pagamento implicaria o corte no fornecimento da energia eléctrica ao estabelecimento – 33º e 34º contestação. 22. o r. contactou a autora, por carta de 04.07.2012, acompanhada de documento que a esta anexou, com o intuito de justificar e provar, documentalmente, não ser devedor daquela quantia facturada – 36º e 37º contestação. 23. na dita missiva, referia que “… a baixa de consumo de energia eléctrica detectada pela eDP, no estabelecimento, não

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corresponde avaria do vosso equipamento de leitura, mas isso sim a uma consequência das nossas decisões, de mudarmos de forno e de fonte energética, bem como o deixar de produzir pastelaria no estabelecimento”. – 39º contestação. 24. Mandou o réu instalar um forno industrial, usado, de marca Modulgás, com queimador a gasóleo, em outubro do referido ano 2005, o qual adquiriu a ««« – 40º contestação. 25. este forno, alimentado a gasóleo, permaneceu em laboração durante o período de exploração da sociedade «««, lda. – 43º contestação. 26. no mês de abril de 2011, decidiu o réu adquirir para o estabelecimento aquele novo forno, alimentado a energia eléctrica, que é sua propriedade, o qual mantém actualmente, em funcionamento, no âmbito da cedência da exploração à sociedade «««, lda., forno este que adquiriu, naquele ano de 2011, a «««, s.a. – 44º a 46º contestação. 27. De resto, ainda que, por hipótese, o que só como tal aqui concebe e aceita devesse à autora tão elevado montante, a título de diferencial do preço, o direito ao recebimento do mesmo de há muito prescreveu, o que alega para os legais efeitos.

Há uma coincidência temporal entre as transformações operadas e o período dentro do qual as quebras de consumos se registaram. a relação causa – efeito parece estar suficientemente estabelecida.

Mas disso não terá cuidado a M.ma senhora Juiz a quo.

a. Da imputação da pretensa discrepância ao usurário

Há no que aos factos tange, uma assinalável divergência entre os procedimentos tendentes à economia de consumo e as imputações ao Demandado de diferenças emergentes de uma pretensa viciação dos instrumentos de medida.

Como titular do contrato, conquanto desde muito cedo ausente, a responsabilidade que se lhe assaca não pode decorrer nem de acto próprio nem de instruções que haja transmitido a autores indeterminados e quiçá desconhecidos. Como, aliás, emerge dos autos.

Mas disso cuidará decerto o ora recorrente nas suas alegações.

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b. marcos cronológicos relevantes

registe-se neste passo o precipitado cronológico na génese de uma desmarcada DiMensÃo teMPoral susceptível de inquinar qualquer decisão que de todo a ignore:

– 17 de novembro de 2005 – data que parece indiciar o terminus a quo das quebras de consumo

– 17 de Maio de 2011 – terminus ad quem, subsequente à vistoria técnica cumprida na véspera (data a que corresponde, ante a noção técnico-jurídica, o “fornecimento”.)

– 25 de Junho de 2012 [emissão da factura com o débito decorrente da “rectificação e do recálculo da energia”, mas a remessa só se processou “nos primeiros dias de Julho” (mais de um ano depois do pretenso fornecimento, na acepção que do facto se retém)].

– 22 de Janeiro de 2015 – data da propositura da acção

Do fornecimento (data em que o “recálculo” da diferença deveria ter sido efectuado, a saber, o dia 16 de Maio de 2011) à instauração da acção (22 de Janeiro de 2015) distam em rigor 3 anos, 8 meses e 6 dias… nada mais, nada menos que 3 anos, 8 meses e 6 dias… o Demandante, recapitulando, levou mais de um ano a emitir a factura com o “recálculo” dos pretensos consumos [de 16 de Maio de 2011 a 25 de Junho de 2012 (sendo que a factura seguiu “nos primeiros dias de Julho de 2012”)].

E, a despeito da recusa de pagamento da pretensa diferença dos montantes que lhe são imputados, só em começos de 2015 (rectius, a 22 de Janeiro de 2015) se propôs o Demandante instaurar a acção no competente tribunal de primeira instância: 3 anos, 8 meses e 6 dias depois… intempestivamente! e tal parece não surpreender ninguém! até em termos de uma criteriosa gestão empresarial, de que não cumpre curar neste passo, se imporia distinta diligência!

Mas não interrompeu, não suspendeu o fornecimento nem exerceu qualquer dos poderes que como antigo monopólio e actual protomonopólio de facto detém com o beneplácito do estado concedente da exploração.

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E nem sequer o terão impressionado os prazos que a lsPe, no seu artigo 10º, aparelhou para o efeito… três anos, oito meses e seis dias depois…

2. Da decisão e sua base construtiva na fragilidade dos institutos de suporte: pressupostos

Os pressupostos de que arranca a decisão da M.ma senhora Juiz a quo poder-se-ão, em síntese, condensar em proposições que segue:

  1. a existência de um contrato entre os litigantes, de resto, ainda vigente

  2. a viciação fraudulenta dos instrumentos de medição, imputando-a ao Demandado

  3. a não elisão da presunção [que o recorrente ante os elementos carreados para os autos e anteriormente facultados (em fase preliminar de discussão ao fornecedor) entende haver logrado e que deles transluz, aliás.]

  4. a convicção de que o Demandado deixara na autora de que poderia propor um acordo de pagamento

  5. a inexistência de uma qualquer prescrição (é de caducidade do direito de acção que se trata que não de prescrição liberatória, nos termos do n. 4 do artigo 10º da lsPe, que o ora recorrente arguira).

  6. nem sequer se pronunciando sobre a caducidade do direito à diferença do preço, a justo título invocado pelo Demandado, e que corroboraria – ante os dilatados prazos vencidos – a preclusão do direito de que se arrogara a Demandante

  7. a subsunção da factualidade ao instituto da responsabilidade civil extracontratual (et pour cause…), após haver afirmado categoricamente a existência de um contrato entre os litigantes, numa clamorosa contradição nos termos, para fazer assentar “que nem uma luva” a controvertida situação na doutrina de um acórdão da relação de lisboa (de 1 de Fevereiro de 2011) que é, aliás, pedra angular da decisão

  8. e que de nenhum modo se ajusta na economia dos seus termos à factualidade assente.

  9. e, consequentemente, o recurso à figura da prescrição emergente da responsabilidade civil por actos ilícitos (a responsabilidade

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    extracontratual que dá o mote à decisão: “na realidade, encontramonos perante um caso de responsabilidade civil extracontratual, a que são aplicáveis os prazos de prescrição previstos no artº 498 do Código Civil – prazo esse que se encontra cumprido pela autora, que intentou a presente acção quer dentro do prazo de 3 anos contados da emissão da factura (data em que tem conhecimento da extensão integral dos danos, nos termos do n. 1 do artº 498 do CC”)…

  10. arredando desde logo a caducidade do direito de acção (que pretende seja prescrição), como, aliás, cumpriria fazê-lo.

    São flagrantes as fragilidades da fundamentação de direito e as contradições em que incorre reforçam o quadro no desacerto das peças que mal encaixam na moldura escolhida.

    E este excerto que antecede a própria decisão é disso exuberante manifestação:

    “Conforme refere o ac. da rl de 1.2.2011, já citado, “estando provado que a ré... utilizou...

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