A paradiplomacia como forma de inserção internacional de unidades subnacionais

AutorÁlvaro Chagas Castelo Branco
Páginas48-67

Álvaro Chagas Castelo Branco. Advogado da União. Professor da FAJS do UniCEUB. Especialista em Direito pela Universidade Gama Filho. Mestrando em Direito das Relações Internacionais, pelo UniCEUB. E-mail: alvaro.castelobranco@uniceub.br.

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1 Introdução

As relações internacionais sempre se fizeram presentes nas civilizações, principalmente a partir da formação dos Estados soberanos. Por sua vez, é consenso na doutrina do Direito Internacional Público que o tratado é a fonte escrita mais importante desse ramo publicístico do direito, não só em razão da sua larga utilização, como também devido à importância das matérias que por eles são regulamentadas.

Desde as épocas mais remotas, foram os princípios consuetudinários do livre convencimento, da boa-fé dos contraentes e da norma do pacta sunt servanda, que regeram a celebração dos tratados. No entanto, a partir de 1949, já no âmbito das Nações Unidas, o desejo de uma codificação das regras sobre o Direito dos Tratados começou a se materializar. Finalmente, no ano de 1969, foi finalizado o texto da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, sendo que apenas no dia 27 de janeiro de 1980, após o depósito de trinta e cinco ratificações, tal instrumento normativo entrou internacionalmente em vigor.

No início da regulamentação dos tratados, somente os Estados soberanos eram considerados pessoas jurídicas de direito público externo. No entanto, o ordenamento jurídico internacional viu surgir, notadamente a partir das primeiras décadas do século XX, uma nova modalidade de sujeito de direitos e obrigações internacionais: as organizações internacionais.

Questão bastante atual discutida no Direito Internacional, objeto do presente artigo, consiste na possibilidade de entes não centrais celebrarem tratados e atos internacionais, em particular, estados membros e municípios de um Estado Federal. A doutrina mais tradicional entende que à exceção das organizações internacionais, apenas os Estados soberanos, em razão de sua qualidade de sujeito do Direito das Gentes, possuem capacidade para celebrar tratados, típica manifestação de vontade de sua personalidade jurídica internacional. Algumas constituições de estados federados excluem totalmentePage 49 qualquer possibilidade de celebração de atos internacionais por parte dos entes federados. Outras reconhecem expressamente o jus tractuum das entidades infraestatais.

Verifica-se, na verdade, que todo o modelo de celebração de tratados, tendo por base a capacidade exclusiva dos entes dotados de personalidade jurídica internacional foi levado a cabo e desenvolvido a partir de um modelo de federalismo tradicional e assimétrico, com a concentração de vários poderes e prerrogativas nas mãos de um ente central.

Tal modelo tende a não atender, de forma satisfatória, aos anseios e interesses dos entes não centrais na condução de suas atividades, haja vista a intensificação das relações internacionais, substancialmente facilitadas com todos os avanços tecnológicos da humanidade e com o processo de globalização.

No caso do ordenamento jurídico brasileiro, especificamente, apesar de a Constituição da República de 1988 ter contribuído para a consolidação do processo de democratização do país, sob diversos ângulos, não se encontrou um equilíbrio nas relações federativas, notadamente no que diz respeito às relações internacionais, tanto que a condução das relações externas é concentrada no ente central, pouco restando para os estados e municípios.

Nada obstante, apesar de não haver um modelo institucionalizado de atuação internacional dos entes não centrais no ordenamento jurídico pátrio, verifica-se que o processo de democratização do país, iniciado em 1982 com a eleição dos governadores, deu início aos primeiros casos do que poderia se chamar “política externa federativa” A partir daí, até mesmo em razão dos problemas estruturais que propiciam o desenvolvimento da paradiplomacia no Brasil, a atuação externa dos entes subnacionais vem crescendo a cada dia.

2 A capacidade de celebrar tratados

De acordo com a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, “tratado significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica”.

A maioria dos autores prefere o conceito de tratado positivado na Convenção de Viena, e, ainda assim, aqueles que procuram conceituação diversa, não se distanciam muito daPage 50 definição dada pela Convenção de Viena. Dentre os autores clássicos, Von Liszt o conceitua como o acordo entre dois ou mais Estados sobre direito próprios de soberania.1

Alain Pellet considera que “o tratado designa qualquer acordo concluído entre dois ou mais sujeitos de direito internacional, destinado a produzir efeitos de direito e regulado pelo direito internacional.”2 Para Francisco Rezek, “é todo acordo formal concluído entre sujeitos de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos jurídicos.”3 Na definação de Clóvis Beviláqua, “tratado internacional é um ato jurídico, em que dois ou mais Estados concordam sobre a criação, modificação ou extinção de algum direito”, completando que a “definição acima exposta abrange todos os atos jurídicos bilaterais ou multilaterais do direito público internacional, que, realmente, podem ser designados pela denominação geral de tratados, mas que recebem, na prática e nos livros de doutrina, qualificações diversas”.4

Em 1992, o Presidente da República à época, Itamar Franco, enviou mensagem ao Congresso Nacional para que a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados fosse submetida à aprovação. Após rápida apreciação, transformou-se no projeto de Decreto Legislativo n.º 214/1992. No dia 22 de fevereiro de 1995, foi aberto à apresentação de emendas de plenário. No entanto, mesmo sem a devida aprovação pelo Congresso Nacional e sem a ratificação pelo Presidente da República, a Convenção de Viena é considerada principal fonte, como costume internacional, para as negociações do Ministério das Relações Exteriores.5

Enquanto os Estados eram considerados como os únicos sujeitos diretos deste direito, os tratados não podiam ser atos interestatais. No entanto, o ordenamento jurídico internacional viu surgir, notadamente a partir das primeiras décadas do século XX, uma nova modalidade de sujeito de direitos e obrigações internacionais: as organizações internacionais.

Virally, em seu conceito de tratado, já estendia às organizações internacionais a capacidade para celebrar tratados, ao afirmar que tratado é qualquer acordo internacionalPage 51 celebrado por dois os mais Estados ou outras pessoas internacionais e que está regido pelo Direito Internacional.6

Atualmente, está assentado que, além dos Estados soberanos, as organizações possuem personalidade internacional e, portanto, capacidade para celebrar tratados, mas essa capacidade possui limites, nos próprios propósitos e funções dessas organizações, previstas em seus estatutos ou nas decisões de seus órgãos.

Da sua própria definição, portanto, bem como da evolução do fenômeno convencional internacional, depreende-se que os tratados são o alicerce basilar que regulamentarão a maioria das relações entre os organismos internacionais.

3 O processo de formação dos tratados no ordenamento jurídico brasileiro

Desde os primeiros passos do Brasil republicano, a sistemática de incorporação dos tratados e do Direito Internacional ao ordenamento jurídico interno sofreu fortes influências dos modelos americano e francês, os quais previam a necessidade do consentimento parlamentar como condição para a validade interna e internacional dos tratados.

Atualmente, o processo de formação dos tratados e sua entrada em vigor no ordenamento jurídico brasileiro segue a sistemática prevista na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969.

Por se tratar de atos solenes, o seu aperfeiçoamento requer a observância de formalidades distintas e sucessivas. São quatro as fases de incorporação de um tratado: a) negociações diplomáticas preliminares; b) assinatura ou adoção, pelo Poder Executivo; c) aprovação parlamentar; d) ratificação ou adesão do texto normativo, seguida da troca ou depósito dos instrumentos convencionais. No Brasil, após a sua ratificação, o tratado deverá ser promulgado por Decreto do Presidente da República, e publicado no Diário Oficial da União, para que possam ter aplicabilidade e executoriedade internas.7

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É interessante ressaltar que, antes mesmo da ratificação, todos os direitos e obrigações expressos no tratado ficam restritos às relações mútuas dos contratantes, não tendo se incorporado, efetivamente, no ordenamento jurídico interno desses mesmos Estados.

Questão bastante atual discutida no Direito Internacional consiste na possibilidade de entes não centrais celebrarem tratados e atos internacionais, em particular, estados membros e municípios de um Estado Federal. A doutrina mais tradicional entende que, à exceção das organizações internacionais, apenas os Estados soberanos, em razão de sua qualidade de sujeito do Direito das Gentes, possuem capacidade para celebrar tratados, típica manifestação de vontade de sua personalidade jurídica internacional.

De fato, sustenta tal corrente que o direito de ajustar tratados e convenções deriva do direito de soberania, vez que todo Estado soberano possui capacidade para contratar, ou seja, para adquirir direitos e contrair obrigações por meio de tratados.

José Francisco Rezek assevera que apenas as pessoas jurídicas de direito internacional público – os Estados soberanos e as organizações internacionais – são sujeitos de direito...

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