Paradigmas em criminologia e relações raciais

AutorEvandro Piza Duarte
CargoDoutor em Direito pela Universidade de Brasília (UnB).Professor de Direito Processual Penal e Criminologia na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). E-mail: evandropiza@gmail.com
Páginas52-77
Paradigmas em criminologia e relações raciais
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Cadernos do CEAS, Salvador, n. 238, p. 500-526, 2016.
PARADIGMAS EM CRIMINOLOGIA E RELAÇÕES RACIAIS
PARADIGMS IN CRIMINOLOGY AND RACE RELATIONS
Resumo
O texto trata, num primeiro momento, das
mudanças do paradigma na Criminologia e da
relação entre Criminologia e racismo para
propor a existência de três grandes momentos
relativos ao debate acerca da questão criminal
e das relações raciais: primeiro, a emergência
do paradigma etiológico e sua relação com as
teorias ra ciais; segundo, o surgimento do
paradigma da reação social e sua
compatibilidade com as teorias críticas ao
racismo; terceiro, a compreensão sobre a
seletividade do sistema penal e o cinismo
político da sociedade em relação a os seus
efeitos. Depois,aprofundando a relação
explorada entre Paradigmas na Criminologia e
Paradigmas em Relações Raciais, o texto
pretende entender como diferentes paradigmas
em Criminologia podem s er pensados a partir
do uso do conceito de raça e da construção de
perspectivas críticas do racismo. Nesse
contexto, o presente texto explora, sobretudo,
o nascimento da Criminologia como ciência na
década de 1870 com a Escola Positiva Italiana.
Descreve-se, portanto, o modo como essa
ciência defendeu a existência de uma
criminalidade diferencial dos negros e
indígenas que era explicada/justificada com o
argumento da inferioridade racial. No mesmo
passo, busca-se destacar quais eram as tensões
ideológicas e políticas que marcaram as
mudanças internas nesse modelo e quais
estratégias elas propõem em relação às
dimensões de poder inerentes aos discursos
penais.
Palavras-chave. Criminologia. Racismo.
Escola Positiva. Criminologia Crítica.
Seletividade.
Evandro Piza Duarte
Doutor em Direito pela Universidade de Brasília
(UnB).Professor de Direito Processual Penal e
Criminologia na Faculdade de Direito da
Universidade de Brasília (UnB). E-mail:
evandropiza@gmail.com
INTRODUÇÃO
Nas últimas três décadas, a construção de dados sobre o quesito raça/cor foi
determinante para os estudos sobre os padrões de relações raciais no Brasil e na construção de
soluções para as desigualdades raciais, no plano das políticas públicas e do sistema jurídico
(DUARTE, 2011). Interpretações, a partir da história e de análises sociológicas, influenciaram
soluções jurídicas em nossa Corte Constitucional (DUARTE; SCOTTI, 2013).Não obstante,
ainda são raros os estudos das dinâmicas entre sistemas de justiça e relações raciais
(DUARTE; SCOTTI, 2013).
A coleta e a análise de dados no âmbito do sistema de justiça criminal distribuídos
por raça/cor (OSÓRIO, 2004; PETRUCCELI, 2007) sugerem a apresentação de como a
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literatura no campo da Criminologia (Sociologia Criminal)1 construiu uma “gramática” capaz
de apresentar os pontos centrais dessa questão.
Inicialmente, revisitamos os debates propostos, de um lado, por Andrade (1996,
2003), Baratta (1999) e Cohen (1988) sobre as mudanças em paradigma em Criminologia -
segundoo qual, no âmbito dessa ciência, teria havido uma passagem do paradigma etiológico
(centrado na busca das causas da criminalidade a partir da análise dos encarcerados) para o
paradigma da reação social (centrado nos processos de criminalização primária e secundária,
bem como na compreensão do poder de definição de quem são os considerados criminosos), o
que, em resumo, significou a mudança de preocupação com os controlados (selecionados
como criminosos) para os controladores (integrantes do sistema penal) – e, de outro por
Greene&Gabbidon (2012) e Duarte (2002) sobre a relação entre Criminologia e Racismo - no
qual se apresentam os vínculos entre raça e explicações sobre a criminalidade, ou ainda, entre
racismo e explicações sobre a discriminação na teoria criminológica e na atuação do sistema
penal.
A partir desses dois debates, destacamos a existência de três grandes momentos no
que se refere ao tema da questão criminal em suas implicações com as relações raciais:
inicialmente, a emergência do paradigma etiológico que propôs o vinculo entre criminalidade
e raça, ou seja, apresentamos o modo como as teorias da raça estão vinculadas ao nascimento
das explicações sobre a origem cientifica da criminalidade; depois, a construção do paradigma
da reação social e sua compatibilidade com as teorias críticas ao racismo, ou seja,
demonstramos como as críticas dirigidas ao controle social, sobretudo a partir dos anos de
1960, são compatíveis com perspectivas críticas ao racismo; e, por fim, abordamos o
momento paradoxal de aumento da compreensão sobre a seletividade do sistema penal e, ao
mesmo tempo, de cinismo político social em relação aos efeitos danosos do uso da
maquinaria penal como uma forma de gestão dos conflitos sociais.
A tentativa de explicitar a relação entre paradigmas em criminologia e paradigmas
sobre a questão racial impõe a necessidade de manter, de modo transversal, as seguintes
1 Conforme afirma Baratta (1999, p. 23): “O objeto da sociologia jurídico-penal corresponde às três categorias de
comportamentos objeto da sociologia jurídica em geral. A sociologia jurídico-penal estudará, pois, em primeiro
lugar, as ações e os comportamentos normativos que consistem na formação e na aplicação de um sistema penal
dado; em segundo lugar, estudará os efeitos do sistema entendido como aspecto ‘institucional’ da reação ao
comportamento desviante e do correspondente controle social.A terceira categoria de ações e comportamentos
abrangidos pela sociologia jurídico-penal compreenderá, ao contrário (a) as reações não-institucionais ao
comportamento desviante, entendidas como um aspecto integrante do controle social do desvio, em concorrência
com as reações institucionais estudadas nos dois primeiros aspectos e (b) em nível de abstração mais elevado, as
conexões entre um sistema penal dado e a correspondente estrutura econômico social.”.

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