O papel protagonista do Pre-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC) nas politicas afirmativas--a experiencia da educacao superior brasileira/The leading role of cram schools for blacks and poor people (PVNC) in affirmative policies--the experience of Brazilian higher education.

AutorSalvador, Andréia Clapp

Introdução

As políticas afirmativas vêm se fortalecendo no Brasil ao longo das últimas décadas e surgem como estratégia de enfrentamento de uma situação de desigualdade social, seja de cunho étnico-racial, LGBTQI+, de gênero ou de outras formas, em busca de maior equidade. Nesse sentido, a política afirmativa é, geralmente, reconhecida como um instrumento político voltado para inclusão de grupos subordinados ou subalternizados, muito embora seu campo de intervenção seja muito maior. Mais que um meio de inclusão, a ação afirmativa também atua em outras frentes.

Essa abrangência é ressaltada por Joaquim Barbosa Gomes (2003), que destaca alguns dos seus principais alcances: busca a efetivação da igualdade de oportunidade, logra maior diversidade e maior representatividade de grupos sociais que vivem em condições desiguais, propõe maior inclusão social, entre outros mais. Na verdade, é uma política que influi nas áreas mais importantes para a integração social, como a educação e o mercado de trabalho, além de lidar com complexas questões sociais da atualidade, como a desigualdade, a diversidade e a discriminação.

Mas é a sua ação no campo do que Gomes (2003) chama de "efeitos persistentes", de ordem cultural, pedagógica e psicológica--originadas no passado e que ainda se mantêm--, que a ação das políticas afirmativas ainda é pouco reconhecida, mas de grande importância. Assim, a implementação de políticas afirmativas provocaria alterações na esfera da igualdade e no campo da consciência social, isto é, a luta pela igualdade estaria em consonância com mudanças de mentalidade.

O caráter transformador das ações afirmativas (capacidade de alterar a dinâmica igualdade/desigualdade e a "consciência social" desta condição) ficou mais conhecido no Brasil quando houve a inclusão de cotas raciais nas universidades, o que provocou forte reação por parte da sociedade. As políticas afirmativas possibilitaram o acesso de estudantes oriundos de grupos em condições de desigualdade social nos cursos de graduação de universidades públicas, privadas e comunitárias. Além disso, também trouxe para a esfera pública questões como racismo, desigualdade de acesso ao ensino superior ou privilégios no ensino, temas que, até então, estavam invisibilizados.

Embora as políticas afirmativas no campo da educação superior fossem dirigidas a diversos grupos sociais--estudantes de escola pública, indígenas...--, foram as de corte racial que receberam severas críticas por parte da sociedade. Vivia-se o seguinte dilema, propostas afirmativas de corte econômico-social eram mais bem aceitas do que as de corte racial. Uma crítica direta que apontava para um ponto nevrálgico: o da discriminação racial. Para Ianni (2004, p. 21), a questão racial no Brasil

parece um desafio do presente, mas trata-se de algo que existe desde há muito tempo. Modifica-se ao acaso das situações, das formas de sociabilidade e dos jogos das forças sociais, mas reitera-se continuamente, modificada, mas persistente. Esse é o enigma com o qual se defrontam uns e outros, intolerantes e tolerantes, discriminados e preconceituosos, segregados e arrogantes, subordinados e dominantes, em todo o mundo. Mais do que tudo isso, a questão racial revela, de forma particularmente evidente, nuançada e estridente, como funciona a fabrica da sociedade, compreendendo identidade e alteridade, diversidade e igualdade, cooperação e hierarquização, dominação e alienação. A implementação das políticas afirmativas de corte racial nas universidades brasileiras compôs um cenário no qual se evidenciou a questão étnico-racial enquanto elemento estruturante das relações sociais. Ratificase, portanto, que o racismo é um dos fundamentos das relações no Brasil, conforme apregoa o documento Subsídios para o debate sobre a questão étnico-racial na formação em Serviço Social (2018).

A primeira política afirmativa para a população negra, por decisão do poder público, aconteceu no ano de 2001, com a aprovação, pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, de uma política de cotas raciais, com reserva de vagas de 40% para negros e pardos. Duas universidades públicas do Rio de Janeiro, a Universidade Estadual do Rio de janeiro (Uerj) e a Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), instituíram a política de cotas. Foi a partir desses projetos que os debates se ampliaram e a questão da desigualdade, principalmente a étnica e racial, se tornou mais visível.

No caso brasileiro, as políticas de viés afirmativo surgem como uma resposta às exigências feitas por grupos sociais, como negros, mulheres, homossexuais, entre outros, por direitos coletivos e culturais. Esses grupos, que vêm se organizando como movimentos sociais, principalmente a partir das décadas de 1980 e 1990, têm lutado não só por direitos que historicamente lhes têm sido negados, como também pelo reconhecimento de suas especificidades enquanto grupo social. Dessa forma, entre uma gama de reivindicações e lutas, o movimento negro vem exigindo a inclusão de seu grupo em espaços públicos, como escola e trabalho; o movimento das mulheres tem lutado pelo direito a participar de forma mais efetiva da vida política; o movimento LGBTQI+ luta pela garantia de direitos e reconhecimento de identidade.

Nas últimas décadas do século XX, os movimentos sociais de cunho identitário trazem, então, uma nova demanda e novas exigências relativas à questão das desigualdades étnicas, de gênero e de sexo, apresentando ao cenário político outras questões e "novos cenários sociopolíticos". Esses atores políticos compunham grupos sociais, tais como o movimento negro e o movimento de mulheres, que, além de exigir bens materiais, também demandavam direitos relativos ao reconhecimento de exclusão ou invisibilidade de questões raciais, de gênero, sexualidade e etnia, produtores de desigualdades que são moldadas por práticas culturais e sociais.

Segundo Paoli e Telles (2000, p. 108), esses pontos passam a compor uma agenda pública de debates, projetando na esfera política visões ampliadas de direitos e cidadania que incorporam as exigências de equidade e justiça nas dimensões societárias e culturais, que afetam identidades, existência e formas de vida. Além do mais, esses movimentos sociais fortaleceram uma perspectiva inovadora: a defesa dos direitos coletivos e culturais. A luta pelo direito dos grupos em situação de exclusão...

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