O papel da subordinação para o Direito do Trabalho

AutorTatiana Guimarães Ferraz Andrade
Ocupação do AutorAdvogada. Graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela mesma Universidade
Páginas22-30

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2.1. A importância do paradigma no estudo de uma ciência

De modo geral, define-se paradigma como sendo um exemplo que serve como modelo; padrão24.

No campo das ciências, Thomas Kuhn define como paradigmas as regras aceitas, ou seja, um conjunto de ilustrações reiteradas e quase padronizadas, que decorrem de um determinado momento histórico, em uma certa especialidade científica25.

Isso significa que toda ciência possui um centro de estudo, ou um paradigma, a partir do qual formulará suas teorias e se desenvolverá.

Em decorrência, o autor em epígrafe trata da importância do paradigma em uma comunidade científica e como tal critério se comporta diante de revoluções.

Nesse sentido, o autor declara que enquanto o paradigma for aceito pela sociedade será instrumento hábil como forma de solução para os problemas26.

Assim, se a sociedade sofrer modificações, é bem provável que os paradigmas sofram crises, o que levará a sua rediscussão para adaptação ou modificação.

Afinal, em uma ciência madura, os fatores externos são importantes, sobretudo para determinar o momento em que a crise será explorada, a facilidade com que ela pode ser reconhecida e a área na qual se manifestará, pela primeira vez, o fracasso27.

Com isso, surgem as crises nas ciências, o que leva seus estudiosos a se debruçarem sobre novas formas de solução e quiçá um novo paradigma, caso o atual se mostre incapaz de dar suporte à realidade fática28.

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No campo do Direito, sendo este um conjunto coordenado de normas29 e, portanto, uma ciência30, a noção de paradigma é perfeitamente aplicável, uma vez que a mudança nos padrões gera implicações ao ordenamento31.

Alain Supiot afirma que o papel do jurista, durante muito tempo, foi deter o monopólio do estudo das leis da sociedade humana. Contudo, tal monopólio acabou se esvaziando com o desenvolvimento das ciências sociais, tais como História, Sociologia, Economia e Política32.

Por isso, o jurista, em seus estudos, deve efetuar um diálogo com as demais ciências, em especial as humanas, uma vez que a prática do Direito é uma arte, e não uma ciência.

Jorge Luiz Souto Maior conclui que o paradigma seria "a realidade fática para a qual a norma está voltada, devendo com ela guardar correspondência para obter eficácia. O novo paradigma que se apresenta é a mudança da realidade, exigindo alteração do padrão jurídico existente"33.

2.1.1. A subordinação como um dos paradigmas do Direito do Trabalho

Sendo o Direito do Trabalho um ramo do Direito, isso significa que aquele também pode ser denominado como uma ciência, quando este possui tal acepção34.

Assim, como demonstrado, toda ciência possui um paradigma, ou seja, um critério que responde aos problemas vivenciados pela comunidade de estudo.

Alain Supiot defende que para a criação de um paradigma haja interdisciplinari-dade com as demais ciências. No caso do Direito do Trabalho, a partir de tal interação, deve ser questionada a normatividade inerente às categorias que as ciências adotam, para que se possa responder a perguntas como: "O que é um trabalhador?"35.

O passo seguinte é submeter as formas distintas de normatividade científica ao princípio do contraditório, para verificar qual a função do paradigma: um modelo, um recurso didático etc.

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Neste ponto, há que se indagar qual o objeto de estudo do Direito do Trabalho, eis que a doutrina possui algumas teorias para responder à questão, em que pese o dissenso entre os autores.

Uma das correntes, de natureza subjetiva, leva em consideração o enfoque da matéria sob o viés do trabalhador.

Assim, segundo tal teoria, aplica-se o Direito do Trabalho ao trabalhador subordinado, com extensão analógica ao trabalhador temporário, ao empregado doméstico e ao trabalhador avulso36.

Para Orlando Gomes e Elson Gottschalk, o instituto-chave do Direito do Trabalho reside no trabalho humano subordinado37.

Contudo, segundo Mauricio Godinho Delgado, do ponto de vista científico, a teoria subjetivista é a menos consistente, pois o Direito do Trabalho, como ramo jurídico, irá se desenvolver em torno de sua categoria fundamental, e não a partir de qualquer sujeito38.

A teoria objetivista, por sua vez, considera a matéria disciplinada pelo Direito do Trabalho, ou seja, as relações tratadas por este, e não somente os sujeitos nelas envolvidos.

Mistas são as teorias que tratam do objeto e do sujeito do Direito do Trabalho. Nesse sentido, Evaristo de Moraes afirma que não é admissível tentar caracterizar a matéria trabalhista com base civilista ou comercial, ou, ainda, intervir a favor de um dos sujeitos da relação, em face de sua posição de inferioridade. O Direito do Trabalho, para o estudioso, é uma soma dos dois elementos, objetivo e subjetivo39.

Amauri Mascaro Nascimento40 parte do conceito objetivo, do Direito do Trabalho como norma, mas defende, ainda, a necessidade de ampliação do conceito (e, por conseguinte, do objeto de estudo) abrangendo subdivisões do subordinado, em típico (empregado) ou atípico (eventual, avulso, temporário); bem como do autônomo, em autônomo propriamente dito e empreitada41.

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Para embasar a corrente ampliativa, há quem invoque que a Constituição Federal adotou um conceito amplo de "relações trabalhistas", a ponto de a Emenda Constitucional n. 45/04 alargar a competência da Justiça do Trabalho, para que esta não se restringisse à apreciação das demandas decorrentes da relação de emprego, mas também de todas que derivem do trabalho.

De todo modo, o fato é que a subordinação remanesce como critério fundamental para a doutrina e jurisprudência na caracterização da relação de emprego. Em razão disso, tem-se a segunda corrente doutrinária restritiva.

Manuel Alonso Olea afirma que o trabalho, objeto do Direito do Trabalho, é o da espécie humana, produtivo, por conta alheia e livre42. É humano, para diferenciar do trabalho de outros seres ou forças que operam sem a intervenção do homem; ao passo que é produtivo, pois não é lúdico, ou seja, o homem emprega sua força (manual ou intelectual) em prol de sua subsistência e para produzir bens; por conta alheia significa que os resultados ou frutos do trabalho produtivo do homem se dirigem a outrem, e não a ele próprio. Por fim, o trabalho é livre, pois a atribuição dos resultados a terceira pessoa se dá por vontade do trabalhador, ao contrário de outras formas de trabalho, como o forçado.

Angel Blasco Pellicer corrobora a teoria, ao afirmar que o Direito do Trabalho é o conjunto de normas dirigidas a equilibrar os conflitos sociais do trabalho subordinado e por conta alheia43.

Arion Sayão Romita afirma que o Direito do Trabalho é somente o Direito do Trabalho subordinado, este sob o enfoque de um contrato entre dois sujeitos, no qual um deles assume os riscos e remunera a prestação dos serviços de outrem, que, por sua vez, coloca sua energia à disposição do empreendimento44.

Segundo narra Sérgio Pinto Martins, a história do Direito do Trabalho caminhou com a própria história da subordinação e, por isso, a preocupação do legislador gira em torno da proteção do hipossuficiente e do emprego típico45.

Alain Supiot corrobora que o Direito do Trabalho é, basicamente, o Direito do Trabalho remunerado e não rege outras formas de trabalho, como o independente,

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