O papel da escola na proteção das vítimas de crimes sexuais

AutorJadir Cirqueira de Souza e Bruna Gabriela Tavares e Azevedo
Páginas75-94

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1 Introdução

Depois das entidades familiares, é nas escolas infantis, de ensino fundamental e de ensino médio, nos termos da legislação educacional brasileira, que crianças e adolescentes passam significativa parte de suas vidas. Além da formação pedagógica clássica (português, matemática, história etc.), é também no ambiente escolar que recebem as primeiras lições de cidadania e conhecimentos elementares sobre a importância dos direitos humanos na formação da sociedade. Os tempos dos alunos e da educação são valiosos e, neles, efetivamente, a sociedade deposita suas maiores aspirações de desenvolvimento. Os cuidados básicos com os direitos humanos das crianças e dos adolescentes, bem como a educação de qualidade para todos, constituem a mola propulsora na busca da qualidade de vida digna e do desenvolvimento do Brasil.

Entretanto, ao lado da constante busca pela qualidade da educação em direitos humanos, especialmente dedicada aos alunos e professores, bases de quaisquer mudanças e/ou evoluções pedagógicas, existe o mundo sombrio e silencioso das vítimas das violências sexuais que chegam às escolas, que precisam ser conhecidas, tratadas e protegidas, sob pena da escola ser acusada de omissa e, algumas vezes, contributiva no aumento da violência, especialmente sexual que vitimiza milhares e milhares de alunos todos os anos.

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Ao lado da busca da educação de qualidade, o presente trabalho buscará explicitar as formas de proteção dos novos direitos infantojuvenis, o papel dos gestores da educação na luta contra uma das mais graves formas de violação de direitos, com o detalhamento das ações, medidas e providências que devem ser adotadas e acompanhadas pelos professores de direitos humanos na erradicação e/ou pelo menos diminuição dos abusos sexuais de alunos que frequentam as escolas brasileiras e ainda não fazem parte das altas cifras da violência sexual.

Assim, a ideia central consiste em mostrar que o sistema de educação, nas esferas pública e privada, nos âmbitos federal, estaduais, distrital e municipais, certamente, ao lado dos demais integrantes dos sistemas de justiça e de proteção administrativa, além das redes de proteção integral, possui papel preponderante e decisivo na erradicação e/ou diminuição das diversas formas de violência contra crianças e adolescentes no Brasil, especialmente a violência sexual, compreendida como a prática de atos sexuais entre crianças, adolescentes e os maiores de 18 anos de idade.

Além do desconhecimento sistêmico dos mecanismos técnicos de proteção e repressão estatal em relação à violência sexual, que atinge diretamente a qualidade da educação das vítimas, é possível destacar que a luta pela erradicação da pedofilia e das demais formas de violência sexual traduz uma das mais duras batalhas travadas pela sociedade em virtude das nefastas marcas psicológicas causadas nas vítimas dos abusos sexuais.

Para serem conhecidas e poderem reivindicar seus direitos humanos, as vítimas da violência sexual precisam de carinho, proteção e tratamento com prioridade absoluta e proteção integral nas escolas. Não podem ser esquecidas, pois não denunciam, muitas vezes, simplesmente porque não conhecem as redes de proteção das vítimas (Estatuto da Criança e do Adolescente) e repressão dos criminosos (Código Penal) e, na maior parte das vezes, pela discriminação, vergonha e descrédito nas instituições permanecem em silêncio, sendo muitas fadadas sendo muitas acometidas de medo, ansiedade, depressão e demais eventos pós-traumáticos.

Enfim, a proteção das vítimas de abusos sexuais que chegam às escolas brasileiras, certamente um dos temas mais sérios na defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes, precisa ser discutido, conhecido e enfrentado no sistema de educação, como dito, base do desenvolvimento de qualquer sociedade civilizada, uma vez que as escolas constituem um dos melhores centros de convivência e socialização da humanidade.

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2 A história da proteção dos direitos infantojuvenis sob a perspectiva dos direitos humanos

Na atual quadra histórica, início do século XXI, são inegáveis os avanços mundiais na defesa dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes. Ao lado dos modernos paradigmas internacionais trazidos na Declaração dos Direitos da Infância de 1989, no Brasil passou-se da total indiferença protetiva em que existia apenas uma pseudo-proteção criminal para as duas fases menoristas sucessivas e, finalmente, chegou-se à presente fase da doutrina da proteção integral em que crianças e adolescentes são titulares de direitos e deveres na ordem jurídica vigente1.

Até a entrada em vigor do Código de Menores de 1927, a proteção dos direitos da infância e juventude no âmbito sexual era restrita à legislação penal da época imperial e da primeira república, bem como as medidas assistencialistas dominantes, sendo que, na qualidade de objeto de direito, as vítimas da violência sexual não possuíam o reconhecimento de seus direitos protegidos, como na atual legislação2.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, sobre a fundamentalidade dos direitos humanos, embora dirigida a todos, não foi assimilada na proteção menorista, uma vez que, sabidamente, a prática judicial do Código de Menores de 1927 não incorporou os princípios internacionais. Por meio de interpretação equivocada direcionada apenas aos maiores de dezoito anos, a Declaração da ONU trouxe pequena relevância para a infância, posto que vigorava o paradigma de que crianças e adolescentes, denominados de menores, ainda não eram titulares de direitos e deveres na ordem jurídica. Registre-se que foi a prática administrativa e judicial que destoou completamente dos fundamentos básicos Declaração que era direcionada a todos os seres humanos, incluindo-se os menores, denominados atualmente de crianças e adolescentes, sendo realmente tardia a percepção brasileira de que crianças e adolescentes também são titulares dos direitos humanos3.

Em 1979, modificou-se a legislação menorista com a entrada em vigor do segundo Código de Menores, porém, ainda, apesar da clara recomendação internacional, sem alusão à proteção infantojuvenil dos direitos humanos de crianças e adolescentes que continuaram a ser considerados como menores

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em situação irregular, nas hipóteses de vitimização ou de praticantes de infrações penais, tais como furtos famélicos, vadiagem etc., ou, seja, nos denominados delitos de bagatela e/ou de pouca expressão patrimonial. Não é demais lembrar que, historicamente, vivia-se no Brasil sob a égide da última Constituição autoritária (1964/1967).

Em 1988, ocorreu irreversível ruptura paradigmática na esfera pro- tetiva dos direitos infantojuvenis. Com a entrada em vigor da Constituição Federal (CF) em 5 de outubro de 1988, a partir do art. 227, houve a revogação da sistemática menorista existente desde 1927. Com a CF/88, crianças e adolescentes assumiram a relevante posição jurídica de titulares de direitos e deveres na ordem jurídica e social, cabendo à família, à sociedade e ao Estado zelarem pela eficaz concretude dos novos direitos fundamentais.

Com o objetivo de clarear, especificar e realçar os novos direitos constitucionais, seguindo-se as normativas internacionais dos direitos humanos, em 1990 entrou em vigor o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com a precisa regulamentação dos direitos e deveres das crianças e adolescentes, bem como da família, da sociedade e do Estado, tornando claro que crianças e adolescentes são titulares de direitos individuais e coletivos4, perdendo-se no tempo a nefasta qualidade de meros objetos de intervenção estatal.

Não se pode jamais esquecer que, se de um lado existem relevantes avanços legislativos na proteção dos direitos humanos de crianças e adolescentes, do outro lado observa-se que ainda existe um fosso profundo entre as modernas e alvissareiras bases legislativas e a dura e silenciosa realidade vivida pelas vítimas dos ilícitos penais sexuais que chegam às escolas brasileiras e que precisam da integral proteção da família, da sociedade e do Estado.

Portanto, a relevante história dos direitos humanos e a sequência evolutiva dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes, com seus eixos temáticos repressivos e protetivos, precisam ser discutidos e/ou trabalhados no ambiente escolar, pois, seguramente, a partir do conhecimento científico direcionado às vítimas, certamente, serão revertidos os índices da violência sexual existente nas escolas que, à toda evidência, sequer são catalogados por desconhecimento da sistemática protetiva e repressiva fixada na legislação estatutária e penal.

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3 Os danos causados pela violência sexual contra crianças e adolescentes

Segundo o INEP, em 2015, o Brasil possuía o total de 37.826.565 milhões de alunos matriculados nas escolas do ensino básico. Também existem milhões de crianças e adolescente que, ou não tiveram acesso à educação básica na fase etária própria, ou são vítimas da evasão escolar, seja para ingressarem na criminalidade, no mercado de trabalho infantil ou simplesmente abandonarem as escolas, sendo conhecidos os números do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2012) de que a cada 4 (quatro) alunos que ingressam no ensino fundamental, 1(um) abandonará a escola.

Com danos psicológicos, muitas vezes, irreversíveis, crianças e adolescentes ausentes das escolas, infelizmente, constituem alvos fáceis para a criminalidade intrafamiliar, uma vez que sem frequentarem o ambiente escolar...

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