Panoramas hermenêuticos jurídico-tributários do 'passado que ainda se faz presente' estruturados com suporte na análise de julgados do stf e do stj em questões relativas à incidência do icms nas operações de circulação de mercadorias

AutorFernanda Mara de Oliveira Macedo Carneiro Pacobahyba
Páginas177-210
155
CAPÍTULO 6
PANORAMAS HERMENÊUTICOS JURÍDICO-TRIBUTÁRIOS DO
“PASSADO QUE AINDA SE FAZ PRESENTE” ESTRUTURADOS
COM SUPORTE NA ANÁLISE DE JULGADOS DO STF E DO
STJ EM QUESTÕES RELATIVAS À INCIDÊNCIA DO ICMS NAS
OPERAÇÕES DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS
Esta abordagem, que tem por finalidade encontrar a resso-
nância do modelo do “passado que ainda se faz presente”, até
aqui desenhado, na jurisprudência brasileira, maiormente relati-
va ao ICMS, justifica-se na medida em que representa o momen-
to de configuração, de materialização, de tudo o quanto foi até
aqui exposto. Nessa medida, limitar-se-á a análise a casos julga-
dos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ou ao Superior Tribu-
nal de Justiça (STJ), e que tenha conexão especificamente com o
modo tradicional de se efetivar a Hermenêutica Jurídico-Tribu-
tária no ICMS, mais especificamente no que respeita à materia-
lidade de realização de operações de circulação de mercadorias.
6.1
STJ: RESP 1.092.206/SP e seus potenciais efeitos sobre o
RE 605.552 no STF. Fornecimento de soluções de emul
-
sões enterais e parenterais e o “eterno”193 conflito entre
193. Apesar da estrutura original do IVA prestigiar a neutralidade fiscal, o que se vê no Brasil
é o descalabro de um sistema altamente desorientado e conflituoso, que coloca os entes em
posição belicosa diuturnamente e, no meio do “fogo cruzado”, ficam os contribuintes e os con-
sumidores finais, suportando uma carga tributária excessiva. Nessa medida, como ideal de
neutralidade fiscal, do ICMS, por exemplo, se esperaria que “apesar de incidir fracionada-
mente em diversas etapas da cadeia produtiva [...], o imposto pago será sempre o mesmo inde-
pendentemente da quantidade de etapas de circulação da mercadoria (ou prestação do servi-
ço tributável), [...]. A neutralidade possui a vantagem de evitar discriminações tributárias e
pode ser vislumbrada tanto sob a perspectiva interna como externa” (MOREIRA, 2012, p. 84).
No Brasil, foi aprovada a Lei 12.741, de 2012, que dispõe sobre as medidas de esclarecimento
ao consumidor, de que trata o §5º do artigo 150 da Constituição Federal; altera o inciso III do
Consumidor, e que é medida altamente retórica e confusa, pois, especificamente no que perti-
ne ao ICMS, dada a quantidade de benefícios fiscais “de gaveta”, sem que haja a aprovação no
âmbito do CONFAZ, é absolutamente impossível saber a carga tributária efetiva das merca-
dorias e bens comercializados neste País. Ainda que haja a publicação pelos Estados e pelo DF
de todos os benefícios fiscais concedidos à margem do CONFAZ, conforme acordo estabeleci-
do no Convênio ICMS 190, de 2017, embasado na Lei Complementar 160, de 2017 (cuja consti-
tucionalidade será criticada no capítulo 9.2 desta tese), não há real visualização ou transpa-
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FERNANDA MARA DE OLIVEIRA MACEDO CARNEIRO PACOBAHYBA
entes tributantes do ISS e do ICMS
194
: uma possibilidade
interpretativa
O caso acima indicado, relativamente ao RESP 1.092.206/
SP195, evidencia um modo característico de decisão perten-
cente ao “passado que ainda se faz presente”, na medida em
que se vale de aproximações simplistas do caso em questão, e
para o qual não restaram evidenciadas as características sin-
gulares da lide, como se verá a seguir.
Contudo, antes de se adentrar especificamente no tema,
deve-se ressaltar que o mesmo faz parte de mais uma das con-
sequências de um sistema tributário que, no que pertine ao
consumo, adotou a singular característica de repartição de
um tributo que deveria ser de caráter nacional. Trata-se do
caso do “IVA brasileiro”, que se encontra repartido em, pelo
menos, três impostos, cujas competências tributárias estão
distribuídas para três entes políticos distintos: por conta dis-
so, é bastante comum falar-se nos conflitos de competência
relativos ao ISS, ao IPI e ao ICMS196.
rência possíveis no ICMS que impacta o consumidor final no Brasil.
194. A existência desses conflitos entre os entes, por conta de supostos desenhos que se entre-
laçam na materialidade dos impostos, afasta-se do pretendido em uma tributação ideal, na
medida em que causa a erosão dos princípios que devem reger os entes federativos e, mais
ainda, acabam por fragilizar a realização dos direitos fundamentais. Nesse ponto, merece des-
taque a dissertação de Victor Hugo Cabral de Morais Junior (2018), intitulada Fundamentos
para uma tributação ideal, a qual corresponde aos ideais de tributação justa.
195. A empresa litigante denomina-se “Aporte Nutricional Farmácia de Manipulação Ltda”,
conforme indicado na decisão do RE acima. Em consulta ao Google, foi identificado o site do
Grupo Aporte, sediado em Minas Gerais, e que atuaria “[...] no segmento de nutrição humana
para prevenção, tratamento e manutenção da saúde; manipulando Nutrição Enteral e, distri-
buindo diversas linhas como nutrição infantil, adulto, melhor idade, esportiva e principalmen-
te clínica a: Pacientes hospitalizados, ambulatoriais, em home care e domiciliar; Hospitais
públicos e privados; Clínicas médicas e afins; Casas de repouso; Drogarias e Farmácias; [...]”.
Vale indicar, por fim, que neste mesmo site consta um link para uma “Loja Virtual”, na qual se
encontram produtos disponíveis para venda para consumidores finais, independentemente
de receita médica e não manipulados pela empresa. Disponível em: https://goo.gl/UfyPJt.
Acesso em: 26 jan. 2018.
196. Como forma de contornar as dificuldades na consecução das atividades de instituição,
fiscalização e arrecadação desses três impostos, bem como das contribuições para o PIS/PA-
SEP e da COFINS, o Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) é um think tank de atuação indepen-
dente e que é financiado por sete grandes empresas (AMBEV S/A, BRASKEM S/A; Itaú Uni-
banco S/A; Souza Cruz S/A; Vale S/A; Votorantim S/A e Huawei do Brasil), e cujos trabalhos
técnicos são desenvolvidos pelos seguintes pesquisadores: Bernardo Appy, Eurico Marcos Di-
niz de Santi, Nelson Machado, Isaias Coelho e Vanessa Cahado. Tem apresentado propostas
de reformas tributárias para o País e, no que pertine à tributação sobre o consumo, defende a
157
CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO,
ENTRE O PASSADO E O FUTURO
Longe de acreditar que a descrição que se fará aqui resol-
ve o intrincado problema dos conflitos de competência entre
o ICMS e o ISS, parte-se da certeza de que existem caracteres
mais seguros quando se fala da competência tributária rela-
tiva a esses impostos e, por outro lado, caracteres altamente
instáveis. Dessa maneira, não é de hoje a constatação de que:
[...] os negócios jurídicos contratados pelos particulares impli-
cam, de maneira indissociável ou quase indissociável, a transfe-
rência de mercadorias e a realização de um esforço humano em
favor de terceiro, como pares de prestações associadas. Podemos
citar, por exemplo, o caso do fornecimento de alimentação em ba-
res e restaurantes ou da atividade praticada em farmácias de ma-
nipulação. Se bem observados, poucos negócios jurídicos carac-
terizam-se como serviços puros, pois na realidade a maioria dos
serviços ‘só se concretizam com o uso de quipamentos, máquinas,
ferramentas, etc. e/ou com a aplicação de materiais’, os quais “agre-
gam-se de tal forma aos serviços que, dissociá-los implica fazer de-
saparecer estes últimos”. (destacado) (ANDERLE, 2016, p. 138).
Doutrinariamente, as dificuldades relativas à aceitação
dos conflitos de competência surgem na medida em que se
idealizou, neste “passado que ainda se faz presente”, um sis-
tema constitucional tributário talhado à perfeição, e que po-
deria ser muito bem descoberto por um intérprete preciso e
atento, que (des)cobrisse o intuito do constituinte originário
e explicitasse a intenção desse legislador ou, ao menos, a in-
tenção contida na norma constitucional relativa à repartição
adoção do padrão predominante internacional, na figura do Imposto sobre Bens e Serviços
(IBS), de estrutura semelhante ao IVA, e cuja competência seria da União, dos Estados e dos
Municípios, com previsão para repartição do produto da arrecadação. Com essa medida, sob a
perspectiva dos conflitos de competência, não haveria mais sentido em defendê-los, pois as
“zonas contíguas” entre os impostos desapareceriam. Tal representaria um ganho para os
contribuintes, em termos de segurança na tributação e, para os consumidores finais, enalte-
cer-se-ia a transparência. Conforme contido na Nota Técnica nº 1, do CCiF, “o modelo brasi-
leiro de tributação da produção e consumo de bens e serviços, que compreende cinco tributos
de caráter geral (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS), prejudica o país de várias formas: a. reduz
fortemente a produtividade, na medida em que as empresas se organizam de forma ineficien-
te para minimizar o custo tributário – que pode variar muito dependendo da forma como a
produção está organizada; b. onera os investimentos e as exportações; c. por ser excessiva-
mente complexo, eleva sobremaneira o custo burocrático de apuração e pagamento dos
tributos, além de provocar um elevado grau de litígio; d. impede os consumidores de co-
nhecerem o montante de tributos incidentes sobre os bens e serviços que adquirem no
mercado”. (CENTRO DE CIDADANIA FISCAL, 2017, p. i).

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