O país das contradições: um olhar sensível a respeito das leis de terceirização e migração brasileiras

AutorTatyana Scheila Friedrich e Luciana Almeida Menezes
Páginas232-238

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1. O que há de novo?

Em meio ao turbilhão político, econômico e social vivenciado pela nação brasileira a partir de 2016, algumas leis foram sancionadas. Há uma forte modificação no contexto das proteções e garantias às minorias no sentido de haver mais retrocessos que avanços.

Contudo, para fins desta exposição, serão consideradas duas legislações específicas, ambas de 2017. São elas: a Lei n. 13.429, de 31 de março de 2017, conhecida como “lei da terceirização” e a Lei n. 13.445, de 24 de maio de 2017, que instituiu a nova lei de migração.

A primeira legislação é o produto final do Projeto de Lei n. 4.302 de 1998, de autoria da Presidência da República que, à época, era presidida por Fernando Henrique Cardoso e alterou dispositivos da Lei n. 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispunha sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas. A análise sobre o seu significado e seus impactos sociais será explicitada no tópico a seguir.

A segunda lei será comentada na terceira parte do artigo. Esta substituiu o Estatuto do Estrangeiro e a Lei
n. 818, de 18 de setembro de 1949, sendo fruto do Projeto de Lei do Senado n. 288, de 2013, de autoria do Senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB/SP), com tramitação na Câmara dos Deputados sob o n. 2.516, de 2015. Um comparativo torna-se essencial para que se possa observar a quebra de paradigma que se pretende com a nova lei para com o migrante.

Ademais, perceber e compreender a situação daquele que chega a solo brasileiro será tarefa do quarto tópico, onde se fará uma projeção dos impactos de ambas as leis na vida dos migrantes. Breves considerações e conclusões serão feitas ao final do artigo.

2. Terceirização a la Brasil: conhecendo a nova lei

A Terceirização é considerada como o procedimento por meio do qual uma empresa faz a contratação de outra empresa para que esta última realize um serviço para a primeira, tendo em vista a especialidade da empresa contratada e com o objetivo de diminuir seus custos com os trabalhadores. Sua finalidade, portanto, é que a mão de obra necessária para realizar tal serviço fique a cargo da empresa contratada, transferindo a ela as despesas com encargos trabalhistas, previdenciários e securitários.

No Brasil, tal como em diversos países do mundo, a prática da terceirização tradicionalmente ficou limitada por lei às atividades-meio, sendo proibida a terceirização da ativi-dade-fim, de modo que a empresa contratante continuasse comprometida com as finalidades a que se constituiu e que as pessoas envolvidas na realização dessas finalidades não tivessem seu trabalho precarizado.

Em março de 2017, entretanto, foi promulgada no Brasil a citada Lei n. 13.429, que passou a permitir a terceirização de qualquer atividade, inclusive a atividade-fim da empresa, alegando-se necessidade de diminuir burocracia, custos, informalidade na produção brasileira.

Em julho de 2017, foi promulgada no Brasil a reforma trabalhista, que relativizou inúmeros direitos trabalhistas garantidos na CLT. Em relação à terceirização, a lei determinou que uma empresa não pode contratar outra empresa, como prestadora do serviço terceirizado, que tenha como sócio uma pessoa que foi seu funcionário nos últimos 18 meses. Tal limitação tem como objetivo impedir que as empresas passem a exigir que seus trabalhadores se demitam e se tornem pessoas jurídicas a quem contratarão, não mais como empregados, mas como empresa

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terceirizada – e, portanto, sem se responsabilizar pelas obrigações trabalhistas.

A reforma trabalhista prevê ainda, na mesma linha de raciocínio, que o empregado que for demitido não poderá ser contratado por empresa prestadora de serviços e atuar como funcionário terceirizado da sua antiga empresa empregadora pelo prazo de 18 meses, a contar da demissão. Isso impede que a empresa repasse sua equipe de trabalhadores para uma companhia terceirizada.

A lei também prevê que o trabalhador terceirizado deve ter igualdade de acesso às instalações da empresa em que trabalham os funcionários diretamente contratados pela empresa contratante, o que significa direito às mesmas condições de alimentação, quando realizada no refeitório da empresa em que trabalham; sanitários; ambulatórios; além dos serviços de transporte e dos equipamentos de segurança. Entretanto, tal igualdade não se aplica ao vale-alimentação ou plano de saúde, que podem ser diferentes pois decorrem da contratação com cada empregador.

A terceirização em geral se dá internamente, a empresa localizada dentro do próprio país, ou externamente, quando parte do trabalho é realizado por empresa que se encontra no exterior (outsourcing), geralmente em países onde os salários são mais baixos e a legislação é menos exigente. O fato é que a terceirização, qualquer que seja, tende a piorar a situação do trabalhador.

3. Imigrantes ou estrangeiros? Mudança semântica e principiológica

A Lei n. 13.4454, de 24 de maio de 2017, instituiu a nova Lei de Migração, cuja vacatio legis é de 180 (cento e oitenta) dias, revogando as Leis n. 818, de 18 de setembro de 19495 e n. 6.815, de 19 de agosto de 19806.

A análise aqui proposta será conduzida a partir do “esqueleto” da norma, ou seja, da sua estrutura, bem como da “alma” da mesma, querendo dizer com isso que será vista também sob a perspectiva principiológica numa tentativa de extrair o seu “espírito”.

Num primeiro exame é possível constatar que a lei difere enormemente das anteriores. Comparando-a especificamente com o famigerado estatuto, a própria nomenclatura empregada teve a preocupação de incluir variadas situ-ações de migração – imigrantes, emigrantes, residentes fronteiriços, visitantes e apátridas, assim como defini-los –, ao passo que a pretérita referia-se tão somente aos estrangeiros – ou seja, ao não nacional, ao alienígena, ao forasteiro. A legislação anterior estava baseada na ideia da segurança nacional e da soberania, em detrimento dos direitos do estrangeiro, cuja nomenclatura passou a ficar estigmatizada, por isso a preferência pelo termo “migrante” que, além disso, também representa o fenômeno migratório em sua totalidade, por se referir ao mesmo tempo ao ser que emigra, desloca e imigra, num mesmo processo de circulação.

Uma importante e evidente novidade é a presença de um rol de princípios e garantias que inauguram o texto normativo, ditando assim a visão humanista que os legisladores pretenderam dar ao tema. A legislação pátria passou a prever uma enormidade de diretrizes que coadunam com os ditames constitucionais, a exemplo da previsão da Magna Carta à integração dos povos da América Latina7, bem como faróis norteadores internacionais, a saber: a universalidade, a indivisibilidade e a interdependência dos direitos humanos. De acordo com a previsão do artigo 3º da nova lei, passa a fazer parte da política migratória do Estado brasileiro o repúdio à xenofobia (II); a acolhida humanitária
(VI); a garantia do direito à reunião familiar (VIII); a inclusão social, laboral e produtiva do migrante por meio de políticas públicas (X); o repúdio a práticas de expulsão ou de deportação coletivas (XXII), etc. Oportuno novamente destacar que, em oposição aos novos ditames, o Estatuto do Estrangeiro não tratava do tema.

Concernente ao seu “espírito”, a novel legislação rompe com a barreira imposta pelo estatuto do estrangeiro, já que este considerava aquele que aqui chegava um potencial inimigo e uma ameaça à segurança nacional8. Assim, a política brasileira de migração passa a ser regida por princípios de cunho fraterno e solidário, contrastando largamente com a legislação ditatorial que servia, precipuamente, à segurança e aos interesses nacionais.

Agora o artigo 4º traz um rol exemplificativo de direitos dos migrantes, enquanto que a lei anterior tratava, em um único capítulo, simultaneamente dos direitos e dos deveres do estrangeiro. O que saltava aos olhos era a diminuta

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preocupação com os direitos, resumidos a dois artigos9, e a extensa lista de restrições e proibições impostas ao estrangeiro10. Os incisos do atual artigo 4º. preveem praticamente todos os direitos individuais e coletivos aos migrantes, incluindo a “garantia de cumprimento de obrigações legais e contratuais trabalhistas e de aplicação das normas de proteção ao trabalhador, sem discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória” (XI), além do direito...

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