Pachukanis, Vaughan and the labor law violation: the dark side of the labor relations management/Pachukanis, Vaughan e a violacao de normas juridicas trabalhistas: a face obscura da gestao capitalista das relacoes de trabalho.

AutorUchimura, Guilherme Cavicchioli

Introducao (1)

A pesquisa busca verificar algumas das proposicoes da critica marxista a forma juridica--fundamentalmente elaboradas por Evguieni Pachukanis--, a partir da estruturacao dos conhecimentos sociologicos sistematizados no campo de estudo integrado denominado face obscura das organizacoes (dark side of organizations) proposto por Diane Vaughan (1999). O trabalho tem o objetivo de indicar apontamentos para uma melhor compreensao da violacao de normas juridicas trabalhistas no sistema regulatorio brasileiro das relacoes de trabalho.

Para tanto, inicialmente, apresentam-se elementos da critica marxista a forma juridica, destacando sobretudo a analise teorica da violacao do direito enquanto categoria, realizada por Evgeny Pachukanis no setimo capitulo de Teoria Geral do Direito e Marxismo. Na sequencia, abordam-se elementos da sociologia organizacional, desenvolvendo-se a possibilidade de articular a dicotomia entre face obscura e face luminosa das organizacoes (dark side/bright side dichotomy) proposta por Diane Vaughan, com o fenomeno da violacao de normas juridicas em sua analise marxista. Por ultimo, a partir da interseccao entre estes dois campos teoricos, conclui-se com apontamentos sobre a gestao capitalista das relacoes de trabalho e a violacao de normas juridicas trabalhistas, com enfase na realidade trabalhista nacional, buscando sistematizar elementos para uma compreensao da violacao de normas juridicas trabalhistas por organizacoes empresariais de modo alinhado a apreensao critica da totalidade social capitalista.

1 A violacao do direito como categoria da critica marxista a forma juridica

A violacao do direito e tema sobre o qual Evguieni Pachukanis--teorico que lancou as bases da mais rigorosa critica marxista ao direito ate hoje conhecida--se debruca em Teoria Geral do Direito e Marxismo (TGDM), de 1924, dedicando a ele o setimo e ultimo capitulo de sua principal obra.

Pachukanis parte do pressuposto de que a violabilidade faz parte do direito, assim como, em outra perspectiva, fizera Hans Kelsen. (2) Neste sentido, credita-se parcial razao a Jeremy Bentham ao asseverar que "a lei cria o direito ao criar o delito" (PACHUKANIS, 2017a: 166). A diferenca e que, enquanto Kelsen restringe sua abordagem ao aspecto formal do fenomeno juridico e Bentham a concepcao utilitarista da sociedade capitalista, Pachukanis logo percebe o direito como "a forma, mistificada de uma relacao social bem especifica" (PACHUKANIS, 2017a: 42), buscando entao desmistifica-la, ou seja, descobrir o seu condicionamento historico.

A fim de desvelar como as relacoes juridicas se integram na totalidade social capitalista, a teoria de Pachukanis esta enraizada na compreensao da forma juridica--mais especificamente, em sua analise "como de fato a encontramos" (2017a: 75). Podese afirmar, em sintese, que Pachukanis encontra o condicionamento historico da forma juridica no desenvolvimento completo das relacoes de producao capitalistas.

"Relacionar a forma da mercadoria com a forma juridica resume, para Pachukanis, o essencial de seu esforco teorico" (NAVES, 2008: 53). Em sua analise, a relacao economica de troca precede a formacao da relacao juridica, e a forma juridica e o reflexo inevitavel "da relacao entre os proprietarios de mercadorias" (PACHUKANIS, 2017a: 95). Ou seja, a forma da relacao juridica e a mesma da relacao de compra e venda de mercadorias (e, em especial, da compra e venda da mercadoria forca de trabalho): e a forma mercantil.

Em sua raiz, a relacao juridica nao e normativa. "A relacao de troca, relacao em funcao da qual os homens se tornam sujeitos de direito, e a relacao social especifica da qual nasce o direito--a norma e apenas o fruto tardio, consolidacao posterior, da forma que a propria troca estabelece" (KASHIURA JUNIOR, 2009: 75).

Se a relacao juridica e a "celula central" pela qual o direito realiza o seu movimento real (PACHUKANIS, 2017a: 97), a norma nao pode ser mais que a manifestacao de um direito morto aguardando o alento dos sujeitos juridicos. E como se, estando diante do inexaurivel conjunto de normas juridicas a que denomina "ordem juridica", o positivismo juridico lhe dirigisse inutilmente a palavra: por que nao falas? Como resposta, so poderia se esperar o silencio imovel das estatuas--e, semelhantemente, o fascinio o qual Moises (a obra) teria um dia provocado em Michelangelo (o artifice). Vale dizer: "o direito definido como norma ou regra de conduta nao passa de posicao teorica que mescla empirismo e formalismo, desvinculando-o da vida concreta" (PAZELLO, 2015: 138).

A critica marxista ao direito, por seu lado, desenvolve-se assumindo que "o fenomeno juridico precisa ser entendido na sua especificidade e nao-atemporalidade" (PAZELLO, 2014: 142). A violacao do direito e assim analisada por Pachukanis no setimo capitulo de TGDM.

Em um "estagio primitivo", inicia o autor, sequer se distinguiam as injusticas civil e penal (PACHUKANIS, 2017a: 165). O conceito predominante, em uma esfera ou outra, era a relacao entre dano e reparacao. Apenas no capitalismo, o momento juridico se destacou das praticas consuetudinarias e, assim, tornou-se independente. Sob estas condicoes, o direito penal passa a ser caracterizado pela intima uniao entre a lei e a pena previamente formalizada para punir a sua transgressao. A partir dessa uniao, o direito penal constitui-se em um ramo metonimico do fenomeno juridico: "A lei e a pena por sua violacao, em geral, estao intimamente associadas uma a outra e, dessa maneira, o direito penal como que assume o papel de representante do direito em geral, e a parte que substitui o todo" (PACHUKANIS, 2017a: 167).

Assim, para alem da esfera penal, propoe-se identificar como a violabilidade do direito decorre da propria forma juridica em sua especificidade capitalista, perquirindo a desconformidade no ambito das organizacoes em geral e a violacao especificamente praticada por empresas no contexto da gestao das relacoes de trabalho. Busca-se desenvolver, a partir da analise realizada por Pachukanis, uma melhor compreensao sobre a violacao do direito enquanto genero, ou seja, sobre o que ha de comum entre as duas especies de ilicitos, civis e criminais.

Na dimensao terminologica, o titulo que Pachukanis deu ao Capitulo VII nos escritos originais e [phrase omitted] (pravo i pravonaruchenie) (PACHUKANIS, 1980). Em traducao literal, chega-se a direito (pravo) e violacao--ou mesmo perturbacao--do direito (conjuncao de pravo com naruchenie). A conjuncao pravonaruchenie aparece em dicionarios russos como ato que transgride o direito ou a lei e que vai contra as relacoes sociais, normatizadas pelo direito, estando semanticamente ligada a uma gama de ideias: [phrase omitted] (crime), [phrase omitted] (transgressao), [phrase omitted] (falta, erro, contravencao), [phrase omitted] (delito, malfeito), [phrase omitted] (delito), [phrase omitted] (transgressao da lei). Destaca-se tambem que nao se identifica pravonaruchenie como a palavra usualmente empregada em russo para definir crimes, que e [phrase omitted], presente em Crime e Castigo de F. Dostoevsky, ou mesmo na traducao da edicao russa de Dos Delitos e das Penas, de C. Beccaria. (3)

E fato que, observando o conteudo do Capitulo VII (pravo i pravonaruchenie) de TGDM, nao se pode negar que ali Pachukanis centraliza a preocupacao teorica nos delitos criminais. Contudo, como o autor proprio introduz, trata-se de ramo metonimico do direito: o direito penal, representando o fenomeno juridico, acaba em certa medida substituindo o todo abstratamente. Assim, pode-se concluir que as analises realizadas neste capitulo ora se referem especificamente aos delitos penais, ora aos ilicitos enquanto genero--ainda que neste ultimo caso por meio do emprego da figura da metonimia, ou seja, com a expressao do todo (direito) por meio da parte (direito penal).

Colocada nestes termos, a reflexao colocada leva a conclusao de que o titulo que Pachukanis deu ao Capitulo VII de TGDM aproxima-se mais da traducao ao portugues para "direito e violacao do direito", abrangendo os ilicitos enquanto genero--expressao de fato empregada na edicao lancada em 2017 pela Editora Boitempo. (4) Basta ver que pravonaruchenie nao esta ligada apenas a crime, mas tambem a falta, erro, contravencao, transgressao da lei.

Para o desenvolvimento proposto, sem explorar as possiveis construcoes teoricas em torno da complexidade da violacao do direito no pensamento pachukaniano, e de se delimitar o objeto para a violacao de normas juridicas. Com esta categoria ha de se entender que se conceituam os ilicitos e as infracoes de modo geral, abrangendo a desconformidade com normas juridicas publicas ou contratuais que praticada por individuos ou organizacoes--gera a pretensao de reparacao a uma outra parte. Assim, com ela se indica tanto a violacao do direito em sua forma essencial, ou seja, as relacoes juridicas--"didaticamente os contratos; tecnicamente, as relacoes entre os sujeitos" (PAZELLO, 2016: 568)--, quanto a violacao do direito em sua forma aparente, a saber, em seus momentos legal e judicial (PAZELLO, 2014), assumindo que, ao violar normas juridicas, os sujeitos juridicos estao potencialmente lhes trazendo a vida sob a forma do estabelecimento de relacoes juridicas consequentes.

A fim de melhor detalhar esta categoria, identificam-se quatro pontos centrais na investigacao de Pachukanis materializada no Capitulo VII de TGDM. Primeiro, trata-se de um momento da especificidade historica da relacao juridica: "a relacao juridica adquire historicamente seu carater especifico antes de tudo em fatos de violacao de direito" (PACHUKANIS, 2017a: 166). Segundo, a violacao de normas juridicas constitui uma "variante particular de circulacao, na qual a relacao de troca, ou seja, contratual, e estabelecida post factum, ou seja, depois de uma acao arbitraria de uma das partes" (2017a: 167). Terceiro, as sancoes assumem em regra a "expressao aritmetica" (2017a: 177). E, quarto...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT