Ouvindo o inaudito: mal-estar da maternidade em mães ofensoras atendidas em um CREAS

AutorAline Xaviera - Valeska Zanello
CargoMestra em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília - UnB; Especialista em Saúde da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal - SES/DF; Pesquisadora do grupo de pesquisa do CNPQ 'Saúde Mental e Gênero'. Universidade de Brasília, Distrito Federal, DF, Brasil ? E-mail: alinexsilva@gmail.com - Professora Adjunta do ...
Páginas438-460
Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, v. 52, 2018, e57051
ISSN 2178-4582.
http://dx.doi.org/10.5007/2178-4582.2018.57051
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Dossiê Psicologias com Gênero
Acesso Aberto
Ouvindo o inaudito: mal-estar da maternidade em mães
ofensoras atendidas em um CREAS
Listening to the unherad-of: maternity malaise in offending mothers
attended in a social assistance center
Oyendo el inaudito: malestar de la maternidad en madres ofensoras
atendidas en un centro de asistencia social
Aline Xaviera e Valeska Zanellob
a Mestra em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília - UnB; Especialista em Saúde da Secretaria de Estado de
Saúde do Distrito Federal - SES/DF; Pesquisadora do grupo de pesquisa do CNPQ "Saúde Mental e Gênero". Universidade de
Brasília, Distrito Federal, DF, Brasil E-mail: alinexsilva@gmail.com
b Professora Adjunta do Departamento de Psicologia Clínica/UnB; Pós-Doutora em Psicologa Clínica; orientadora do Programa de
Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura (PSICC/UnB); coordena o grupo de pesquisa do CNPQ "Saúde Mental e Gênero".
Universidade de Brasília, Distrito Federal, DF, Brasil E-mail: valeskazanello@uol.com.br
Resumo: A mater nidade é compreendida por meio da perce pção idealizada de que a mãe deve agir de forma protetiva
incondicionalmente com seus filhos, sendo rechaçada como louca ou má qua ndo viola este papel. Este artigo tem como
objetivo analisar, sob a perspectiva dos estudos de gênero, as falas de mulheres que transgrediram o ideal da maternidade
e foram denunciadas como agressoras e negligentes com seus filhos. Foram feitas três entrevistas com mulheres
acompanhadas pelo Sistema de Garantia de Direitos de crianças, sobre as quais p rocedeu-se a uma análise de conteúdo.
Quatro categorias fizeram-se importantes nas entrevistas, a saber: “Maternidade”, “Família de Origem”, “Relacionamento
Amoroso” e “Condição Socioeconômica”. Percebeu-se que as mulheres se encontram sobrecarregadas devido à ausência
da participação do Estado, da família extensa e dos pais, que não são responsabilizados quando abandonam ou quando
não exerce m seu papel parental, o que contribui para a dinâmica familiar violenta contra a criança 1, além do notório
processo de psiquiatrização e judicialização contra essas mulheres.
Palavras-chave: Maternidade. Violência. Políticas Públicas. Feminismo.
Abstract: Motherhood is socially seen through an idealized perception in which mothers should unconditionally act in a
protective way with their children, being c omprehended as insane or evil when they tra nsgress this gender role. This
article aims to analyze women that has transgressed that social rule and were claimed as being violent (physically or
psychologically) or neglectful. Three interviews were made with women that have been followed up by Children´s Rights
System a nd a content anal yses was done. Four main categories were noticeable: “Motherhood”, “Family of Origin”,
1 Artigo resultante da dissertação de mestrado de Aline Xavier, orientada pela Prof. Dra. Valeska Zanello , realizado no
Programa de Pós-Graduação em Psicolo gia Clínica e Cultura do Instituto de Psicologia da Universidade d e Brasília –
PPGPsiCC/IP/UnB, defendida em 2016. Intitula-se: “Mães ofensoras: loucas? Más? Uma releitura de gênero.”
ALINE XAVIER E VALESKA ZANELLO
2
“Loving Relationship” and “Socioeconomic condition”. It was remarkable that those women were overburden due the
absence of the State, the family and the children´s fathers, that are not considered when they ab andon or when they do
not accomplish parenthood, what can contrib ute to a violent familiar dynamic against ch ildren, aside from a notorious
process of psychiatric approach and judicialization against these women.
Keywords: Motherhood. Violence. Public policies. Feminism.
Resumen: La maternidad se entiende por medio de la percepción idealizada de que la madre debe actuar de forma
protectora incondicionalmente con sus hijos, siendo rechazada como loca o mala cua ndo viola este papel. Este artículo
tiene como objetivo analizar, desde la perspectiva de los estudios de género , las palabras de mujeres que transgredieron
el ideal de la maternidad y fueron denunciadas como agresor as y negligentes con sus hijos. Se realizaron tres entrevistas
con mujeres acompañadas por el Sistema de Garantía de Derechos de los niños, sobre las cuales se procedió a un análisis
de contenido. Cuatro categorías se hicieron importantes en las entrevistas, a saber: "Maternidad", "Familia de Origen",
"Relación Amorosa" y "Condición Socio económica". Se percibió que las mujeres se encuentran sobrecargadas d ebido a
la ausencia de la participación del Estado, de la familia extensa y de los padres, que no son responsabilizados cuando
abandonan o cuando no ejercen su papel parental, lo que contribuye a la dinámica familiar violenta contra el niño, además
del notorio proceso de psiquiatrización y judicialización contra esas mujeres.
Palabras clave: Maternidad. La violencia. Políticas públicas. El feminismo.
INTRODUÇÃO
A violência contra a criança é uma das mais importantes causas de mortalidade infantil em todo o
mundo (GOMES, et al., 2002) podendo alcançar, no Brasil, “proporções epidêmicas” (AZEVEDO;
GUERRA, 1989, p.99). Nas últimas décadas, houve significativos avanços na legislação e na
implementação de programas no âmbito da saúde e da assistência social que visam intervir na
dinâmica familiar violenta (RAMOS; OLIVEIRA, 2008). Entretanto, não se conhece a realidade do
fenômeno no Brasil com precisão. Não há estudos epidemiológicos que apontem a real incidência e
prevalência, desconhecendo o quantitativo tanto de vítimas quanto de agressores (AZEVEDO;
GUERRA, 2001). O Ministério da Saúde (2002, Violência intrafamiliar: orientações para a prática
em serviço.) afirma que esse tipo de violência ainda é bastante subnotificado.
Quanto ao gênero de quem sofre e quem pratica, costuma-se perceber a descrição da
negligência e da violência física e psicológica2 como neutra, perpetrada geralmente pelos cuidadores
da criança: pais ou responsáveis (AZEVEDO, 2000; AZEVEDO, 2005; AZEVEDO, 2007;
AZEVEDO; GUERRA, 1998; AZEVEDO; GUERRA, 2001; COSTA et al., 2007; HELFER;
KEMPE, 1987; LIPPI,1985; SWIFT, 1995). Contudo, Swift (1995, p.102) aponta para tais violências
como praticadas principalmente pela mãe, tendo em vista que em nossa sociedade “o trabalho de
2 O abuso sexual infantil é apresentado como violência que envolve claramente questões relativas a gênero (FURNISS,
1993).

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