Outros Tipos de Propriedade de Natureza Condominial

AutorHaroldo Guilherme Vieira Fazano
Ocupação do AutorMestre e Doutor pela PUC-SP em Direito Civil
Páginas245-356

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1 Prólogo

A intensificação e a crescente sofisticação da atividade econômica estão sempre a exigir o aperfeiçoamento de institutos e mecanismos jurídicos existentes e a criação de novos instrumentos de dinamização de negócios. Essa demanda se mostra particularmente intensa nos mercados financeiros e de capitais, num processo em que a noção de direito de propriedade vai se amoldando às novas necessidades da sociedade, sobretudo com vistas a conciliar a segurança da propriedade com a celeridade que é peculiar na circulação de riquezas nesses mercados1.

Portanto, a doutrina e a jurisprudência, antevendo essa sofisticação, dão guarida às novas manifestações de propriedades, apesar de continuar sendo adotada a concepção liberal de que os direitos reais são regidos pelo princípio do numerus clausus, ou seja, os direitos reais somente podem nascer por lei.

Isso aconteceu com o compromisso de compra e venda, hoje alçado à categoria de direito real (art. 25 da Lei n. 6.766/79 e alterações posteriores).

A propriedade horizontal é outro exemplo que teve sua origem baseada nos anseios sociais, bem antes da sua criação legal, justamente por fugir aos moldes determinados pela lei civil que tratava dos condomínios.

A propriedade fiduciária é hoje regulada pela Lei Federal n. 9.514/97.

Existem, também, outras manifestações dessa natureza, como a multipropriedade, os shopping centers, cemitérios privados, os condomínios de fato.

Apesar da existência dessas manifestações, não podemos esquecer, como aconteceu com o compromisso de compra e venda e com a propriedade fiduciária, que, na propriedade horizontal, ainda devemos obedecer à doutrina clássica, com relação aos direitos reais e seus princípios, eis que, segundo pensamos, ainda é um sistema que possui eficácia e interessa a todos.

Portanto, devemos continuar a obedecer aos princípios dos direitos reais, que são:

  1. o da legalidade e tipicidade dos direitos reais, o que significa que os direitos reais somente podem existir desde que a respectiva figura esteja prevista na lei e desde que o negócio ocorrido haja se submetido ao tipo legal;

    b) o da taxatividade ou numerus clausus, o que significa que os tipos reais são previstos pela lei de forma taxativa. Isto não quer dizer que inexiste a liberdade no que respeita

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    à configuração dos direitos reais, dado que essa configuração se encontra exaustivamente descrita na lei e essa descrição é imutável, tendo sido tudo, portanto, estabelecido pelo legislador;
    c) o da publicidade, segundo o qual os direitos reais devem ser objeto de uma publicidade específica e absolutamente indispensável, que, se não ocorre, não haverá o direito real;
    d) o da validade e eficácia erga omnes: em virtude de tais atributos ou efeitos, a mencionada publicidade é exigida justamente para que os direitos reais sejam por todos respeitados. Precisamente porque os direitos reais têm validade e eficácia erga omnes, necessário é que sejam exatamente conhecidos, inclusive podendo-se saber quem é o seu titular;

    e) inerência ou aderência, o que quer dizer que o direito real adere à coisa e a segue, manifestando-se esse princípio no direito de perseguir e no direito de preferência, significando este último que o titular do direito real deve ter preferência no exercício do seu direito, até mesmo em relação a outros direitos reais constituídos posteriormente sobre a mesma coisa, em conformidade com a máxima “pior in tempore potior in iure”. A inerência pressupõe o princípio da especialidade, que consiste em ser a coisa, objeto do direito real, necessariamente determinada e, por isso mesmo, vinculada ao direito subjetivo real do seu titular;

  2. direito de sequela, que consiste em que o direito real adere à coisa, que resta afetada ao titular do direito real, perseguindo-a onde quer que se encontre, sem a possibilidade útil de que se lhe oponham quaisquer situações, mesmo que lastreadas em direitos obrigacionais.

    De tal sorte, caso se pretenda criar uma nova modalidade de propriedade ou de direito real, sua criação há de ser por lei, como se fez com o compromisso de compra e venda, com a propriedade imobiliária e com o condomínio por pisos horizontais2.

    Vejamos algumas manifestações dessas propriedades.

2 Da multipropriedade, do direito real de habitação periódica e do time sharing
2. 1 Conceito, origem e espécies

A multipropriedade, repetimos, surgiu nos Estados Unidos da América do Norte, designada como time sharing.

Ela é uma espécie condominial relativa a locais de prazer, pela qual há um aproveitamento econômico de bem imóvel, repartido, como ensinam Maria Helena Diniz e Gustavo Tepedino, em

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unidades fixas de tempo, assegurando a cada cotitular o seu uso exclusivo e perpétuo, durante certo período anual3.

Há um direito real de habitação periódica, como dizem os portugueses, que surgiu por força da realidade político-social, para fins turísticos, conciliando os interesses dos consumidores e o das sociedades comerciais, o qual, “na prática, equivale a um regime de propriedade fracionada, não já por segmentos horizontais, mas por quotas-partes temporais”.4Na Argentina e na Venezuela (Lei de 18 de dezembro de 1995), ela é chamada de propriedade de tempo compartilhado.

Em Portugal, o Decreto-lei n. 355, de 31 de dezembro de 1981, criou o direito real de habitação periódica (nome mais adequado para a multipropriedade - pensamos), o qual, na prática, eqüivale a um regime de propriedade fracionada, já não mais por segmentos horizontais, mas por quotas--partes temporais.

Em 1980, o Decreto-lei n. 130/89 reformulou o regime do direito real de habitação periódica, esclarece Isabel Pereira Mendes5, de forma a harmonizá-lo com determinadas normas provenientes da legislação urbanística. Definiu as categorias de empreendimentos turísticos, cujo funcionamento, pelas suas características, é compatível com a existência daquele direito, e clarificou certos aspectos cuja execução vinha suscitando algumas dúvidas.

A multipropriedade apresenta-se, destarte, “como um direito que pode ser perpétuo quanto à sua duração, embora temporário quanto ao seu exercício”.6O fenômeno surgiu pela primeira vez na França, inicialmente com o nome de multi-propriété, posteriormente foi chamado pluripropriété, propriété spatio-temporelle, copropriété saisonnière e droit de jouissance à temps portagé. Foi introduzido na Itália com o nome multi-proprietà e proprietà spazio-temporale. Em Portugal, designado como direito real de habitação periódica. Na Espanha, como multipropiedad. Por fim, nos Estados Unidos da América, teve a designação de time sharing.

Gustavo Tepedino, na sua dissertação Multipropriedade imobiliária7, menciona a existência de quatro espécies de multipropriedade: a) a multipropriedade societária; b) a multipropriedade imobiliária; c) a multipropriedade hoteleira e d) a multipropriedade como direito real limitado.

A primeira espécie é aquela em que o objeto da relação jurídica é um bem móvel ou imóvel, de propriedade de uma pessoa jurídica de cunho comercial, na qual seus sócios têm garantido, por meio de um contrato, o direito da utilização de um bem social por um espaço de tempo fixo anual, por prazo indeterminado ou por elevado período de tempo.

A segunda modalidade é a multipropriedade imobiliária. É aquela, esclarece Gustavo Tepedino8, por meio da qual,

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diversos proprietários repartem o aproveitamento econômico de certo imóvel em turnos inter-correntes, normalmente algumas semanas por ano, destinando-o discriminadamente a cada um dos titulares, com exclusividade e em caráter perpétuo, de tal sorte que a cada multiproprietário corresponda o...

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