Outras formas de contratação

AutorGeorgenor de Sousa Franco Filho
Páginas190-221
CAPÍTULO VII
OUTRAS FORMAS DE CONTRATAÇÃO
1. TELETRABALHO
Trata-se o teletrabalho de uma atividade recente caracterizada por uma relação triangular (assalariado + empresa
+ novas tecnologias), e surge o trabalhador virtual, para tentar minimizar os problemas do desemprego estrutural(214).
Pode ser chamado, também, de trabalho remoto ou trabalho a distância. Com o teletrabalho há uma revisão do tradicio-
nal conceito de subordinação, porque agora o trabalho passa a ser flexível, sem os hábitos cotidianos, sem turnos, sem
local permanente, sem colegas fixos(215), substituindo o antigo trabalho regular (fixo, cronometrado, permanente)(216).
Pode chamar-se também de telessubordinação ou da teledisponibilidade(217) ou de trabalho remoto ou a distância.
O teletrabalho, tal como praticado atualmente, surgiu por volta dos anos 70, em decorrência da necessidade
de economizar combustível em deslocamentos nas cidades, com crise no petróleo. Antes, a ficção dele tratou na
primeira metade do século XX, quando Monteiro Lobato, o mesmo de O Sítio do Pica-Pau Amarelo, escreveu seu
único romance adulto, em 1926, publicado em forma de folhetim no jornal A Manhã. Trata-se de O Presidente
Negro ou O Choque de raças, vivenciado em 2228. Em seu capítulo VII (Futuro e presente), a personagem Miss
Jane, filha do prof. Benson, explica a Ayrton Lobo sobre técnicas modernas existentes nos laboratórios de seu pai,
e revela:
Em cortes sucessivos que fiz de dez em dez anos observei a diminuição rápida dos veículos atuais. A roda, que foi
a maior invenção mecânica do homem e hoje domina soberana, terá seu fim. Voltará o homem a andar a pé. O que
se dará é o seguinte: o rádio transporte tornará inútil o corre-corre atual. Em vez de ir todos os dias o empregado
para o escritório e voltar pendurado num bonde que desliza sobre barulhentas rodas de aço, fará ele o seu serviço
em casa e o radiará para o escritório. Em suma: trabalhar-se-á á distância. E acho muito logica esta evolução. Não
são hoje os recados transmitidos instantaneamente pelo telefone? Estenda esse princípio a tudo e verá que imensas
possibilidades para vir trazê-lo O progresso foi grande, mas repare que atraso ainda!
Daí para a realidade, bastaria um pequeno passo, e foi dado com o progresso que faz termos cada vez mais cer-
teza de que não existe ficção, mas apenas antecipação de fatos e acontecimentos que iremos vivenciar futuramente.
Há países com legislação adiantada em termos de teletrabalho. É o caso de Portugal e Itália, e é praticado in-
tensamente nos Estados Unidos da América, Alemanha, Austrália, Canadá, Países-Baixos, Japão e Grã-Bretanha.
No Brasil, o Projeto de Lei n. 4.505, de 2008, pretendeu regulamentar o trabalho a distância, conceituando e dis-
ciplinando as relações de teletrabalho, e continua tramitando no Congresso Nacional, mas perdeu razão de ser.
(214) FRANCO FILHO, G. de S. Globalização & desemprego... cit., p. 133.
(215) BAUMAN, Z. Globalização: as consequências humanas. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 1999. p. 120.
(216) BAUMAM, Z. Idem, loc. cit.
(217) URZE, Paula; BARROSO, Sônia Godinho & GOMES, Cláudia Teixeira. Contributos técnico-culturais para a discussão do con-
ceito de teletrabalho. Disponível em: . Acesso em: 15.04.2014.
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Parte I - Direito Individual do Trabalho
Capítulo VII – Outras Formas de Contratação
É que a Lei n. 13.467/2017, ao introduzir modificações na CLT, também criou um novo capítulo, o II-A, cui-
dando de teletrabalho, com diversas regras dispondo sobre essa atividade, como apreciaremos mais abaixo.
O teletrabalho apresenta várias vantagens: maior autonomia, possibilidade de estabelecer e controlar o próprio
ritmo do trabalho, redução de despesas de transportes e alimentação, diminuição do stress, mais tempo livre, me-
lhor qualidade de vida em família.
Existem, porém, desvantagens para a empresa: dificuldade em controlar/supervisionar o trabalho, resistência à
mudança, falta de empenho de alguns trabalhadores, redução dos graus de agregação dos empregados como forma
de valorizar a empresa, investimentos associados face à adaptação de novo local para o trabalhador desenvolver
sua teleatividade, riscos quanto à segurança de dados da empresa.
Ademais, existem dificuldades que devem ser bastante esclarecidas: identificação do país da efetiva prestação
de trabalho a fim de apontar a jurisdição e/ou lei aplicável; e, desvantagens para o trabalhador: isolamento social e
profissional, redução de oportunidades profissionais, dificuldade em elaborar um contrato de trabalho específico
(apesar das regras existentes), e problemas familiares com confusão do local de trabalho com a residência, quando
for o caso, e, nessa hipótese, com o trabalho em casa, acaba o lazer(218)-(219).
No direito brasileiro, a definição legal está na CLT:
Art. 75-B. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com
a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.
Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que
exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho.
Assim, no caso brasileiro, é perfeitamente possível identificar, à vista do preceito legal e da realidade vivida,
pelo menos três situações mais comuns: 1) o teletrabalho em telecentros (do tipo lan house ou cyber cafe); 2) o
teletrabalho realizado na casa do próprio teletrabalhador; e, 3) o teletrabalho nas dependências do empregador.
O art. 75-C da CLT determina que deve ser consignado expressa e claramente, no contrato de trabalho, que a
prestação de serviços será dada nessa modalidade, especificando as atividades que o empregado vai desenvolver
(caput) e a alteração entre regime presencial e de trabalho poderá (facultativamente) ser realizada desde que exista
acordo de ambas as partes, registrado no contrato de trabalho em aditivo (§ 1º).
Também pode ser realizada alteração inversa (do regime de teletrabalho para o presencial, desde que por deter-
minação do empregador, com registro em termo aditivo no contrato de trabalho e prazo de pelo menos quinze dias
para a transição se consumar (§ 2º). Estranhamente, a lei, nessa nova forma de alteração, não admitiu a anuência
do empregado, mas lhe impõem aceitar as novas condições, o que, ao que parece, viola o tratamento de igualdade
das partes na celebração do contrato.
A CLT deixou às partes (empregador e teletrabalhador) a fixação da responsabilidade pela forma de desenvol-
ver o trabalho. O art. 75-D dispõe:
Art. 75-D. As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos
tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de des-
pesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.
Parágrafo único. As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado.
Deve ser registrado no contrato de trabalho as atribuições e responsabilidades de cada parte pela aquisição,
manutenção e fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à realização
do teletrabalho, importando em admitir que poderá o empregador-contratante estabelecer com o empregado-
-contratado a quem incumbe fornecer esses elementos, sem que qualquer dessas utilidades integre a renuneração
do empregado. Se for do empregado o ônus de adquirir os bens necessários a desenvolver seu mister, o contrato
de trabalho também deverá prever o reembolso das despesas arcadas pelo trabalhador.
(218) Boa parte desses elementos foi colhida em: eletrabalho>. Acesso em: 8 maio 2014.
(219) Ainda sobre teletrabalho, v. o nosso Novas tecnologias e uma parte do novo mundo do trabalho. InJornal Trabalhista Consulex,
Brasília, 38:12-4, 2011; e, in LTr Suplemento Trabalhista, São Paulo, 69:353-7, 2011.
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Curso de Direito do Trabalho
Georgenor de Sousa Franco Filho
Importante é o disposto no art. 75-E, que consigna:
Art. 75-E. O empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a
tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho.
Parágrafo único. O empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções
fornecidas pelo empregador.
Embora a importância e a aparente preocupação desse dispositivo com as condições de trabalho e o meio
ambiente onde ele será desenvolvido, é de notar que a responsabilidade patronal termina na etapa de instrução,
sendo desonerado de fiscalizar a atividade do empregado, de atuar com controlador do uso dos equipamentos de
proteção individual e similares. Isto evidentemente que não é bom e o próprio termo de responsabilidade poderá
ser judicialmente questionado.
No que pertine às condições físicas do imóvel ocupado, sua iluminação e seu conforto térmico, sendo o teletrabalho
exercido em telecentros disponibilizados pelo empregador, devem ser seguidas as regras do art. 171 consolidado, quanto
às edificações, do art. 175 da CLT e da NR-17 quando à iluminação, e, quanto à ventilação (natural ou artificial) deve ser
cumprido o art. 176 seguinte, para proporcionar o adequado conforto ao teletrabalhador. Esses dispositivos continuam
em vigor e é natural sua aplicação ao teletrabalho porque plenamente compatíveis com suas regras específicas.
Se as tarefas forem desenvolvidas na casa do teletrabalhador, convém o empregador averiguar, antes de con-
tratar o obreiro, se o local atende as exigências legais ou que pelo menos não coloca em risco a saúde e segurança
do futuro empregado. Se não conseguir adequar essas condições às exigências legais, o melhor é não contratar o
empregado. No entanto, na forma do art. 75-E, fornecido os equipamentos protetores, explicado o seu uso e assi-
nado o termo de responsabilidade, fica o empregador, pelo menos em tese, isento de responsabilidade.
Relativamente às instalações elétricas, os telecentros devem considerar que foram feitas por um profissional
habilitado (art. 180 da CLT), possuindo pessoas capazes de atender empregados ou terceiros vítimas de acidentes
por choque elétrico (art. 181 da CLT). Todas as prevenções cautelares devem ser tomadas (isolamento, aterramen-
to, proteção contra fogo).
Sendo o teletrabalho desenvolvido na residência do empregado, deve o empregador avaliar as condições do
local, adotar medidas adequados de segurança e, por cautela, proporcionar a seu empregado curso de segurança
do trabalho, onde aprenda a manusear materiais de primeiros socorros e atender vítimas de choques elétricos. No
mais, retoma-se a regra do art. 75-E da CLT.
No que refere a máquinas e equipamentos, seja em telecentros, seja na residência do teletrabalhador, deve o
empregador fornecer os equipamentos necessários (art. 458, § 2º, da CLT), observando as regras dos arts. 184 e
185 da CLT, bem como é recomendável a realização, às expensas do empregador, de curso para o correto manuseio,
reparo e ajuste desse material. Esse fornecimento, todavia, deverá observar o regramento previsto no art. 75-D, no
que tange a possível reembolso por despesas efetuadas pelo teletrabalhador, destacando que esse trabalho pode ser
realizado com uso de tablets, computadores portáteis, telefones e outros meios informatizados.
Um dos grandes problemas do teletrabalho está diretamente ligado à ergonomia, e às lesões de efeito repetitivo
(LER). O tema é objeto da NR-17 e dos arts. 198, 390 e 405, § 5º, da CLT. A questão, aqui, gira em torno da postura
correta do empregado, que permanecerá sentado por longas horas, diante de um computador, movimentando apenas
seus braços e mãos, daí a necessidade de poltronas, mesas, cadeiras, teclados, telas de monitores protegidas para não lhe
causar dano à saúde, especialmente à visão e à postura corporal. E, nesse caso, pouco importa se o trabalho é desenvol-
vido em telecentros ou na residência do obreiro. Em ambos, essas providências devem ser atendidas.
Deve ser observado rigor na jornada de trabalho do teletrabalhador. Sua exposição demorada, sem intervalos,
perante a tela do monitor, e a mesma postura por sucessivas horas, poderá trazer graves danos à saúde. Assim, é
certo que a jornada regular de todo o trabalhador é a mesma do que estamos examinando, porém, neste caso, não
deve ser esquecido o disposto no parágrafo único do art. 6º da CLT, introduzido pela Lei n. 12.551/2011, que veda
a distinção também com o trabalho que se realize pessoal ou virtualmente:
Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de
subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.
O dispositivo, todavia, é destinado à caracterização da relação de emprego, o que não impede, como é recomen-
dável, a celebração de um contrato de trabalho específico, preferencialmente por escrito, onde todas as condições
sejam explicitadas minuciosamente, especialmente as relativas a jornada de trabalho e a questões ergonômicas.

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