Organização do Estado Brasileiro

AutorJadir Cirqueira De Souza
Ocupação do AutorMaestría en Derecho Público de la Universidad de Franca - SP, especialista en Procedimiento Civil de la Universidad Federal de Uberlândia - MG y Licenciado en Derecho por la Universidad Gama Filho, Rio de Janeiro
Páginas139-171

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1 Federação
1. 1 Aspectos iniciais do federalismo

A repartição de competências entre os entes federados, a competência legislativa e administrativa dos principais órgãos federais, estaduais, distritais e municipais, as respectivas funções dos entes políticos e as formas de intervenção, particular-mente, a intervenção federal são os fundamentos centrais do presente capítulo.

A idéia central é mostrar o funcionamento do Estado brasileiro, a partir de sua estrutura federativa, sobretudo em relação aos aspectos inerentes à competência dos entes políticos, como uma das formas de conhecer-se a essência da federação brasileira.

Já foi visto que a noção de Estado evoluiu a partir dos paradigmas gregos, romanos e medievais, nos primórdios das respectivas civilizações históricas. No entanto, para os objetivos do presente estudo, de forma didática, a existência do Estado pode ser analisada, antes e depois do século XVIII. No capítulo da TGE foram mostrados os principais aspectos relativos à origem e à formação do Estado. Doravante, serão analisadas as relações entre os entes políticos dos Estados, com enfoque particularizado no sistema estatal brasileiro.

Antes da análise da federação brasileira, torna-se necessário recordar as diferenças entre as principais formas de Estado. Como preliminar, observa-se que as formas de Estado estão ligadas ao modo de exercício do poder político dentro do território nacional. Já as formas de governo referem-se aos meios de chegada e o exercício do poder político, bem como as relações decorrentes entre os governantes e os governados. Os regimes de governos ligam-se à idéia de como os Poderes Públicos se relacionam de acordo com o sistema de freios e contra-pesos. São, portanto, conceitos diferenciados e com divisão própria de seus respectivos elementos, já discutidos no capítulo da TGE.

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O direito constitucional contemporâneo destaca a existência de três formas de Estado: unitário, federação e confederação. Ressalve-se que existem outras denominações, tipos e características que merecem atenta análise nas lições de MALUF.1O Estado unitário apresenta como características marcantes: a unicidade governamental hierarquizada; a ausência de divisão territorial com autonomia; e a total centralização do poder. Eventualmente, nesse tipo de Estado é possível ocorrer a descentralização administrativa, por questões de mera comodidade funcional, porém, mantendo-se a unidade do poder político na esfera central.

Já a forma de estado confederada é caracterizada pela coexistência de Estados soberanos, direito de secessão e a presença de um Tratado que regulamenta as relações soberanas entre os partícipes confederados no plano externo e/ou internacional.

De outro lado, a federação caracteriza-se pela existência de uma Constituição, idêntica autonomia entre todos os entes políticos e a inexistência do direito de secessão. É a forma mais utilizada nos países democráticos, uma vez que, a confederação e o Estado unitário apresentam problemas de difícil solução, ao passo que a federação, embora também seja complexa, ganhou forte projeção nas várias constituições ocidentais.

Em relação à confederação, observa-se que os laços são bastante frágeis em relação aos Estados soberanos e, atualmente, pouco utilizada no mundo. De outro lado, o Estado unitário não consegue solucionar os problemas distantes da esfera central, dada a excessiva concentração de poder. Por isso, a federação é a mais utilizada fora de Estado, segundo DALLARI.2O atual Estado brasileiro adotou a forma federativa na sua configuração constitucional. A característica marcante reside na harmônica divisão entre os poderes municipais, estaduais, distritais e federais, bem como na busca de colocação em prática do federalismo cooperativo, termo utilizado para designar a mútua cooperação entre todos os entes políticos, em virtude dos abrangentes e seculares problemas nacionais, conforme RAMOS.3

É composto pelas seguintes entidades políticas, todas autônomas, nos termos da CF: União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. O art. 1º e o art. 18 apresentam, assim, as partes da estrutura organizacional e político-administrativa do Estado brasileiro.

O Estado federal brasileiro, criado a partir dos paradigmas do sistema norteamericano, do século XVIII, apresenta as seguintes características: distribuição do

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poder entre dois governos; sistema judiciarista; composição bicameral do Poder Legislativo; e manutenção indissolúvel dos princípios federativos e a possibilidade da intervenção federal.4Historicamente5, sabe-se que as treze colônias inglesas rebelaram-se contra os poderes da monarquia inglesa e fundaram a Confederação norte-americana. Na época, depois de muitos conflitos armados entre a Inglaterra e os Estados Unidos da América do Norte, motivados pela reação americana ao jugo político inglês, ocorreu a independência norte-americana e a consequente criação da Confederação de Estados independentes.6Ocorre que, se no plano externo, a existência do Tratado permitia que as colônias exercitassem forte defesa contra o poderio bélico inglês e, inclusive, com sucesso, haja vista a anterior independência. Já no plano interno, a diversidade cultural, social, econômica entre as antigas colônias inglesas tornavam a manutenção do novo sistema insustentável, com a existência de vários conflitos que minavam o sentido confederado norte-americano.

A partir da constatação e das enormes dificuldades na busca de solução dos problemas inerentes à confederação foi colocado em prática nos EUA, o típico sistema federativo com a autonomia entre os Estados, a representação internacional externa sob a responsabilidade do governo federal e a descentralização do poder político, outrora unificado e concentrado na monarquia inglesa, segundo RAMOS.7Base dos vários sistemas estatais nos países democráticos, o federalismo norteamericano, diversamente do brasileiro, possui como características básicas, a maior autonomia dos Estados federados, a menor força da União nos assuntos estaduais e, ao mesmo tempo, o profundo respeito às bases da Constituição norte-americana. Têm ainda como característica o fato de que as competências estaduais são livres, exceto aquelas vedadas pela Constituição e/ou fixadas pela mesma.

Além desses aspectos básicos, o federalismo norte-americano possui como outra de suas características ser de formação centrípeta, dual e por agregação, ou seja, formada pela união das treze colônias inglesas, que, como visto passaram a gozar de total soberania, após o rompimento com a Coroa inglesa, ou seja, com a Indepen-

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dência dos EUA abdicaram da soberania e formaram o Estado norte-americano com a promulgação da Constituição federal em 1789.

O sistema federativo norte-americano também apresenta vários problemas. Um deles reside nas várias e múltiplas facetas dos estados autônomos em suas relações econômicas, sociais e culturais. O tamanho do Estado e suas funções também são temas de acalorados debates. Por isso, existem sérias discussões doutrinárias sobre o tipo ideal de federalismo utilizado nos EUA. De qualquer modo, mesmo com sérias divergências, desde sua formação inicial, constitui o modelo adotado por vários países.8Assim, com o surgimento do Estado e o abandono da confederação, foram construídas duas ordens jurídicas autônomas, ou seja, a federal e a estadual, bases específicas do sistema federal.

O sistema federal brasileiro possui natureza centrífuga, trial e por desagregação. No Brasil, o poder absoluto e centralizado que permaneceu durante a época imperial, por ocasião da primeira República, foi desmembrado na criação dos Estados-membros que, antes, eram meras províncias, que possuíam natureza eminentemente administrativa e totalmente subordinadas ao governo central. Ou seja, ocorreu rompimento da estrutura central em três níveis de poderes autônomos, ainda que com algumas divergências, diferentemente da duplicidade norte-americana. Assim, fixou-se a divisão ou a desagregação do outrora estado unitário, conforme lições de ROBERT.9Em suma, a história e as bases do federalismo norte-americano, com seus erros e acertos e sua específica evolução continua a exercer forte influência em quantidade de países no mundo ocidental, inclusive no Brasil, que, como será demonstrado, obteve formação federativa diversa do paradigma norte-americano.

1. 2 Histórico do federalismo brasileiro

A partir da análise prévia das origens do Estado federal10restou claro que o federalismo norte-americano, implantado na Constituição de 1789, exceto em relação à constituição imperial, influenciou todas as constituições brasileiras anteriores à de

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1988, que, alternativamente, fizeram uso das duas formas de Estado, alternando-se o Estado federal e o Estado Unitário, respectivamente, nas democracias e nas ditaduras.

A CF de 1824 adotou a forma de Estado unitário ou centralizado. O Estado brasileiro inicial foi altamente centralizador e com todos os poderes – políticos, administrativos, judiciais e o moderador – fixados nas mãos do governo imperial.

Nessa época, a influência norte-americana ainda não teria sido sentida, apesar do Ato Adicional de 12 de agosto de 1834, única mudança que ocorreu na CF imperial, praticamente, introduzir o sistema federativo ao conceder autonomia legislativa, tributária e administrativa às Províncias. Entretanto, a pretensa autonomia dos Estados-membros foi reduzida em maio de 1940, com a famosa lei interpretativa do Ato Adicional que diminuiu as bases do federalismo inicial brasileiro, segundo...

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