As interações sistêmicas entre direito, economia e organizações: considerações sobre o rompimento com o cartesianismo e o direito como custo para atividade empresarial

AutorLuciano Vaz Ferreira
Páginas43-53

Luciano Vaz Ferreira. Professor de Direito Comercial e Tributário nos cursos de Administração e Contabilidade da Faculdade Porto-Alegrense, Bacharel em Direito (PUCRS) e Mestre em Direito (UNISINOS).

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1 Introdução

Uma grande montadora lança um novo carro no mercado que, em poucos meses, revela ter um design falho: o tanque de gasolina foi colocado na parte traseira do veículo, em um local extremamente vulnerável. Assim, uma pequena batida traseira pode gerar a explosão do veículo em questão de segundos. Após inúmeros consumidores sofrerem graves acidentes, ações judiciais foram propostas. Em uma análise de “custo / benefício”, a empresa constata que seria mais barato pagar as indenizações aos lesados a promover um amplo recall do modelo, ainda que a escolha da primeira alternativa implique em perda de vidas. Demorou-se quase uma década para que o design fosse corrigido.

Uma empresa prestadora de serviços possui a prática de firmar contratos com seus consumidores por meio telefônico, sem checar os dados fornecidos. Inevitavelmente, algumas pessoas passam a utilizar a falsidade ideológica, de modo a aproveitarem-se da situação. Os verdadeiros donos da documentação acabam sendo prejudicados, pois se tornam inadimplentes sem nunca terem usufruído o serviço. A empresa escolhe pagar as ações na justiça a modificar sua forma de contratação, o que implicaria em custos elevados.

Apesar do tom dramático na apresentação dos casos acima, eles são reais. O primeiro ocorreu nas décadas de 70 e 80; o segundo, cotidianamente. Apesar de parecerem de simples resolução, envolve, na realidade, uma radical mudança de paradigmas epistemológicos, que será vista a seguir.

2 O modelo cartesiano

O pensador francês René Descartes, no Século VII, com sua obra “Discurso sobre o Método”, propôs um método científico universal, baseado nas ciências exatas, para aplicação em todos os ramos do conhecimento. A obra cartesiana foi, em sua época, revolucionária, pois propunha um método racional e laicoPage 45 (basta lembrar da célebre frase de Descartes, “penso logo existo”, derrubando qualquer influência religiosa), de acordo com o pensamento iluminista. Para o autor, o universo funcionava como uma máquina (por isso suas idéias foram conhecidas como “mecanicistas”), de forma precisa e previsível.

Sua abordagem reducionista propunha a divisão dos objetos de estudo em diversas partes, reduzindo-os aos seus componentes mais básicos (DESCARTES, 2000). Sendo assim, não se analisa o problema como um todo, mas sim o funcionamento das partes individualizadas, isoladas das demais. Com a dissecação de cada parcela, entende-se ser possível deduzir como o objeto em sua totalidade se comporta.

Os mecanicistas utilizaram o relógio de pêndulo como modelo de sua teoria. Esse artefato artificial construído pelo homem é autômato, funcionando por meio de um pêndulo (sem força de energia externa). Caso uma engrenagem do relógio estrague, apesar de impedir seu correto funcionamento, não compromete, em si, as outras partes que o compõe. Dessa maneira, bastaria identificar, isolar e substituir a parte defeituosa, sem a necessidade de executar diagnósticos nos demais componentes, uma vez que sua suposta independência impede que sejam afetados.

Como o conhecimento humano, por séculos, era considerado como uno, vivenciava-se, antes de Descartes, um ecletismo que hoje seria considerado inacreditável: os pensadores de outrora eram, ao mesmo tempo, filósofos, matemáticos, médicos, pintores e juristas (Leonardo da Vinci, como maior exemplo). O projeto do filósofo francês superou esse modelo, ao compartimentalizar o conhecimento de modo a facilitar sua compreensão, permitindo uma crescente especialização das áreas profissionais. Nesse sentindo, não há comunicação entre diferentes ciências, visto que cada qual cumpre o seu papel de forma paralela.

3 O modelo sistêmico

Uma alternativa à abordagem cartesiana foi proposta por Ludwig Von Bertanlanffy, por meio da Teoria Geral dos Sistemas, sendo que a inspiração de seu conteúdo está nas ciências naturais. Conforme a visão sistêmica, o conhecimento estaria dividido em uma plêiade de sistemas. Há uma necessidade da individualização dessas estruturas, à medida que a eliminação completa de barreiras não permite a criação de diferenciação entre as partes, causando confusão. No entanto, essa relativa autonomia não exclui a interdependência entre os diversos sistemas (TEUBNER, 1993), uma vez quePage 46 eles se encontram inseridos no mesmo ambiente, comunicando-se entre si, de forma contínua.

Assim como a teoria mecanicista, a teoria sistêmica também possui uma pretensão epistemológica universal de ser utilizada em todos os campos do conhecimento. Contudo, enquanto o primeiro prevê um comportamento estático das partes, a proposta sistêmica apresenta o oposto, ao estabelecer a capacidade de interação constante, de forma dinâmica, entre os vários sistemas. Desse modo, ao invés de promover o isolamento e fragmentação das diversas disciplinas...

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