O ônus da prova no direito processual do trabalho a partir da lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017

AutorWânia Guimarães Rabêllo de Almeida
Páginas135-144

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1. Introdução

O direito surge de fatos e são fatos que impedem o seu surgimento, o modificam ou o extinguem. Daí a relevância da prova dos fatos alegados pelas partes.

Tradicionalmente, a distribuição do ônus da prova entre as partes é realizada levando-se em consideração a natureza dos fatos controversos. Neste sentido, o art. 333 do CPC de 1973 estabelecia que ao autor cabia o ônus da prova do fato constitutivo do direito deduzido e, ao réu, o ônus da prova do fato modificativo, impeditivo ou extintivo daquele direito.

A CLT trata da questão no art. 818, que, na sua redação original, dispunha que a prova das alegações incumbe à parte que as fizer.

O CPC de 2015, embora mantenha a distribuição do ônus da prova fundada na natureza do fato controverso (art. 373, I e II), adota a denominada teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, passando a dispor, no art. 373, § 1º, que nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

O CPC de 2015 acrescenta que a distribuição dinâ-mica do ônus da prova não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil (art. 373, § 2º) e, no art. 373, § 3º, dispõe que a distribuição diversa do ônus da prova também pode ser realizada por convenção das partes, salvo quando recair sobre direito indisponível da parte ou tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

Com a entrada em vigor do CPC de 2015, veio à luz o debate sobre a sua aplicabilidade no processo do trabalho, tendo prevalecido o entendimento em sentido positivo, como se vê, por exemplo, da Instrução Normativa n. 3916, do Tribunal Superior do Trabalho, salvo em relação à distribuição dinâmica por convenção das partes.

No entanto, a Lei n. 13.467/2017 conferiu nova redação ao art. 818 da CLT, adotando, em parte, a solução consagrada pelo CPC de 2015.

O presente ensaio tem como objetivo o exame do art. 818 do CLT em sua nova redação.

2. Ônus da prova e distribuição do ônus da prova: aspectos gerais

Às partes, cabe alegar os fatos que sustentam as pretensões manifestadas na ação e na defesa, ou seja, o autor e o réu devem apontar, na petição inicial e na defesa, respectivamente, os fatos que fundamentam as suas pretensões, possuindo, portanto, o ônus da alegação.

Contudo, não basta às partes alegarem fatos, posto que a elas cumpre provar a ocorrência dos fatos que alegam em juízo, quando ela tiver sido colocada em dúvida ou o exigir a ordem jurídica. As partes têm, desse modo, o ônus da prova.

A ordem jurídica distribui entre as partes o ônus da prova, ou seja, realiza a repartição, entre as partes, do encargo de demonstrar a verdade dos fatos objeto de controvérsia.

Do ônus da prova pode-se falar em sentido objetivo e subjetivo. Com efeito, conforme anota José Maria Rosa Tesheiner:

Em sentido objetivo, ônus da prova é regra de julgamento, tendo por destinatário o juiz. Assim, no processo penal, é regra, fundada na presunção de inocência, que o juiz deve absolver o réu, não havendo, nos autos, prova da materialidade do crime e da autoria. Nesse sentido, há regras sobre o ônus da prova, nada importando

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que se trate de processo inquisitorial ou dispositivo. Vedado o non liquet, ou seja, a recusa de julgamento, por falta de certeza quanto aos fatos, necessariamente há de haver regras que digam ao juiz como julgar, quando não há prova alguma, ou quando em dúvida invencível quanto aos fatos essenciais. Em sentido subjetivo, a ideia de ônus da prova liga-se mais fortemente aos processos de tipo dispositivo. O ônus da prova é repartido entre as partes, sucumbindo aquela que dele não se desincumbe. Assim como o direito subjetivo se vincula a uma regra, em sentido subjetivo, vincula-se a uma regra de julgamento (ônus da prova em sentido objetivo). À luz do art. 333 do CPC, o autor sabe que seu pedido será rejeitado, se não fizer prova do fato constitutivo do seu direito; o réu, por sua vez, sabe que sucumbirá, se não fizer prova do fato extintivo ou impeditivo, alegado na contestação. (TESHEINER, 2005, p. 355).

A parte que tem o ônus de provar determinado fato suporta o risco da ausência desta prova. Fala-se em risco, porque a parte contrária pode confessar a ocorrência do fato contra ela alegado, deixar de negá-la (o que implicará admissão de sua veracidade) e até produzir prova da sua ocorrência e o julgamento da demanda se dá com esteio na prova constante dos autos, independentemente da parte que a tenha produzido (princípio da aquisição da prova pelo processo).

3. Distribuição do ônus da prova no CPC de 1973

O CPC de 1973 distribuía o ônus da prova de forma rígida, adotando, portanto, a regra da distribuição rígida do ônus da prova.

Com efeito, de acordo com o art. 333 do CPC de 1973, ao autor cabia o ônus da prova do fato constitutivo do direito deduzido em juízo, enquanto ao réu competia o ônus da prova de fato impeditivo, extintivo ou modificativo daquele direito. Trata-se, assim, de uma distribuição rígida do ônus da prova, posto que tinha como ponto de partida a natureza dos fatos controversos e desconsiderava a especificidade do caso concreto e, em especial, a capacidade de as partes produzirem prova dos fatos controversos.

Esta opção está em sintonia com a concepção individualista e liberal do processo, que atribui às partes a responsabilidade pela satisfação, ou não, do direito objeto da demanda.

A “intenção do legislador de 1973 foi primar pela segurança jurídica e pela igualdade puramente formal entre as partes, caracterizando, assim, visão puramente liberal do fenômeno. O caráter fechado da regra prevista no art. 333 do CPC deixa o juiz sem margem para construir outra disciplina que não aquela positivada na lei, imaginando-se que esta pudesse continuar tendo a virtude de prever toda e qualquer situação conflituosa apresentada em juízo.” (CARPES, 2010, p. 68).1

Não se pode olvidar, no entanto, que a rigidez do art. 333 do CPC de 1973 foi abrandada pelo legislador em determinadas situações, especialmente por meio da técnica da inversão do ônus da prova, como se deu, por exemplo, no art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, o que, no entanto, não é suficiente para negar que, como regra, a distribuição do ônus da prova entre as partes se dava na forma rígida estabelecida pelo aludido dispositivo legal.

4. O art 333 do CPC de 1973 como fonte subsidiária do direito processual do trabalho

De acordo com o art. 818 da CLT, na sua redação original, cabia à parte provar os fatos que alegasse. Sob este prisma, à parte cabe provar o fato que alegava em favor de sua pretensão.

Não havia consenso na doutrina sobre a necessi-dade, diante dos termos do art. 818 da CLT, de recorrer ao art. 333 do CPC de 1973 como fonte subsidiária do Direito Processual do Trabalho.

Para Mauro Schiavi, o art. 818 da CLT “não é completo, e por si só é de difícil interpretação e também aplicabilidade prática, pois, como cada parte tem de comprovar o que alegou, ambas têm o encargo probatório de todos os fatos que declinaram, tanto na inicial como na contestação [...]. Não resolve situações de inexistência de prova no processo, ou de conflito entre as provas produzidas pelas partes”. (SCHIAVI, 2016, p. 694-695).

Valdete Souto Severo sustenta que o art. 818 da CLT “é suficiente em si, mas parece que poucos conseguem perceber isso. Sua redação é simples justamente porque ônus (que sempre caberá a quem alegar) só será perquirido após superadas as questões relativas aos deveres de produção de prova, que recaem sobre a figura do empregador.” (SEVERO, 2017, p. 205).

Para Rodrigo Garcia Schwarz:

Na verdade, os preceitos contidos nos incisos I e II do art. 333 do Código de Processo Civil

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apenas tratam de explicitar disposição idêntica
àquela contida no art. 818 da Consolidação das
Leis do Trabalho, como será visto a seguir. A regra geral, portanto, é de que a prova incumbe
a quem afirma e não a quem nega a existência
de um fato; somente será o réu onerado se, não
negando a existência do fato constitutivo do
direito do autor, opuser àquele um outro fato,
impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Não há, portanto, no que diz respeito à regra de distribuição do ônus da prova,
nenhuma necessidade de aplicação subsidiária
do Código de Processo Civil em face da clareza
da disposição contida no art. 818 da Consolidação das Leis do Trabalho: em regra, a prova
das alegações incumbe ao autor; se o réu alega
a existência de fato impeditivo, modificativo ou
extintivo do direito do autor, todavia, este não
mais precisará provar o fato constitutivo do seu
direito, posto que a existência deste foi admitida, ainda que de forma velada, pelo réu, ao
qual, agora, incumbe a prova das suas alegações.
(SCHWARZ, 2006, p. 376).

Conforme Cleber Lúcio de Almeida,

Sem dúvidas, cada parte deve provar a veraci-dade do fato que alega como fundamento de sua pretensão. Sob este prisma, o art. 818 da CLT não merece reparos. Contudo, verificada a insuficiência da prova de fato controverso e relevante para o julgamento da demanda, que critério deve nortear o juiz do trabalho na decisão do...

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