On the military-entrepreneurial regime of occupation of the Rio de Janeiro favelas: a (critical) analysis of the UPPs/ Sobre o regime empresarial-militar de ocupacao das favelas do Rio de Janeiro: Uma analise (critica) das UPPs.

AutorVieira, Rafael Barros
CargoReport

Introducao

A partir de novembro de 2008, com a instalacao da primeira UPP no Santa Marta, muito do debate publico sobre "seguranca publica" passou a gravitar em torno das mesmas, e boa parte das intervencoes do poder publico e da cobertura midiatica termina hoje em dia separando as favelas entre "pacificadas" e "nao-pacificadas". Com isso, o enfoque dado ao tratamento de uma diversidade de temas relacionados a "seguranca publica" torna as UPP's uma especie de centro de gravidade sobre tais temas. Ha UPP's instaladas hoje em 38 favelas do estado do Rio de Janeiro, algo que corresponde a menos de 4% das mais de 1.000 favelas consideradas pelo Censo de 20101, existentes hoje na regiao metropolitana do Rio de Janeiro. Posteriormente a criacao das UPP's, pouco tem se falado sobre os outros 96%.

Desde a sua criacao, ha um pesado investimento na construcao de um consenso em torno das UPP's por parte dos poderes dominantes. Embora muitos(as) moradores(as) de favelas reconhecam a importancia da reducao dos tiros a esmo, estes nao desapareceram, e nao sao suficientes para reverter o quadro de arbitrio ao qual sao submetidos. Durante algum tempo, e em certa medida ainda hoje, muitos(as) moradores(as) em favelas e ativistas ao levantar questionamentos sobre as UPP's sao interpelados por uma pergunta retorica: "Voce preferia como era antes?". Essa pergunta, que muitas vezes vem formulada por agentes de Estado, pressupoe ao(a) morador(a) de favelas, a quem ela geralmente e feita, escolher entre duas opcoes: ou a presenca do comercio varejista de drogas armado ou a policia.

Quase 7 anos depois de sua instalacao, e apos os levantes que tiveram sequencia no Brasil no decorrer de 2013 e reposicionaram uma serie de temas no debate publico e a reacao subsequente que toma novas formas no ano de 2015, e mais do que urgente ir alem desse tipo de maniqueismo politico, pois implica dar ao morador de favela, o principal impactado pelos rumos e destinos colocados para a favela, a unica opcao de escolher o que e "menos pior" de uma opcao que ja vem pronta, junto a um pacote fechado. Esse tipo de atitude (que e tambem uma estrategia politica) implica em constrange-lo e limita-lo a uma dessas opcoes, promovendo o silenciamento sobre uma conjuncao de fatores que incidem sobre sua experiencia cotidiana, mas que sao deslocados como "secundarios" diante dessa pergunta inicial. O argumento do "menos pior" e caracteristico da implementacao de uma politica de chantagem (independentemente do grau de consciencia subjetiva de quem a realiza), que atraves dela, pretende silenciar qualquer critica e questionamento que paire sobre ela. Nao ha somente a opcao A ou B, opcoes essas ja estabelecidas previamente e que encaram o(a) morador(a) de favelas como objeto passivo de uma politica publica, em que depois que ela e implementada, pergunta-se para ele(a) se era "menos pior" antes ou depois.

Pretendo levantar alguns pontos e questionamentos que vao alem desse tipo de raciocinio dicotomico no intuito de colocar em evidencia pontos que vem sendo pouco comentados em torno das UPP's e seus significados. As UPP's nao sao unidades territoriais isoladas e cerradas entre si, mas compoe um conjunto de estrategias complexas que a vinculam a um projeto de cidade e de poder. O objetivo do presente ensaio foi compreender alguns tracos principais das UPP's enquanto projeto, mas reconhecendo que as mesmas agem e se manifestam dotadas de particularidades espaciais, o que demandaria uma pesquisa empirica com rigor critico no ambito das diferentes favelas hoje ocupadas pelas mesmas para compreender tais particularidades. Seria importante a articulacao desses dois momentos para compreende-la em um alcance mais amplo. Infelizmente essa tarefa nao e possivel nos limites desse trabalho. Por isso procurei adotar nele a forma-ensaio, partindo de Florestan Fernandes, na tentativa de permitir com que o investigador, movido tambem por uma dimensao de urgencia, possa questionar a historiografia dominante do tempo presente e se abrir a uma realidade ainda pouco explorada e insuficientemente documentada (2).

  1. As UPP's como um dos eixos de um projeto de cidade e de poder

    A urbanizacao vem sofrendo transformacoes em larga escala a nivel global, sobretudo a partir de meados da decada de 70. Com a reestruturacao capitalista que culminaria na hegemonia neoliberal como paradigma de acumulacao, o papel das cidades passa a ser revisto atraves dos processos de financeirizacao da economia e das relacoes sociais. Com a generalizacao da forma-empresa para os multiplos aspectos da vida social (3), a cidade passa a ser vista ela mesma como um espaco direto da financeirizacao e valorizacao do capital. Com as transformacoes tecnico-cientificas ocorridas com a chamada 3a Revolucao Industrial, o deslocamento de capitais acelera-se, buscando espacos onde a acumulacao possa se dar com o minimo de "entraves" possiveis: dificuldade de atuacao de sindicatos e movimentos sociais, legislacao trabalhista flexivel e flexibilizavel, incentivos fiscais, um sistema legal e monetario favoravel, garantias ao direito de propriedade amplas (tanto pela via legal quanto do aparato coercitivo) e etc. O capital passa a exigir o maximo de seguranca possivel em todos os sentidos para que o fluxo de acumulacao possa se dar continuamente, e as cidades sao parte desse processo, cabendo a elas, num regime de competicao entre si, dar o maximo de garantias possiveis para que tais processos sociais ocorram. Encarada como uma empresa em concorrencia por capitais com outras empresas (4), as cidades passam a formular uma imagem "competitiva" visando atrair esses capitais atraves de uma serie de incentivos que vao da reducao de impostos a atuacao do proprio Estado como vetor da acumulacao (5).

    No urbanismo, esse giro representa a passagem da abordagem administrativista, tipica do Welfare State, para uma de vies empreendedor na passagem da decada de 70 para a decada de 80 no noroeste global. No decorrer dessas transformacoes, ha o abandono progressivo das politicas de pleno emprego e assistencia social para modelar o Estado a partir de vinculos estreitos com o setor privado. Esse percurso, que e comandado pela critica neoliberal ao Estado como sinonimo de ineficiencia, e todo ele feito a partir de uma forte intervencao estatal, por um lado recorrendo ao braco repressivo (6) (que cresce exponencialmente durante esse periodo e nos anos subsequentes) contra a populacao pobre, geralmente negra e periferica, sindicatos e outros movimentos que resistiam aos ajustes que incidiam diretamente sobre os direitos dos trabalhadores (7), e por outro criando uma estrutura juridicoinstitucional que de o maximo de protecao possivel ao capital. Segundo David Harvey (8), esse modelo de gestao das cidades opera sobretudo a partir da nocao de "parceria publico-privada", no qual as atividades estatais habituais se integram com o uso dos poderes governamentais como meio de atrair fontes externas de financiamento. A parceria publico-privada e encarada como empreendedora e especulativa, e por isso assume os riscos associados ao desenvolvimento especulativo. Ou seja, em muitos casos isso significa que o setor publico assume o risco para que o setor privado fique com os beneficios e lucre a partir disso. As administracoes locais concentram-se no estimulo as atividades empresariais, atuando como "facilitador", "coordenador" ou "parceiro" de tais atores (9). O espaco urbano passa nao somente a ser gerido pelos interesses empresariais, aumentando assim o poder de classe do capital, mas passa a ser entendido ele mesmo como uma propria empresa.

    Isso e mais do que uma mudanca administrativa, sendo atravessada pela capacidade do grande capital de assumir o controle da gestao da cidade e da producao de formas de vida adequadas a sua reproducao (10). A privatizacao de antigos espacos publicos ganham centralidade nesses contornos, associados tambem a um complexo arranjo de mecanismos, regulamentacoes e formulacoes juridicas que transferem progressivamente o centro do processo decisorio para as maos do grande capital ou de seus agentes diretos, que passam a ser o sujeito ativo da intervencao no espaco, eliminando quaisquer formas de mediacoes.

    A cidade-empresa (na qual os governantes sao vistos como gestores) assume o papel de reordenar-se de forma a garantir o maximo de condicoes para a acumulacao, atuando de forma decisiva na mercantilizacao do cotidiano, conformando de maneira associada uma cidade-mercadoria ou cidade-commoditie. Essas mercadorias que passam a ser negociadas pelas cidades com o grande capital sao tanto os insumos valorizados como centros para convencoes e feiras, parques industriais, oficinas de informacao e assessoramento a investidores e empresarios, know-how empresarial para receber o investidor transnacional, infra-estrutura a ser utilizada e voltada para receber o grande investidor transnacional, mao-de-obra adequada e adestrada para que o fluxo de acumulacao se realize ininterruptamente e etc (11); quanto acesso direto aos diferentes espacos do cotidiano nos quais se amplia o processo de regulacao mercantil e de eliminacao de formas consideradas "atrasadas ou pouco lucrativas" de acumulacao; tambem no acesso a um mercado consumidor que possa manter esse ciclo social em funcionamento; alem da ampliacao da gentrificacao e aburguesamento dos espacos, ja que esse modelo de cidade e voltado para um publico-alvo, que Vainer aponta a partir do texto dos proprios formuladores do planejamento estrategico como sendo o usuario e consumidor solvente (encarado permanentemente como um cliente da cidade).

    No Rio de Janeiro, esse quadro torna-se claramente perceptivel acompanhando as coordenadas gerais do pais e marcado por particularidades socio-historicas. O neoliberalismo ganha forca durante a decada de 90 como reacao aos movimentos sociais (sindicais, urbanos e etc) que vinham de um ascenso de lutas durante a decada de 80. No Rio de Janeiro...

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