Olympic Villages in Rio de Janeiro and so-called social organizations: neoliberalism in the field /As Vilas Olimpicas na cidade do Rio de Janeiro e as chamadas organizacoes sociais: o neoliberalismo em campo.

Autorde Melo, Marcelo Paula

Introducao

Este trabalho investiga os desdobramentos da aprovacao da Lei n. 5026/2009 e do Decreto n. 30780/2009 nas politicas de esportes e lazer da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, mais especificamente do seu programa "Vilas Olimpicas".

Esses aparatos juridicos viabilizaram a qualificacao de organizacoes privadas sem fins de lucros (juridicamente nomeadas como associacoes ou fundacoes e vulgarmente conhecidas como "terceiro setor"), como Organizacoes Sociais. Desse modo, permitiram a municipalidade estabelecer contratos de gestao com tais organismos para executar politicas sociais nas areas "dirigidas ao ensino, a pesquisa cientifica, ao desenvolvimento tecnologico, a protecao e preservacao do meio ambiente, a cultura, a saude e ao esporte [...]" (RIO DE JANEIRO, 2009a, p. 1--grifo nosso). A multiplicidade de campos disponiveis indica a insercao das politicas sociais, em geral, e das politicas de esportes, lazer e saude, em especifico, como campo de atuacao estatal com base nos pressupostos do projeto societario capitalista neoliberal para o seculo XXI (MELO, 2011).

Como parte de uma pesquisa em progresso (MELO; CUNHA; ANDRADE, 2014), esse texto ira ater-se ao processo de QUALIFICACAO dos organismos na sociedade civil como Organizacao Social (OS) por parte da Comissao de Qualificacao (Coquali) da Prefeitura do Municipio do Rio de Janeiro para os campos de Esporte e Lazer. Tracaremos um percurso historico, que vai da aprovacao da Lei n. 5026 e da publicacao do Decreto n. 30780, ambos em 2009, passando pelas qualificacoes (e desqualificacoes) de entidades como OS pela Coquali e sua posterior selecao para gerir os equipamentos municipais. As questoes que orientaram esse trabalho foram:

  1. Por que a Lei n. 5026 e o Decreto n. 30780 representaram um passo adiante na estruturacao da privatizacao da acao estatal no ambito das politicas sociais? Como tal questao esta intimamente ligada ao avanco do projeto neoliberal no Brasil?

  2. Quais foram e como se deu o percurso de qualificacao das OS para o campo do esporte e lazer pela Prefeitura do Rio de Janeiro?

A opcao teorico-metodologica sera a densa analise da Lei n. 5026 e do Decreto n. 30780, alem do debate da conjuntura e da correlacao de forcas entre as classes sociais, em nivel nacional e internacional, que favoreceram esse avanco privatista no tocante a acao estatal no campo das politicas sociais. Os dados acerca das organizacoes sociais, processos de qualificacao e selecao das OS para gerir os equipamentos foram obtidos no Diario Oficial do Municipio do Rio de Janeiro, sendo as deliberacoes da Coquali localizadas na secao da Secretaria da Casa Civil. Nossa analise tera como foco os documentos que contem as qualificacoes ou tentativas de qualificacoes de entidades do campo dos esportes e lazer.

A relevancia desse debate sera a de lancar luz a aspectos administrativos da relacao entre Estado e organismos na sociedade civil para implementacao de politicas sociais de esporte e lazer. Reafirmamos que estamos diante da expressao concreta do projeto neoliberal de sociedade, com a utilizacao de organismos privados na execucao das politicas sociais, como deixam claro seus mais incontestes apologistas (BANCO MUNDIAL, 1997; 2000; ONU, 2003; BRASIL, 1995; 2010).

O chamado terceiro setor nos anos de neoliberalismo e as politicas de esporte

A mudanca no projeto neoliberal, mantendo seus aspectos dinamicos intactos, tem recebido diversas denominacoes. Seja capitalismo neoliberal de terceira via (NEVES, 2010), seja social-liberalismo (CASTELO, 2013), o que ha em comum e a perspectiva de manter em funcionamento a versao mais atual da exploracao e dominacao burguesa. O desembarque desse projeto na America Latina dos anos 1990 deu-se, sobretudo, pelas maos de partidos denominados socialdemocratas, dos trabalhadores, ditos socialistas, com a cooptacao de intelectuais organicos individuais e coletivos que, em algum momento, chegaram a cerrar fileiras nas lutas dos trabalhadores (NEVES, 2010; CASTELO, 2013).

Essa expressao renovada do projeto neoliberal insiste numa resignificacao da atuacao estatal em diversos ambitos. Junto as politicas privatistas do projeto neoliberal original, novas formas entram na disputa politica, ate mesmo com vistas a dirimir profundas resistencias. O campo das politicas sociais observa isso com enfase programatica nas chamadas parcerias entre Estado e organismos na sociedade civil.

Granemann (2007) afirma que as politicas sociais na atualidade, diferente dos anos de ouro do capitalismo mundial, deixam de ser centrais a dinamica de acumulacao e realizacao de lucros. Contrariamente, tornamse uma barreira, na medida em que exigem direcionamentos do fundo publico para atender as demandas da classe trabalhadora. E esse quadro explicativo que possibilita compreender como uma serie de ataques as conquistas dos trabalhadores, em diversos paises, e levada adiante. A privatizacao das politicas sociais, nas suas mais variadas formas e mecanismos, e parte central desse quadro.

E possivel perceber uma intensa e direcionada atividade politicopedagogica dos organismos internacionais, como Sistema ONU e Banco Mundial, no sentido de difundir as concepcoes do chamado terceiro setor e da nova sociedade civil participativa e colaboradora. Ou seja, um projeto mundial de reforma neoliberal da aparelhagem estatal. Essa militancia ganhou grande intensidade a partir dos anos 1990.

O Relatorio do Desenvolvimento Mundial (RDM) do Banco Mundial, de 1997, representou mais uma tentativa pedagogica de espraiar sua concepcao de mundo. Este relatorio, intitulado o Estado num mundo em transformacao, buscou contrapor-se positivamente as teses vulgares do chamado Estado minimo. Sem pretender contestar radicalmente tal tese, busca alertar acerca de um novo papel do Estado no capitalismo para o seculo XXI. Isso levou as campanhas em torno do aumento "[...] da capacidade do Estado--definida como a capacidade de realizar e promover acoes coletivas de maneira eficiente" (BANCO MUNDIAL, 1997, p. 3--grifo original), uma vez que:

[...] sem um Estado efetivo, o desenvolvimento--economico, social e sustentavel--e impossivel. Reconhece-se cada vez mais que um Estado efetivo--nao um Estado minimo--e essencial para o desenvolvimento economico e social, mais, porem, como um parceiro e facilitador do que como diretor. Os Estados devem complementar os mercados, e nao substitui-los. (BANCO MUNDIAL, 1997, p. 18).

Tal movimento sempre esteve relacionado a atualizacao do ideario de um Estado minimo de novo tipo, que sofreria um ajuste de suas funcoes "[...] a sua capacidade", visto que o "[...] Estado deve concentrar a sua capacidade nas tarefas que pode e deve executar" (BANCO MUNDIAL, 1997, p. 3). Para tal, uma das proposicoes seria:

adotar um enfoque pluralista na prestacao de servicos: permitir a participacao privada, concentrando ao mesmo tempo a participacao publica direta na provisao de bens e servicos genuinamente coletivos embora [...] os governos possam tambem subsidiar o consumo de bens por parte dos grupos carentes, mesmo quando os rendimentos sejam totalmente privados. (BANCO MUNDIAL, 1997, p. 56).

No RDM de 2000/2001--um unico documento abarcando o referido bienio--o Banco Mundial (2000) tem como tema "A luta contra a pobreza". Sao recorrentes a ideia de que a proliferacao de organismos na sociedade civil, supostamente representativos dos setores mais empobrecidos dos trabalhadores, atuando na prestacao de servicos, poderia cumprir um papel de relevo no controle dos servicos e dos gastos em tempos de crise.

Continuando nesse papel pedagogico de reforco do projeto capitalista neoliberal da Terceira Via, o RDM 2000 defende que a luta contra pobreza devera incluir programas "que enfatizem resultados e sejam elaborados com a participacao da sociedade civil e agentes do setor privado" (BANCO MUNDIAL, 2000, p. 12). Aqui explicita-se tanto a atuacao do chamado terceiro setor quanto os principios da responsabilidade social empresarial. Tanto e que o RDM faz um alerta as fracoes financeiras do capital acerca de sua atuacao e da necessidade de "[...] manter um dialogo aberto com organizacoes da sociedade civil, particularmente as que representem os pobres" (BANCO MUNDIAL, 2000, p. 12). Para o RDM (BANCO MUNDIAL, 2000, p. 12), "as empresas multinacionais tambem podem empreender acoes, tais como a adocao de praticas eticas de investimentos e codigos de trabalho, para promover a autonomia de grupos pobres".

Concordamos com Martins et al. (2010, p. 150) quando mostram que tal concepcao tem sido fundamental ao conjunto da classe burguesa em sua tarefa educativa. Assim:

Com efeito, difunde-se com o novo senso-comum que ao 'novo Estado' cabe estimular acoes e se apresentar como 'parceiro' do mercado e do chamado 'terceiro setor' em projetos desenvolvimento economico e social, construindo, desse modo, a 'sociedade de bem-estar'. Cabe, finalmente, em tempos de redefinicao das relacoes de poder no plano nacional e internacional, ao Estado educar para a cultura civica, para a nova sociabilidade e para os valores que lhe servem de esteio. Cumpre registrar que nao se trata de uma suposta ingerencia contraria a perspectiva do bloco no poder nos paises perifericos, os quais sofreriam imposicoes desses organismos internacionais. Sem anuencia e operacionalidade das classes dominantes internas nao ha como implementar determinada concepcao sob a forma de politicas concretas em diversas areas. A apresentacao dos organismos internacionais como unicos responsaveis pela execucao de elementos caros ao projeto neoliberal de sociedade serve para tirar a responsabilidade das fracoes das classes dominantes domesticas em cada formacao social. Trata-se de politicas inconcebiveis sem uma forte acao de sujeitos politicos internos, sob a forma de partidos, intelectuais organicos como as empresas de comunicacao--e os especialistas/ comentadores/analistas que defendem em jornais escritos e televisivos visoes de mundo...

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