A oikonomia nas epístolas de Paulo: Notas sobre a 'Hermenêutica' de Agamben

AutorRafael Venturini
CargoEconomista e Mestre em Política Social pela Universidade Federal do Espírito Santo
Páginas32-49
10.5007/1807-1384.2017v14n3p32
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.14, n.3, p.32-49 Set.-Dez. 2017
A OIKONOMIA NAS EPÍSTOLAS DE PAULO: NOTAS SOBRE A
“HERMENÊUTICA” DE AGAMBEN
Rafael Venturini
1
Resumo:
Acompanhando a reconstrução da origem do conceito teológico de oikonomia, que
Giorgio Agamben oferece na obra O Reino e a Glória: Uma Genealogia Teológica da
Economia e do Governo: Homo sacer II, 2 (2011), o artigo propõe uma releitura dos
trechos nos quais, em suas cartas às igrejas, o apóstolo Paulo utiliza o termo grego.
Essa releitura confirma a proposição geral do filósofo italiano, de que a
compreensão da oikonomia como uma “administraçãodos homens e das coisas,
como um paradigma gerencial, não parece ter sofrido alterações semânticas
expressivas nos escritos de Paulo e na linguagem corrente entre os cristãos até o
fastígio do Império Romano. Não obstante, tal releitura acaba por indicar fragilidades
significativas em O Reino e a Glória, as quais podem ser constatadas tanto pelo
leitor não especializado como pelos estudiosos de Agamben nos campos da
filosofia, da teologia e da economia política. Essas notas sobre a obra de Agamben
são, por fim, uma tentativa de estabelecer um diálogo com outros textos
recentemente publicados no Brasil sobre o autor.
Palavras-chave: Oikonomia. Epístolas de Paulo. Hermenêutica. Giorgio Agamben.
O Reino e a Glória.
1 INTRODUÇÃO
De Lutero a Kierkegaard e Nietzsche ou, ainda, de Agostinho a Heidegger e
Taubes, o leitor das Epístolas do apóstolo Paulo parece ser repetida e ousadamente
levado a interrogar a teologia e a filosofia de seu tempo. Para Gignac (2009, p. 14),
quem defende essa tese, “sempre é verdade que se considerou Paulo como um
mestre a ser pensado, um texto apto a provocar um choque e a alimentar a reflexão.
E que ele é novamente redescoberto, após um eclipse temporário”.
Talvez por isso, conforme documenta Harink (2010), a referência a Paulo de
Tarso tem sido frequente na reflexão de alguns filósofos europeus nesse início de
século. E, dentre essas releituras dos textos paulinos, devem ser destacadas aqui
considerando sua recepção no Brasil a do esloveno Slavoj Žižek, a do francês
Alain Badiou e, notadamente, a do italiano Giorgio Agamben.
1 Economista e Mestre em Política Social pela Universidade Federal do Espírito Santo. Técnico em
Informações Geográficas e Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em Cariacica,
ES, Brasil. E-mail: rafaelventurini.t@gmail.com
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R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.14, n.3, p.32-49 Set.-Dez. 2017
Sendo tão vultosas as possibilidades de tal resgate, essas tentativas, todavia,
parecem ter sido erigidas sobre uma “hermenêutica” demasiado tática dos escritos
do apóstolo. Como percebido por Kerekes (2015) e Ratajczak e Zawisza (2015),
essas interpretações partem, evidentemente, menos de fundamentadas
considerações teológicas do que de urgentes impulsos de ruptura com os limites do
pensamento contemporâneo, dito “pós-moderno”. Ma proprio qui sta il busillis.
Mesmo que, em um primeiro momento, seja possível ser condescendente
com a “hermenêutica” dos autores dessa ousada empreitada, em um segundo
momento os leitores não deveriam condescender consigo mesmos. Quando, por
exemplo, nos livros de Agambem, textos e fatos fundamentais da história do
cristianismo são reinterpretados sob vislumbres de um agir com referências
metafísicas, como poderia esse autor ser avaliado por leitores desproporcionalmente
mais habituados com a crítica social do que com teologia? Poucos leitores, aliás,
parecem encontrar o olhar do imperador Constantino I em Giorgio Agamben, mas o
filósofo italiano, por vezes, enxerga as corporações religiosas como vanguarda
intelectual, moral e política dos tempos. Veja-se, sobre isso, como o catolicismo
romano é ingenuamente retratado e mesmo chamado a um maior protagonismo
histórico em Agamben (2013, 2015 e 2016, passim).
Tendo um escopo diminuto, o texto que segue examina um dos principais
trabalhos de Agamben (dentre os acima citados, o autor que mais frequentemente
recorre a Paulo e comenta questões teológicas e filosóficas que este suscitou ao
longo do tempo), de modo a explorar algumas de suas virtudes e fragilidades.
Essencialmente, tal esforço dedica-se a dar novas notas sobre a “teologia
econômica” que Agamben apresenta a partir de Paulo em O Reino e a Glória. Não
obstante, o artigo também convida os leitores de O Tempo que Resta segundo o
próprio autor, em conversa pessoal com Assmann (2015, p. 6), “o livro que mais
gostou de escrever” –, bem como de outras leituras das Epístolas, para um olhar
ainda mais radical do texto bíblico, é dizer, mais próximo de sua Raiz.
2 METODOLOGIA
Como se sabe, com a publicação original de Il Regno e la Gloria, em 2007,
Agamben apresentou os resultados de uma longa investigação sobre as
modalidades e razões do poder ter assumido, no Ocidente, a forma de uma

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