Algumas práticas ofensivas a direitos fundamentais praticadas pelas operadoras de planos de Saúde

AutorLeonardo Cesar de Agostini
CargoPós-graduado em Direito Constitucional pelas Faculdades Integradas do Brasil - Mestrando em Direito Constitucional pelas Faculdades Integradas do Brasil - Professor universitário - Advogado
1. Introdução

Muitos consumidores têm batido às portas do Poder Judiciário se queixando sobre determinadas condutas praticadas pelas operadoras de planos de saúde.

As queixas são as mais diversas e vão desde o aumento abusivo das mensalidades, até a negativa de cobertura de procedimentos clínicos e cirúrgicos.

Na maioria esmagadora dos casos constata-se que os usuários têm logrado êxito em seus apelos, sendo que o Poder Judiciário tem reconhecido a ilegalidade de determinadas condutas praticadas pelas empresas privadas que atuam neste ramo.

Devido a importância desta relação contratual para a sociedade moderna, entendemos conveniente analisar algumas das queixas apresentadas pelos usuários, sob uma perspectiva não só civilística ou, mais propriamente, consumerista, mas, sim, numa perspectiva civil- constitucional, inteiramente voltada para um dos princípios basilares da República Federativa Brasileira, qual seja, a dignidade da pessoa humana.

Para lograr tal intento optamos por iniciar o trabalho fazendo breve digressão sobre a evolução histórica dos direitos fundamentais no regime jurídico brasileiro.

Logo após, apresentaremos a influência dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais sobre a legislação ordinária e os contratos em geral.

Em seguida, apresentaremos o impacto desta influência nos contratos de planos de saúde para, ao final, destacar alguns exemplos de casos extraídos da jurisprudência brasileira, analisando se as condutas praticadas pelas operadoras ofenderiam (ou não) direitos fundamentais dos usuários.

Inicie-se então a exposição, pela digressão histórica do regime jurídico dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro.

2. Brevíssima digressão sobre a evolução histórica dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro

Longe de tentar discorrer sobre toda a evolução histórica dos direitos fundamentais no ordenamento brasileiro, até porque esse não é o desiderato desse trabalho, o certo é que por rigor metodológico, faz-se necessário noticiar, mesmo que brevemente, a evolução desta importante categoria jurídica2.

A preocupação da sociedade brasileira - e, via de conseqüência, do legislador pátriocom o assunto “direitos e garantias fundamentais”3 é antiga. A Constituição Republicana de 1891 já trazia em seu bojo uma “declaração de direitos”4. Várias Constituições se passaram, mas o certo é que, esta categoria jurídica, logrou alcançar o espaço merecido com a promulgação da Constituição Federal de 1988.

A importância dada ao tema foi tão singular ao ponto de Gilmar Ferreira MENDES destacar que até a colocação do catálogo dos direitos fundamentais já no início do texto constitucional demonstrou a clara intenção do constituinte em emprestar-lhes significado especial. Segundo o mesmo autor, a amplitude conferida ao texto (setenta e sete incisos e dois parágrafos) reforça a impressão da posição de destaque que o constituinte pretendeu instituir a tais direitos.5

O avanço obtido na defesa dos direitos fundamentais com o advento da Constituição de 1988 foi inegável6, passível inclusive de se afirmar que representou verdadeiro divisor de águas na proteção e defesa desses direitos na ordem jurídica brasileira.

Devido a este fato (importância dada a tais direitos pelo constituinte) a curiosidade é repentina: o que seriam direitos fundamentais?

Apesar da dificuldade inicial em se tentar “universalizar” um conceito para direitos fundamentais, dada a acuidade com que tratou o assunto, mister se faz apresentar o pensamento de Ingo Wolfgang SARLET para quem:

Direitos fundamentais são, portanto, todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integrados ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal (aqui considerada a abertura material do Catálogo).7

Este conceito não difere muito do proposto por Dimitri DIMOULIS e Leonardo MARTINS, os quais assim definem direitos fundamentais como: “(...) direitos públicossubjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais (...) que encerram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual.”8

Como se vê, os direitos fundamentais representam posições jurídicas de ímpar importância para a proteção e desenvolvimento da pessoa humana na ordem normativa brasileira.

Outrossim, feito este breve histórico dos direitos fundamentais e apresentado seu conteúdo, mister se faz noticiar a influência que os mesmos tiveram nas diversas legislações que se seguiram pós-Constituição de 1988.

3. A “irradiação” dos direitos fundamentais Poder irradiante dos direitos fundamentais que afetam diretamente o lançamento de novos diplomas legislativos (exemplos: Lei n. 8.078/1990 (CDC); Lei n. 8.080/1990 (SUS); Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso))

Tendo em vista a importância que as Constituições modernas assumiram para os ordenamentos jurídicos, bem como ultrapassada a idéia de que as Constituições somente serviriam para limitar o poder do Estado, desenvolveu-se na doutrina aquilo que se denominou chamar como a “constitucionalização do ordenamento jurídico”.

Riccardo GUASTINI, ao tratar este tema (“constitucionalização do ordenamento jurídico”), explica que tal expressão não encontra um sentido unívoco e permanente. Devido a tal dificuldade o jurista italiano, acolhendo sugestão de Louis FAVOREU, afirma que o processo de “constitucionalização” de determinado ordenamento jurídico, pode ser considerado como o processo de “transformação” do sistema jurídico, pelo qual, ao final dessa “transformação”, o mesmo resultaria totalmente “impregnado” pelas normas constitucionais. Uma das principais características desse ordenamento jurídico constitucionalizado seria a visualização de uma Constituição extremamente invasora, intrometida (persuasiva, invadente), capaz de condicionar tanto à legislação, quanto à jurisprudência e a doutrina, além da ação dos atores políticos e as relações sociais.9

Analisando-se a legislação ordinária brasileira editada pós-Constituição de 1988 constata-se que a mesma sofreu esta influência “irradiante” da Constituição.

Um primeiro exemplo desta “irradiação” se encontra no lançamento do Código de Defesa do Consumidor, representado pela Lei n. 8.078/1990. José Geraldo Brito FILOMENO expõe a base constitucional do Código de Defesa do Consumidor:

[1] FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL – Como se observa do próprio enunciado do art. 1° do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, sua promulgação se deve a mandamento constitucional expresso. Assim, a começar pelo inc. XXXII do art. 5° da mesma Constituição, impõe-se ao Estado promover, na forma da lei, a defesa do consumidor.

Referida preocupação, como já mencionado em passo anterior, é também encontrada no texto do art. 170 que cuida da “ordem econômica”, tendo por fim “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, e desde que observados determinados princípios fundamentais, encontrando-se dentre eles exatamente a defesa do consumidor (cf. inc. V do mencionado art. 170 da Constituição Federal.

O art. 150, que trata das limitações do poder de tributar por parte do Poder Público e no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios,estabelece em seu §5° que a “lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”.

Ainda em nível constitucional, a preocupação com a preservação dos interesses e direitos do consumidor aparece no inc. II do art. 175 da Carta federal, quando alude a usuários de serviços públicos por intermédio de concessão ou permissão do Poder Público, dizendo que “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. E seu parágrafo único diz que a lei disporá sobre os “direitos dos usuários”, no caso, e à evidência, “usuários-consumidores” dos mencionados serviços públicos concedidos ou permitidos.

Por fim, o art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias dispõe de forma categórica que o “Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição,...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT