A ocupação da cidade de São Paulo: as inscrições urbanas como elos ou barreiras entre o centro e a periferia

AutorRafael Giardini Lenzi, Mariana Cortez
Páginas166-184
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LENZI, Rafael Giardini, CORTEZ, Mariana. A ocupação de São Paulo: inscrições urbanas como elos...
A cidade de São Paulo é um cenário privile-
giado da arte urbana, especialmente por meio da
visualidade das inscrições urbanas. Entendemos o
artista da rua como um agente social e um destina-
dor que atua e transforma a paisagem urbana, e sua
arte como forma de democratização da expressão
plástica. À luz da Sociossemiótica desenvolvida
   -
te – práticas que entrelaçam centro e periferia, in-
vestindo sujeitos diferenciados dos programados
pela cidade. Diante da diversidade artística em São
Paulo, interessa descrever como essas inscrições
urbanas ocupam a cidade e delineiam sujeitos sub-
metidos a destinadores outros na urbe. Utilizamos,
então, uma diferenciação do praticante (artista) e
da prática (sua arte) para entender essa forma de
ocupação urbana como elo entre as polaridades só-
cio-espaciais da cidade.
Palavras-chave: Inscrições Urbanas; Centro-Peri-
feria; São Paulo; Destinadores; Visualidade.
São Paulo is a privileged scene to urban art,
especially through the visuality of urban inscrip-
tions. We assume the street artist as a social agent
and an addresser that acts and changes urban
landscape, and their art as a democratization of
plastic expression. Under social semiotics theory,
developed by Landowski, we analyze wall writin-
   
and peripheral areas, investing distinct individu-
als from the ones programmed by the city. Given
the artistic diversity in São Paulo, it is interesting
to describe how these urban inscriptions occupy
the city and delineate subjects that are subdued to
other addressees of the city. Therefore we apply a
distinction between the practitioner (the artist) and
the practice (the art) in order to understand this
kind of urban occupation as a bond that connects
the city’s social and spatial polarities.
Keywords: Urban Inscriptions; Downtown-Out-
skirts; São Paulo; Addressers; Visuality.
Contextualizando a metrópole paulista
“Para descobrir quanta escuridão existe em torno, é preciso
concentrar o olhar nas luzes fracas e distantes.” (Ítalo Calvino)
A obra Brás, Bexiga e Barra Funda, de Alcântara Machado (1999), apre-
senta a formação da sociedade paulistana da seguinte maneira:
Durante muito tempo a nacionalidade viveu da mescla de três
raças que os poetas xingaram de tristes: as três raças tristes. A
primeira, as caravelas descobridoras encontraram aqui comen-
A ocupação de São Paulo: inscrições urbanas como elos ou barreiras
entre centro e periferia
São Paulo’s occupation: urban inscriptions as links or barriers between
downtown and outskirts
http://dx.doi.org/10.5007/2178-4582.2016v50n1p166
Rafael Giardini Lenzi
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/SP, Brasil
Mariana Cortez
Universidade Federal da Integração Latino-Americana, Foz do Iguaçu/PR, Brasil
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Revista de Ciências HUMANAS, Florianópolis, v. 50, n. 1, p. 166-184, jan-jun 2016
do gente e desdenhosa de “mostrar suas vergonhas”. A segunda
veio nas caravelas. Logo os machos sacudidos desta se ena-
moraram das moças “bem gentis” daquela, que tinham cabelos
“mui pretos, compridos pelas espadoas”. E nasceram os primei-
ros mamalucos. A terceira veio nos porões dos navios negreiros
trabalhar o solo e servir a gente. Trazendo outras moças gentis,
mucamas, mucambas, munibandas, macumas. E nasceram os
segundos mamalucos. E os mamalucos das duas fornadas de-
ram o empurrão inicial no Brasil. O colosso começou a rolar.
Neste artigo de fundo, Machado se refere aos índios, aos brancos (portu-
gueses) e aos negros, mas do decorrer de sua narrativa a presença do migrante
italiano será o foco, então ele complementa o artigo de fundo inserindo a cha-
mada “gente alegre” que veio trabalhar o solo e também misturar-se à gente
“local”, formando o que ele chama de uma “nova fornada” de brasileiros.
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de ocupação do espaço. Na virada no século XX, chegam a São Paulo os mi-
grantes. A cidade tinha nesta época 240.000 habitantes. Antigas chácaras ao
redor do núcleo histórico da cidade foram loteadas e a área urbana expandia-
se continuamente. Ferrovias faziam ligação com o interior, onde se produzia
o café e chegavam até Santos, por onde ele seria exportado. Este corredor do
café (interior-litoral) fez da cidade de São Paulo o espaço ideal de comércio e
daí surge a cidade próspera.
Na passagem do século XIX ao XX a cidade já estava transformando-
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tipo de atividades. Foi no início do século XX que São Paulo começou a
industrializar-se. Com isso a população começou a aumentar, principalmente
com a vinda de migrantes estrangeiros, em sua maioria italianos, espanhóis,
sírio-libaneses, japoneses e judeus. Ainda hoje é fácil comprovar a vinda des-
tes migrantes, pois na cidade há bairros que guardam marcas desta imigração
– como o bairro da Liberdade – dos japoneses; Higienópolis e Bom Retiro –
dos judeus, e Bixiga – dos italianos.
Este rápido crescimento populacional, que tentamos demonstrar com da-
dos e descrição, implicou desordem. A cidade foi expandindo-se, mas sem o
planejamento necessário, este espraiamento para além dos rios (Tietê e Pi-
nheiros) foi gerando problemas importantes para a cidade. Problemas en-
tendidos como carências de transporte, habitação, saúde, lazer entre outros.
As periferias foram surgindo também com o chamado êxodo rural: a partir
dos anos 30 e 40. As pessoas começaram a migrar do campo e a cidade ia
recebendo as pessoas, e essas se acomodavam como podiam, formando as
favelas, os cortiços, ou seja, a marginalização dos espaços, suas zonas opacas

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