Amazônia Azul, Pré-Sal, Soberania e Jurisdição Marítima

AutorEliane Maria Octaviano Martins
CargoDoutora em Direito Internacional Econômico -Universidade de São Paulo (USP)
Páginas25-30

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1 Introdução

O território marítimo brasileiro abrange as zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional, nomeadamente, as águas interiores, o mar territorial (MT), a zona contígua (ZC), a zona econômica exclusiva (ZEE) e a plataforma continental (PC).

A área compreendida pela extensão do Mar Territorial brasileiro (12 milhas), somada à ZEE (188 milhas) e à extensão da Plataforma Continental, em decorrência de sua evidente riqueza e vastidão, é chamada de "Amazônia Azul".

O Brasil apresenta relação de dependência com o mar, dependência que acaba se constituindo em uma das grandes vulnerabilidades. Dependência esta que poderá ainda se intensificar face às recentes descobertas do "pré-sal" no Atlântico Sul, em especial, as reservas localizada em zona marítima brasileira.

No Brasil, a zona da camada "Pré-sal" se consubstancia em uma faixa que se estende ao longo de 800 quilômetros entre os Estados do Espírito Santo e Santa Catarina, abaixo do leito do mar, e contempla 3 bacias sedimentares: Espírito Santo, Campos e Santos.

O petróleo descoberto na zona "pré-sal" é marco na indústria petrolífera mundial1. Estima-se que a camada do pré-sal contenha o equivalente a cerca de 1,6 trilhão de metros cúbicos de gás e óleo. Se confirmada a reserva, o Brasil será considerado a quarta maior reserva de petróleo do mundo e poderá se tornar grande potencia mundial. A partir de 2017, estimativas apontam produção de mais de 1 milhão e 300 mil barris de petróleo por dia.

Os limites e extensão das zonas marítimas no Brasil são instituídos pela Lei 8.617/93 que segue os preceitos da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar -CNUDM III.

Em 2004, o Governo Brasileiro apresentou a Organização das Nações Unidas -ONU proposta de extensão sobre sua área marítima além das 200 milhas de plataforma continental, em consonância a CNUDM III, art. 76 pleiteando o reconhecimento de seus direitos sobre mais de 900.000 km2, o que elevaria as dimensões do espaço marítimo brasileiro para 4,4 milhões de km2. Consequentemente, o Brasil poderá explorar os recursos minerais, biológicos e fósseis presentes na extensão pleiteada deste espaço marítimo e especialmente, prováveis reservas do pré-sal. A aceitação da proposta fundamentará, ainda, possível solicitação brasileira à Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISBA) de

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autorização para explorar economicamente as áreas adjacentes à sua plataforma continental.

A incorporação de nova área alteraria significativamente as fronteiras marítimas e a área da "Amazônia Azul" e enseja a proteção dessa nova província petrolífera.

Neste cenário "pré-sal", evidencia-se a importância da análise do tema no que tange a soberania e jurisdição e possível extensão da plataforma continental brasileira. Destarte, o presente estudo pretende, portanto, analisar as normativas relativas à "Amazônia Azul" e os reflexos da extensão da plataforma continental e as reservas do "pré-sal".

2 A Unificação Normativa dos Espaços Marítimos

O mar, desde épocas mais remotas da história universal revela-se, indubitavelmente, como o espaço que mais se destaca no desenvolvimento econômico mundial.

A evolução tecnológica desvelou outras perspectivas da exploração do leito e subsolo marítimos, revelando às nações que o mar consigna relevante fonte de riquezas e de fundamental importância estratégica como supridor de matéria-prima, consagrando ainda mais o espaço marítimo como um dos baluartes da economia internacional globalizada. Inexoravelmente, o mar destaca-se fundamental para o desenvolvimento e a sobrevivência das nações. E neste cenário, evidencia-se a necessidade de delimitar os espaços marítimos e a soberania e jurisdição dos Estados Costeiros.

Durante muitos séculos, certos Estados pretenderam exercer jurisdição exclusiva ou mesmo possuir direitos de propriedade sobre áreas mais ou menos extensas do alto-mar. Nessa época as normas eram costumeiras.

Em decorrência deste cenário, os Estados começaram a manifestar seus interesses em incorporar maior parcela do espaço marítimo aos seus domínios ou de, no mínimo, exercer maior jurisdição sobre esse espaço. Desde então, diversos acontecimentos marcaram o processo de transformação das regras tradicionais do Direito do Mar.

Na década de 50, a ONU dá início a uma série de discussões a respeito da elaboração de um tratado internacional que sistematizasse os espaços marítimos.

A primeira tentativa de unificação mundial de normatização dos espaços marítimos ocorreu durante a I Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar - CNUDM I (The United Nations Convention on the Law of the Sea - UNCLOS I), realizada em 1958, em Genebra. A CNUDM I não foi ratificada pelo Brasil e por outros inúmeros países, resultando, portanto, em tentativa fracassada.

A segunda tentativa também ocorreu em Genebra, em 1960, na II Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar - CNUDM II, sendo encerrada, todavia sem qualquer resultado significativo.

A não aceitação mundial das tentativas de uniformização dos espaços marítimos através da CNUDM I e da CNUDM II revelou a necessidade de instauração uma Nova Ordem, acentuando a necessidade de uma Convenção de aceitação geral.

Neste cenário e, ainda, sob a égide da ONU foi realizada, em 1973, mais uma Conferência da ONU sobre o Direito do Mar - CNUDM III ("The United Nations Convention on the Law of the Sea" - UNCLOS III).

A conferência, com 164 Estados participantes, chega ao seu fim somente em 1982, com a conclusão e assinatura de um Tratado por 117 Estados, em Montego Bay, na Jamaica.

A CNUDM III, também conhecida como Lei do Mar ("Law of the Sea") e Convenção de Montego Bay, é considerada uma verdadeira "Constituição do Mar", dada a sua relevância e abrangência.

A Convenção garantiu ao Direito do Mar uma característica universal e contribuiu para a sistematização dos direitos e deveres dos países signatários no espaço marítimo. Seu texto foi estruturado em 320 artigos, distribuídos em 17 partes e 9 anexos.

A CNUDM III consagra a visão atual do Direito do Mar, ao instituir as coordenadas básicas a ser seguidas pelos Estados, definir os espaços marítimos e consolidar os conceitos herdados dos costumes internacionais e textos esparsos. Refere-se a quase todo o espaço oceânico e seus usos: navegação, exploração de recursos, conservação e contaminação, pesca e tráfego marítimo.

A Convenção foi ratificada pela maioria dos países ocidentais e entrou em vigor, em todo o mundo, no dia 16 de novembro de 1994, dando origem ao Novo Direito do Mar. Atualmente, mesmo os países não-signatários da Convenção adotam e respeitam os conceitos estabelecidos por ela para os espaços marítimos e o meio ambiente.

A CNUDM III foi assinada pelo Brasil em 10 de dezembro de 1982 e ratificada em 22 de dezembro de 1988, promulgada pelo Decreto nº 99.165 de 12 de março de 1990, e declarada em vigor no Brasil pelo Decreto nº 1530 de 22 de junho de 1995.

A legislação brasileira segue os preceitos da CNUDM III, sem diferenças pontuais significativas.

O texto apresentou inúmeras inovações, em diversas áreas não consideradas, ou consideradas superficialmente, nas conferências anteriores, como os direitos de...

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