Obrigação Tributária

AutorDeusmar José Rodrigues
Ocupação do AutorAdvogado (Procurador da Fazenda Nacional) e Contador
Páginas143-160

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15. 1 Teoria legal das obrigações

O estudo da obrigação tributária não prescinde de prévio conhecimento dos contornos da obrigação de Direito comum ou civil. Há um Direito das obrigações no Brasil e está posto pelo livro I da parte especial do novo Código Civil. Portanto, existe uma teoria geral legal das obrigações. Isso não derroga a importância de outras codificações, como a tributária. Havendo normas específicas a dado ramo do Direito, claro que estas prevalecerão. A codificação civil atuará, em um segundo momento, nos termos que as leis determinarem.

A obrigação tributária acompanha a natureza da obrigação de Direito Civil, exceto quanto ao objeto, que é indisponível. E, nesse sentido, é entendida como uma relação jurídica qualificada de tributária por acontecer no âmago do Direito Tributário. A relação jurídica tributária é o vínculo que une os sujeitos ativo (credor) e passivo (devedor), possibilitando e impondo ao primeiro o direito subjetivo de exigir a prestação (dar, fazer, não fazer) do segundo.

Calha recordar a repreensão feita por Orlando Gomes88, assegurando que

A obrigação é uma relação jurídica. Como tal, sua fonte há de ser, necessariamente, a lei. Em última análise, é o direito que empresta significação jurídica a relações de caráter pessoal e patrimonial que os homens travam na sua vida social.

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Mesmo diante da juridicidade de citação desta qualidade, a doutrina divide as fontes das obrigações em duas, a saber: a) obrigação contratual (ex voluntate) e b) obrigação legal (ex lege).

A Constituição Federal reserva certas matérias ao legislador complementar. Inclui aí a obrigação tributária, a qual, para ser válida, depende de lei complementar, CF/88, art. 146, III, "b", e súmula vinculante n.º 8 do STF.

Vimos de investigar o princípio da estrita legalidade e sua transcendência para o Direito Tributário. Num País como o nosso, que positivou aquele postulado no artigo 150, I, da CF/88, a obrigação tributária principal somente poderá derivar da lei e observar as normas gerais trazidas por lei complementar.

A obrigação tributária constrói-se sobre três elementos, trilhando a sorte de qualquer obrigação. Esses elementos são as partes (sujeito ativo e passivo), a prestação (dar, fazer, não fazer) e o vínculo jurídico (fato gerador). Tais elementos irão nos guiar no exame que segue.

15. 2 Obrigação tributária principal ou acessória

A obrigação tributária é principal ou acessória, conforme artigo 113 do CTN. O Código classifica a obrigação pelo seu objeto, vale dizer, leva em linha de conta a prestação a que faz jus o sujeito ativo. Se a prestação a que o Estado (ou alguém que ele nomeie) faz jus consistir num dar, estaremos diante de obrigação principal; se consistir em um fazer ou não fazer, tratar-se-á de obrigação acessória.

A separação da obrigação tributária em principal e acessória não induz à aplicação do princípio de Direito Civil, segundo o qual "acessorium sequitur principale". A obrigação tributária acessória, de um modo geral, não depende da existência da obrigação principal. Disso nos dá prova a Declaração de Ajuste anual de imposto de renda da pessoa física. Se o contribuinte atinge certo patamar de rendimentos, deve apresentar a declaração, mesmo que tenha imposto a restituir ou nada tenha a pagar.

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15.2. 1 Obrigação principal

A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador e tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade, na conformação do § 1º do artigo 113 do CTN.

A tributação, em último caso, encontra razão de ser na premente necessidade de carrear recursos financeiros aos cofres públicos. E o Estado atinge essa meta por meio da ordem jurídica, que lhe autoriza editar leis exigindo prestações coativas de seus cidadãos. As leis, como entes abstratos, não são suficientes a gestar a obrigação tributária. Esta vem a lume com o advento fático antecedentemente previsto na hipótese de incidência da norma. Em síntese, praticado o fato gerador, nascida está a obrigação tributária principal. E o sujeito passivo cai no dever de dar (no sentido de entregar) dinheiro ao titular do tributo.

O Código Tributário Nacional também insere no raio da obrigação principal o direito subjetivo do ser tributante de receber prestação pecuniária decorrente de penalidade. Sabemos que as prestações pecuniárias dadas ao Estado ou a seus prepostos em cumprimento de multa não correspondem ao conceito de tributo. Tributo é ato lícito. A sanção comina-se em face de ato ilícito. Se o contribuinte "X" não pagar o tributo (débito) no prazo devido, sofrerá multa de mora, pois teria infringido norma jurídica que lhe impunha o dever de entregar a verba em tal data, e a multa será solvida por meio de entrega de recursos financeiros. Para o CTN, a obrigação principal caracteriza-se pela entrega (obrigação de dar) de valor em moeda de curso forçado (dinheiro).

15.2. 2 Obrigação acessória

A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou fiscalização dos tributos (artigo 113, § 2º, do CTN).

A primeira nota que devemos ressaltar é que a obrigação aces-sória, e nisso ela difere também da principal, pode ser criada por atos normativos inferiores à lei ordinária - como instrução normativa -, já

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que "decorre da legislação tributária", artigo 96 do CTN. O STJ, contudo, vem se posicionando contrariamente à criação de dever acessório (ou formal) punitivo, via de ato normativo inferior, sem a correspondente previsão legal.

Essa categoria de obrigação existe para corroborar na fiscalização e na arrecadação. O exercício da faculdade de o fisco estabelecer obrigação acessória culmina na imposição de deveres instrumentais, do tipo positivo, isto é, de fazer (apresentar declaração de imposto de renda em certa data, emitir DCTF etc.), ou do tipo negativo, ou seja, obrigação de não fazer (não expurgar os livros fiscais antes de 5 anos, não rasurar a escrita contábil e fiscal etc.).

A complexidade dos negócios jurídicos e a técnica do lançamento por homologação - em que o contribuinte pratica o fato gerador, o quantifica em números e promove o recolhimento - motivam cada dia mais a criação de obrigação acessória, facilitando a vida das Administrações Tributárias, que ficam a esperar que o contribuinte tudo faça e lhes diga que fez.

O § 3º do artigo ora sindicado diz que a obrigação acessória, pelo simples da sua inobservância, converte-se em obrigação principal. A obrigação acessória não tem conteúdo econômico imediato, mas, descumprida, o infrator será sancionado com multa, a ser extinta com repasse de dinheiro (pagamento).

15. 3 Fato gerador da obrigação tributária

A isolada vigência da lei tributária não gera maiores consequências. Para que a lei possa irradiar seus efeitos, há que ocorrer um evento de fato passível de subsumir-se a ela. Esse evento é o pressuposto de fato ou o fato gerador da obrigação tributária.

O ordenamento jurídico de cada país sufraga uma terminologia para representar o pressuposto de fato. Na Espanha, conforme o artigo 20 da nova Lei Geral Tributária - LGT (Ley 58/03, de 17 de diciembre), é denominado de hecho imponible. No Brasil, o legislador optou por chamá-lo de fato gerador, nos artigos 114-118 do CTN.

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Geraldo Ataliba89, de certa forma, ‘partia’ o fato gerador. Dizia que a hipótese de incidência é a descrição hipotética e abstrata de um fato. E o fato imponível (possível tradução do espanhol) é o fato concreto, localizado no tempo e no espaço.

A função do fato gerador exaltou-se ao longo dos tempos. Amílcar de Araújo Falcão foi quem escreveu a clássica monografia "Fato Gerador da Obrigação Tributária", glorificando esse instituto jurídico. Assaz, o fato gerador ganha proeminência em Direito Tributário, já que identifica o momento do nascimento da obrigação tributária, art. 114, define a lei aplicável, art. 144, e diferencia, entre si, impostos, taxas e contribuição de melhoria, artigo 4º.

15.3. 1 Classificação

A doutrina classifica os fatos geradores de maneira não uniforme. O fator tempo é invocado para auxiliar na classificação deles. Alguns fatos geradores têm data marcada para acontecer, como ocorre com imposto sobre propriedade territorial rural (ITR) a todo dia 1º de janeiro, artigo 1º da Lei nº 9.393, de 19/12/96. Porém, uma vastidão de fatos geradores, por dependerem de evento de fato, não têm data certa de vir a ocorrer, a exemplo do ICMS.

15.3.1. 1 Instantâneo

O fato gerador instantâneo dá-se em uma isolada unidade de tempo, a exemplo da saída de mercadoria do estabelecimento do comerciante (ICMS) ou com o imposto de renda retido na fonte no dia do pagamento (IRRF).

15.3.1. 2 Periódico

O fato gerador periódico tem curso de formação superior a um dia e é um conjunto de fatos que, somados, abrem-se à tributação.

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Exemplo: o imposto de renda das pessoas jurídicas (IRPJ)...

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