Hermenêutica principiológica e colisão de direitos fundamentais: as teorias de Aléxy e Dworkin e os aportes de Habermas

AutorLuiz Henrique Urquhart Cademartori
CargoMestre e Doutor em Direito Público pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
Páginas135-140

Luiz Henrique Urquhart Cademartori1

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1 Introdução: o substrato jurídico-político dos novos modelos de interpretação constitucional

Ao considerar-se todo o novo contexto interpretativo constitucional que permeia o direito atual, entende-se que estaria a ele subjacente o que segundo alguns autores se configuraria como uma nova matriz epistemológica do direito, batizada como pós-positivismo2 ou neo constitucionalismo.

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Esta nova matriz apresenta como principal desafio o equacionamento entre as dimensões do Direito, Moral e Política ao tentar estabelecer, de forma racional, as suas formas de entrelaçamento, o que pressupõe o desenvolvimento de padrões de racionalidade baseados mais na razoabilidade prudencial do que no cientificismo formal.

Sob tal perspectiva, a categoria central da validade normativa estaria fundamentada, não mais sob a base do ápice normativo constitucional, considerado como centro do qual tudo deriva, a partir de processos de subsunção formal sob o manto da soberania estatal, e sim como centro ao qual tudo deve convergir, a partir dos múltiplos fatores da realidade social, vale dizer, como centro a ser alcançado e não do qual se deve partir3 .

Por essa razão é que se fala no desenvolvimento de uma autêntica "política constitucional" a qual não é o resultado da sua execução pura e simples e sim, uma questão de realização existencial (pessoal e social) sob os seus mais variados conteúdos, sejam eles morais, políticos, econômicos ou culturais, estando tais valores normatizados constitucionalmente como princípios.4

São, precisamente, tais princípios cujo conteúdo remete-se aos valores mencionados os quais levam alguns juristas a batizar as constituições que os proclamam como constituições dirigentes. Tal ocorre por traduzirem eles fins e programas de ação os quais, sob a nova matriz teórica pós-positivista, podem tornar possível, também, a concretização (em graus variados) dos valores iluministas que inspiraram os direitos fundamentais e abrir caminho para um modelo de democracia substancial como instância de realização social e política de tais direitos, posterior à democracia formal ou representativa.

Os reflexos de tal conjuntura no campo específico do direito terminam por afetar, também, a clássica estrutura da rigidez hierárquica das normas, estando elas encabeçadas, no modelo kelseniano, pela norma fundamental (não positivada, mas pressuposta pela razão) e suas demais leis cativas, cedendo, então, a um novo modelo onde a unidade das normas somente pode ser percebida em contextos ligados a casos concretos.

Tal modelo encontra-se dentro de uma concepção pragmática de direito, orientado por uma hermenêutica principiológica de matriz constitucional. Esta, por sua vez, baseia-se em critérios de pré-compreensão5 reconstrutiva, os quais partem dos problemas ou situações, objeto de apreciação judicial, visando definir o sentido das normas6 ao invés da direta remissão à lei, fruto esta de um modelo de subsunção direta, dos fatos às normas, através de um processo lógicodedutivo como apregoava Kelsen.

Entretanto, alguns entraves metodológicos, inerentes ao processo de consecução dos valores constitucionais, necessitam ser contornados através de novas técnicas de decisão jurídica, vale dizer, sob o âmbito de uma nova teoria da argumentação, bem como das formas de interpretar os chamados "conceitos jurídicos indeterminados".

Com efeito, no contexto do Estado Democrático de Direito, as normas e diretrizes da política estatal encontram-se permeadas por conceitos jurídicos fluidos ou imprecisos, tais como segurança jurídica, justiça social ou interesse público, de acentuado conteúdo axiológico, os quais terminam por gerar um padrão de decisões judiciais, quando do conflito de interesses gerados pela invocação de tais valores, baseado na ponderação desses mesmos valores conflitantes, configurando-se eles sob a forma de princípios constitucionais em colisão.

Isso, entretanto, não invalida a existência de regras (leis em sentido estrito) as quais, sob a sua dimensão de generalidade, asseguram a igualdade perante a lei com certo distanciamento de contextos mutáveis sendo que a eles soma-se um grau de abstração que acaba conduzindo a um princípio geral segundo o qual, toda situação envolvendo condições de igualdade deve ter tratamento igual e toda situação envolvendo condições diferenciadas deve ter tratamento diferenciado7 .

No que diz respeito ao tratamento jurídico dos princípios constitucionais, mereceram eles, ante ao problema já exposto, um tratamento específico no âmbito de teorias principiológicas, sendo que diversos autores tratam do tema tendo como afinidade o desenvolvimento de um padrão de ponderação e aplicação de tais princípios permeados de valores, que não comprometa o nível de racionalidade formal do direito.

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2 A teoria dos princípios constitucionais segundo Robert Aléxy e Ronald Dworkin

Nessa esteira, podem ser destacadas as teorias de Robert Aléxy e Ronald Dworkin. Sem querer adentrar em todos os meandros do complexo debate que envolve as suas teorias e toda a polêmica de que tratam, pode-se, esquematicamente, tecer um panorama sobre a concepção e o papel dos princípios e o seu conteúdo baseado nos direitos fundamentais, bem como a influência de Habermas na polêmica travada por ambos.

Embora existam semelhanças e convergências nas teorias principiológicas de Aléxy e Dworkin, na medida em que ambos pretendem conferir um grau de legitimidade racionalmente aceitável ao direito na sua aproximação, efetiva e material, com os valores decorrentes dos direitos fundamentais, algumas divergências ganham destaque.

Se, por uma parte, o conceito de princípio desempenha papel relevante em ambos os autores, a sua natureza e aplicabilidade é um pouco diversa. Segundo a concepção de Aléxy, os princípios considerados espécie - juntamente com as regras - do gênero norma, possuem o caráter de "mandatos de otimização" pela razão de que determinam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes.8

Portanto, os princípios seriam mandatos de otimização caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos ou não, em graus diferentes, sendo a medida do seu cumprimento dependente não somente das possibilidades fáticas (determinadas no caso concreto a partir do qual são invocados princípios opostos pelas partes), mas também jurídicas, relacionadas com os princípios mesmos que se encontram em colisão e necessitam ser ponderados.9

Visando apontar a especificidade jurídica dos princípios, Aléxy os diferencia das regras através da análise das formas de solução, dentro do ordenamento jurídico, do conflito...

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