Fundamentos Históricos e Classificatórios dos Direitos Fundamentais: Primeiras Aproximações

AutorFernando Laélio Coelho
CargoProfessor Universitário e Advogado
Introdução

Os direitos fundamentais1 em especial são de extrema relevância para o estudo do direito, suas concepções nos instigam a repensar o papel do Estado e também da sociedade perante o ser humano. Atualmente, as novas necessidades dos homens e do próprio planeta vêm merecendo destaque nas pautas de discussões tanto de pequenas associações de moradores, como de grandes debates internacionais.

É importante, antes de qualquer problemática, fazermos um estudo introdutório de tão importante tema. O presente artigo científico pretende traçar um panorama histórico da formação dos direitos fundamentais, bem como abordar as suas classificações e as diferentes teorias que tratam do assunto.

Para encetar a investigação adotou-se o método indutivo, operacionalizado com as técnicas das categorias e dos conceitos operacionais e da pesquisa de fontes documentais. Para relatar os resultados desta pesquisa, empregou-se o método dedutivo.2

1. Terminologia

Antes de entramos efetivamente no estudo da formação histórica dos direitos fundamentais, analisaremos sua terminologia. Em verdade, cada vez é maior a falta de precisão para a utilização de uma expressão mais adequada.

Gregório Peces-Barba Martinez, apresente em seus estudos diversos termos utilizados na construção doutrinária para representar os direitos fundamentais, como por exemplo: direitos humanos, direitos naturais, direito público subjetivo, liberdades públicas, direitos morais, direitos sociais, direitos individuais, direitos civis, direitos políticos, direitos do cidadão.3

No entanto, ao final do seu estudo, o referido pensador hispânico, conclui:

En conclusión, parece que el término “derechos fundamentales”, es conveniente para identificar al fenómeno de los derechos, aunque no queramos entrar en disputas verbales sin sentido ni favorecer ningún tipo de sustancialismo lingüístico.

Acrescentando ainda outras expressões encontrados em estudos feitos a doutrinadores pátrios, como por exemplo: direitos fundamentais, direitos do homem, direitos humanos fundamentais, liberdades fundamentais.4

O jurista Paulo Bonavides, observa que a melhor designação utilizada é a desenvolvida pela tradição germânica chamada “direitos fundamentais da pessoa humana” ou somente “direitos fundamentais”.5

Por outro lado, o Prof. José Afonso da Silva, ensina que o termo fundamental expressa a priori, uma situação jurídica onde a pessoa humana se realiza. Já o termo “da pessoa humana” indica que esta situação jurídica deve ser formalmente e materialmente reconhecidos e efetivados. Sendo que a expressão mais utilizada para o referido autor é “direitos humanos”.6

Ingo Wolfgang Sarlet, sobre a terminologia dos termos empregado para tal estudo, ensina que “direitos humanos” e “direitos fundamentais” são utilizados como sinônimos, e a explicação para a diferenciação do termo está no fato de que “direitos fundamentais” aplica-se aos direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional. Já o termo “direitos humanos” tem relação com os documentos de direitos internacional, independente da vinculação do ser humano com determinada ordem constitucional, valendo para todos os povos e tempos.7

Agora, não há como situar o contexto histórico sem estabelecer as dimensões diferenciadas entre os direitos fundamentais e os direitos humanos. Assim, trazemos o pensamento de Willis Santiago Guerra Filho8 onde nos ensina que:

De um ponto de vista histórico, ou seja, da dimensão empírica, os direitos fundamentais são, originalmente, direitos humanos. Contudo, estabelecendo um corte epistemológico, para estudar sincronicamente os direitos fundamentais, devemos distingui-los enquanto manifestações positivas do Direito, com aptidão para a produção de efeitos no plano jurídico, dos chamados direitos humanos, enquanto pautas ético-políticas, direitos morais (cf. A. RUIZ MIGUEL, 1990; GREGORIO ROBLES, 1994, P. 181S.; VILLALON, 1994, P. 160 S.), situados em uma dimensão supra-positiva, deonticamente diversa daquela em que se situam as normas jurídicas – especialmente aquelas do Direito interno (cf. MULLER, 1990; PERES LUÑO, 1991, p. 45; ROIG, 1992, p. 32 s.; HÄBERLE, 19943, p. 94 s.; COMPARATO, 1996, p. 44 e s.

De toda forma, em que pese todos os fundamentos para cada termo empregado aos direitos em estudo, o presente trabalho, segundo a posição doutrinária mais seguida, e tratando-se de um estudo histórico e classificatório, adotaremos a expressão “direitos fundamentais” para os desenvolvimentos seguintes.

2. Noções Históricas dos Direitos Fundamentais

Estabelecer um marco inicial dos direitos fundamentais é um grande desafio, Ingo Wolfgang Sarlet nos apresenta uma proposta em sua obra “A eficácia dos direitos fundamentais” baseada no pensamento de K. Stern, onde destaque três etapas, a primeira seria uma pré-história, estendendo-se até o século XVI, passando por uma fase que ele chama de intermediária conhecida pela afirmação do jusnaturalismo e afirmação dos direitos naturais do homem e a fase de constitucionalização dos direitos fundamentais, iniciado em 1776 com as declarações americanas.9

O referido autor lembra que apesar de ser consagrado o pensamento que não existiram direitos fundamentais na antiguidade, podemos identificar algumas idéias que influenciaram o pensamento jusnaturalista posteriormente.10

Ainda em seu pensamento vale ressaltar a seguinte passagem de sua obra:

De modo especial, os valores da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da igualdade dos homens encontraram suas raízes na filosofia clássica, especialmente na grecoromana, e no pensamento cristão. Salienta-se, aqui, a circunstância de que a democracia ateniense constituía um modelo político fundado na figura do homem livre e dotado de individualidade.11

Arnaldo Miglino em seu estudo sobre a Democracia não ser apenas um procedimento mas um valor moral, ao destacar a democracia em Atenas observara que:

Os antigos atenienses instituíram um sistema em que a liberdade e a igualdade se realizam através das instituições que garantem a todos os cidadãos participar ativamente, de maneira igual, das questões públicas.12

Obviamente que não podemos nos desvirtuar e passarmos a conceber a antiguidade como um berço de igualdades, pois a sua noção nessa época não passou apenas do plano filosófico, como bem observa J.J.Gomes Canotilho.13

Mas, os conceitos surgidos foram embriões de direitos que se transformaram com o passar dos séculos em direitos de ordem fundamental, essenciais para a concepção de uma sociedade e posteriormente de um Estado mais responsável pelo bem-estar do indivíduo.

Considerações a parte, e voltando ao estudos históricos, como o de Fabio Konder Comparato, aprendemos que no livro do Gênesis, escrito 600 a. C., já refletiam o posicionamento da cultura Judaica sobre o ser humano, que foi criado a imagem e semelhança de Deus.14

Podemos ainda identificar segundo Rogério Gesta Leal, por volta de 300 a.C., os estudos filosóficos tanto de Platão como Aristóteles sobre a vida humana, suas potencialidades, chegando a debates sobre liberdades políticas.15

José Damião de Lima Trindade, nos ensina que no mínimo devemos retroceder até o estoicismo grego, em meados dos séculos II e III de Cristo, bem como Cícero e Diógenes na antiga Roma. Acrescenta ainda que na Grécia Antiga, já encontramos aspectos filosóficos inerentes aos homens.16

Todo o processo de transformação do pensamento humano, principalmente partindo de uma cronologia da cultura cristã, desde o início da Idade Antiga, passando pela Idade Média até a Idade Moderna, mais especificamente pela Revolução Francesa de 1789 foram traçados os direitos humanos, que acabaram penando pela falta de garantias no ordenamento jurídico, até porque suas considerações tracejavam muito mais o campo filosófico jusnaturalista.

Neste movimento do pensamento humano sobre o seus direitos, sobre o Estado e o desenvolvimento das teorias jusnaturalistas, tivemos um lento processo de transição e de absorção de idéias sobre direitos fundamentais.

Na lição de Carl Schmitt17, observamos que o autor destaca o desenvolvimento do direito político na Inglaterra, acerca da Magna Charta de 1215, dizendo:

La Magna Carta inglesa de 15 de Julio de 1215 suele designar-se como modelo y origen de las modernas Constituciones liberales. El desarrollo del Derecho político de Inglaterra tomó um curso peculiar, porque los senõres feudales y estamentos de la Edad Media (alta nobleza, caballeros y burguesia inglesa) y su representación (la Cámara de los lores y la Cámara de los Comunes) pasaron en un proceso lento e insensible a las condiciones propias del Estado moderno (...)

Canotilho também faz menção a Carta inglesa de 1215, dizendo que embora contivesse fundamentalmente direitos estamentais, já fornecia aberturas para a transformação dos direitos corporativos em diretos dos homens.18

Mais especificamente na Idade Média, em meados a partir do século XVI “desenvolveu-se a idéia da existência de postulados de cunho suprapositivo que, por orientarem e limitarem o poder, atuam como critério de legitimação de seu exercício”.19

Ingo Wolfgang Sarlet, sobre este processo de transição da Idade Média para a Idade Moderna, e absorção do pensamento antropocêntrico, destaca que:

A partir do século XVI, mas principalmente nos séculos XVII e XVIII, a doutrina jusnaturalista, de modo especial por meio das teorias contratualistas, chega ao seu ponto culminante de desenvolvimento. Paralelamente, ocorre um processo de laicização do direito natural, que atinge seu apogeu no iluminismo, de...

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