Justificação filosófica dos cuidados paliativos a pacientes terminais

AutorAmabilia Beatriz Portela Arenhart; Livio Osvaldo Arenhart
Páginas167-170

Amabilia Beatriz Portela Arenhart. Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos; Especialista em Direito: Direito, Sociedade e Psicanálise, pelo Instituto de Ensino Superior de Santo Ângelo. Atualmente é professora do IESA - Instituto de Ensino Superior de Santo Ângelo.

Livio Osvaldo Arenhart. Doutor e Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Atualmente é professor da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Professor de Médio da Secretaria de Educação RS, Membro de corpo editorial da Revista de Ciências Humanas (Frederico Westphalen) e Membro de corpo editorial da Revista Direitos Culturais.

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1 Considerações Iniciais

Estabeleceu-se um certo consenso acadêmico de que, no Ocidente, desde o triunfo da clinicalização do mundo e da psicologização da subjetividade, o tema da morte se tornou um tema reprimido. O morrer se tornou um ato solitário e impessoal. Empresas especializadas se encarregam dos serviços funerários. O luto tende a ser suprimido, pois o ritmo normal da vida deve ser retomado o quanto antes. Segundo essa lógica, a morte é interpretada como acidente, que deve ser obstinadamente evitado. A medicina se “militarizou”, visando à eliminação agressiva das patologias em partes específicas do corpo físico, desconsiderando a natureza biográfica e pessoal dos pacientes.

No interior desse quadro de conceitos não conta o respeito à dignidade humana dos pacientes sem perspectiva terapêutica convencional. Este trabalho visa contribuir para a montagem de um quadro contra-hegemônico de conceitos, que justifique o cuidado aos doentes terminais, a fim de que eles possam se compreender respeitados em sua dignidade até o último suspiro de suas vidas.

2 Desenvolvimento

Qualquer pessoa que, com um mínimo de seriedade, antecipa o seu morrer sob as condições impostas pela forma atualmente hegemônica do serviço de saúde, é levada a pensar: "nunca quero passar por nada disso!". A propósito, DRANE é enfático: “Os movimentos sociopolíticos da Europa e dos Estados Unidos voltados para legalizar o suicídio e a eutanásia são uma reação ao fracasso da medicina dominante em tratar a inevitabilidade da morte e do morrer”.1 O autor citado acredita que esse movimento vai se fortalecer se os serviços de saúde continuarem fazendo pouco caso das necessidades da pessoa como um todo, até o seu último suspiro.2 Não se trata aqui de justificar a mobilização a favor do suicídio e da eutanásia. No tocante às questões da terminalidade de vida, existem movimentos sociais de âmbito planetário, gravitando em torno da defesa da dignidade humana dos pacientes terminais e moribundos. Pessoas das mais variadas crenças religiosas e filosóficas defendem a proposta ética dos cuidados paliativos.3 A concepção dos cuidados paliativos, cuja palavra-chave não é cura (cure), mas cuidado (care), propõe atender os pacientes que estão fora de possibilidades terapêuticas, em suas necessidades corporais, relacionais, afetivas, existenciais e espirituais.

Desde que, em 1946, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu que “saúde é um estado de completo bem-estar físico, moral e social”, há quem denuncia os limites dessa concepção, insistindo que conceito de saúde deve recolher, além do caráter dinâmico e ativo de cada biografia concreta, a dimensão da “morte e seus acompanhantes, os achaques, as fraquezas, as enfermidades, a agonia e a despedida final”.4 Nesta compreensão alternativa, a saúde é pensada como “bem-estar físico, mental, social e espiritual, mesmo quando não existir a mínima perspectiva de cura”.5 Há mais de 30 anos, numerosas associações reivindicam o direito de morrer com dignidade, apesar de ser lenta e fragmentada a divulgação desse movimento social.6 Em 2002, a OMS assumiu, sob a denominação dePage 168 cuidado paliativo, o conceito de “cuidado ativo e total aos pacientes cuja doença não responde mais ao tratamento curativo”, tendo em vista “aprimorar a qualidade de vida tanto dos pacientes quanto de seus familiares”. Segundo esta abordagem, buscam-se “a prevenção e o alívio do sofrimento, através da identificação precoce, de uma avaliação precisa e do tratamento da dor e outros problemas de ordem física, psicossocial e espiritual”.7

Com base na concepção de saúde que abrange o conceito de qualidade de vida, inclusive de pacientes terminais e respectivos familiares, resulta esclarecedora a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (DUBDH), de 19 de outubro de 2005. Em seu Art. 14, ela prescreve que “o mais alto padrão de saúde atingível é um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção[...]”.

Ora, o valor que fundamenta os direitos humanos é a dignidade da pessoa humana. Essa expressão é aberta a significações diversas, mas há um sentido unitário definido por Kant e recolhido pela doutrina dos direitos humanos: por oposição excludente a “preço” (de mercadorias), a dignidade é valor interno (de cada pessoa humana) e, por oposição a “serventia” (das coisas), dignidade é ser-fim-em-si-mesmo. O sujeito humano encontra-se acima de qualquer preço e não admite gradação valorativa, equivalência ou substituição. A dignidade limita a arbitrariedade das vontades, interditando a utilização de...

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