Nulidades processuais - Princípio da identidade física do juiz - Irregularidade na representação processual da parteHumberto Theodoro Júnior

AutorDaniel Castro Gomes da Costa
Páginas41-64

Ver nota 1

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1. Introdução

A teoria das nulidades é um dos segmentos do direito processual civil que mais oferece palco para desenvolvimento das modernas doutrinas sobre instrumentalidade e efetividade da prestação jurisdicional.

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O tema é muito vasto e rico em nuances. O que, entretanto, pretendemos abordar, são apenas dois aspectos da teoria: um pertinente ao juiz e outro, ao advogado. Ambos se relacionam com pressupostos processuais e, por isso, ensejam, em tese, possíveis nulidades, quando suas regras sofrem violações de natureza grave.

Os problemas a serem enfocados dizem respeito à atuação de juízes substitutos e de partes irregularmente representadas. A exposição será desdobrada em duas partes distintas, mas afinal as soluções alvitradas refletirão os mesmos princípios informativos da moderna teoria das nulidades dos atos processuais.

PARTE I Validade da sentença proferida por juiz substituto no curso de férias ou recesso forense. Exegese dos princípios da identidade física do juiz e do acesso à justiça
2. O Poder Judiciário e a essencialidade de seus serviços

No Estado Democrático de Direito, o acesso à justiça configura um dos direitos fundamentais assegurados na Constituição (art. 5º, XXXV). Em nome da paz social, anseio e condição sine qua non da vida civilizada em sociedade, o Estado suprime a justiça privada (justiça feita pelas próprias mãos do titular do direito violado) e assume o monopólio da justiça oficial.

Em contrapartida à privação da autotutela, os indivíduos, no mais elevado grau de civilização, investem-se no direito cívico de exigir do Estado a prestação jurisdicional sempre que se sentirem envolvidos em conflitos em torno de seus interesses jurídicos. Ao Estado, portanto, incumbe não só o poder de fazer justiça, mas também o dever de prestá-la. Mais do que o poder de judicar, cabe-lhe a função de compor os litígios, por meio da atuação da vontade concreta da lei. Daí falar-se, in casu, em poder-dever.

Para desempenho dessa função soberana, a ordem constitucional prevê as bases estruturais da jurisdição e estabelece os órgãos que dela se encarregarão. Leis ordinárias completam esta estrutura operacional, dividindo o território nacional em circunscrições (comarcas ou foros), dentro das quais atuarão os juízos, ou seja, os órgãos do serviço público que se encarregarão, observados certos limites territoriais, da prestação jurisdicional a que todos têm direito assegurado constitucionalmente.

É, pois, incontestavelmente, essencial o serviço que tais órgãos praticam, não só por corresponder ao desempenho de uma das funções pelas quais se exterioriza a soberania do Estado, como por representar o instrumento com que conta a sociedade para ver implementado o direito fundamental à tutela jurídica assegurado pela Constituição.

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3. Titularidade e substituição nos órgãos judiciários (juízos)

A cada juízo corresponde um titular, um juiz que o preside e que desempenha a função judicante apoiado em vários agentes auxiliares, encarregados das tarefas burocráticas e executivas (escrivães, oficiais de justiça, distribuidores, depositários, etc.).

Por se tratar de serviço essencial, sua continuidade é necessária e obrigatória, como, aliás, proclama a Constituição (art. 93, XII). Assim, as leis que instituem e organizam os juízos prevêem as formas de substituição sempre que o titular se ausente ou se veja afastado ou impedido do exercício da judicatura que lhe toca no órgão sob sua direção.

Os afastamentos podem ser temporários, como nas férias e convocações para outros órgãos, ou definitivos, como nas transferências e promoções; podem ser voluntários, como nas licenças, ou compulsórios, como na aposentadoria ou exoneração a bem do serviço; podem ser, outrossim, gerais ou pontuais, conforme se dêem em relação a todos os serviços ou apenas a um ou alguns processos singularmente (v.g., nas hipóteses de impedimento ou suspeição). Em todos os casos, porém, a prestação jurisdicional não sofre solução de continuidade. Automaticamente, o juiz afastado ou impedido tem sua função assumida por outro magistrado, segundo as regras legais de substituição provisória ou definitiva. Se não há como substituí-lo dentro da sistemática legal, cabe ao órgão hierárquico superior designar quem, dentre os que formam o quadro dos juízes, responderá extraordinariamente pelo juízo. O que não pode acontecer é a paralisação dos serviços essenciais do órgão jurisdicional por falta de titular. Sempre haverá de alguém qualificado assumir dita titularidade, ainda que de forma temporária ou precária.

Em razão dessa essencialidade foi que se emendou a Constituição em seu art. 93, com o acréscimo do inc. XII, por força da EC nº 45/2004, no qual se proclama que a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedadas as férias coletivas nos juízos de 1º grau e nos tribunais de 2º grau2.

4. Férias coletivas, recesso e plantão judicial

Às vezes a lei (ou a própria direção do Poder Judiciário) determina a observância de férias coletivas para os magistrados ou decreta um recesso de suas atividades. Entendem-se como equivalentes em efeitos práticos na vida forense, as férias e o recesso prolongado3. Em ambos os casos, estabelece-se um mecanismo de plantão judicial,

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por meio do qual um ou alguns magistrados assumem as varas cujos titulares proviso-riamente se afastaram. Tal plantão é tão essencial como a função jurisdicional em sua totalidade e permanência. É a própria Constituição que reconhece e proclama essa essencialidade quando, textualmente, dispõe no inc. XII de seu art. 93 que "a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tribunais de 2º

grau, funcionando nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente".

Pouco importa que a lei diga que apenas alguns tipos de processo correm nas férias e que nos demais apenas as questões urgentes serão apreciadas pelo juiz de plantão (CPC, arts. 173 e 174). A regra da lei ordinária, além de se achar ultrapassada pela reforma operada pela EC nº 45, que introduziu na Constituição a vedação das férias coletivas, nunca foi empecilho à prática de atos decisórios durante tais férias4.

O espírito da norma sempre foi o de reconhecer a anormalidade do funcionamento dos serviços judiciais afetados pelas férias coletivas e, por isso, para não prejudicar o normal exercício do direito de defesa das partes, não deveriam correr prazos no curso daquelas férias (CPC, art. 179). Não havia, por isso mesmo, impedimento ou nulidade das decisões judiciais proferidas durante as férias coletivas5. Apenas sua efetivação, para efeito de contagem do prazo para manifestação, cumprimento ou recurso, é que deveria se computar como ocorrida logo após a cessação do recesso6.

Nessa ordem de idéias, o juiz de plantão durante o recesso, provocado por regulares férias coletivas, ou por recesso administrativo deliberado na esfera do tribunal, na substituição pro tempore do titular do juízo, tem irrecusável poder de proferir decisão ou sentença em feito pendente na vara. Sua presença à frente do juízo não pode ser apenas para exercer parcela da jurisdição nele compreendida. A vara não pode ser tratada como substituída apenas em parte, se para o restante dos processos não há quem responda, e se a essencialidade e ininterruptibilidade das atividades jurisdicionais não pode ser posta em dúvida (CF, art. 93, XII).

Logo, qualquer que seja a razão - legal ou administrativa - porque o plantão se realizou, foi por meio dele que se manteve a ininterrupção necessária da atividade do juízo, dentro da qual se compreende a de julgar as questões maduras para decisão em todo e qualquer processo da vara substituída pelo juiz plantonista.

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Apenas o prazo para recorrer da sentença prolatada durante o plantão é que se contará após o recesso, em razão, se for o caso, da anormalidade do funcionamento dos serviços forenses no período7.

É o que tem prevalecido na jurisprudência do STJ:

"Durante o recesso e as férias forenses (grifamos) os prazos processuais permanecem suspensos por aplicação do art. 179 do CPC, reiniciando a contagem do prazo no primeiro dia útil e não em data sem expediente forense."8

O recesso sob plantão não é diferente de qualquer outro embaraço que tumultue o funcionamento normal do juízo, como v.g., a greve dos serviços judiciários. A propósito, já se teve oportunidade de decidir, com inegável acerto, que tal greve equivale a motivo de força maior capaz de evitar o andamento do processo. No entanto, dita greve "acarreta tão-somente a suspensão dos prazos, mas não a dos atos judiciais; assim, vale a audiência realizada nesse período"...9A respeito especificamente do ato decisório praticado durante as...

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