Inexistência e nulidades

AutorJúlio César Bebber
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho. Doutor em Direito do Trabalho
Páginas178-192

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9.1. Noções gerais

Uma das finalidades do recurso é a obtenção da declaração de inexistência ou invalidade de atos processuais (supra, n. 2.3). Tanto a inexistência quanto a nulidade podem ser da sentença (ou acórdão) ou de atos praticados ou omitidos no curso do procedimento e que afetam a sentença (ou acórdão).

9.2. Regularidade do procedimento

O princípio da regularidade do procedimento dita a validade do processo (como relação jurídica processual) pela observância das regras processuais.419

Referido princípio decorre do sistema da legalidade das formas (CPC, 2º).420

Daí por que a validade dos atos processuais depende da sua prática no lugar, no tempo, no prazo e na forma previstos em lei. Esse sistema, porém, comporta alguns temperamentos quanto à rigidez (regras moderadoras), como teremos oportunidade de ver adiante (infra, n. 9.6).

9.3. Sistema da legalidade das formas e sua importância

A regulamentação das formas foi o método encontrado pelo legislador contemporâneo para assegurar a defesa do direito das partes.421 Daí por que, de acordo com o sistema da legalidade das formas (CPC, 2º), cabe à lei estabelecer o modo pelo qual os atos processuais devem se exteriorizar, bem como o modo pelo qual os sujeitos do processo podem exercer as suas faculdades, seus poderes, seus deveres e seus ônus. Em síntese, cabe à lei estabelecer o modelo legal.422

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A ideia de que o magistrado deve libertar-se das formalidades e assumir posição progressista deve ser vista sob a ótica dos formalismos. Estes sim devem ser evitados, buscando o juiz ser progressista sem sacrificar a defesa do direito das partes.423

Assim, para a validade do processo, é necessário que o procedimento tenha sido regular, ou seja, que os atos processuais tenham sido realizados de acordo com o modelo legal.

9.4. Normas processuais

Norma processual é a regra que regula juridicamente fenômenos processuais.

A natureza processual de uma norma não depende do local de sua inserção. Sua identificação é feita pelo seu conteúdo, que é instrumental. O que devemos atentar, "em face de cada caso particular, é a essência processual ou não processual da lei. Se esta, por seu conteúdo, inclina-se a descrever esse tipo tão especial de relação contínua e dinâmica que chamamos processo, revelado por uma noção de marcha que vai desde a petição inicial até a execução; se encontrarmos na lei essa marca; se acharmos nela a descrição de como se deve realizar ou ordenar o conjunto de atos tendentes a obter uma decisão judicial suscetível de ser executada, coativamente, pelos órgãos do Estado, essa lei será processual e como lei processual deverá ser tratada".424

Quanto ao modo de impor seu comando, a norma processual pode ser:

  1. cogente ou de ordem pública - é a norma jurídica de conduta que disciplina o comportamento ou as atividades das pessoas, sem deixar ao destinatário do seu comando qualquer possibilidade de dispor de maneira diversa. Diz-se cogente ou de ordem pública porque é imposta de maneira irrefragável para a tutela de interesses gerais.425 Daí por que não permite às partes o poder de derrogá-la. O que importa é a observância do comportamento da norma, qualquer que seja a vontade das partes;

    Há norma cogente que tutela primordialmente o interesse:

    - da ordem pública geral (ou do Estado), como, v. g., a norma que dispõe sobre competência absoluta. Nesse caso, o bem jurídico protegido é o interesse do Estado na administração da justiça;

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    - da parte, como, v. g., a norma que dispõe sobre a legitimidade processual. O bem jurídico protegido, no caso, também é o interesse do Estado, mas a razão de fazê-lo repousa em uma consideração com o particular.

    Distinguir as normas entre essas duas modalidades é tarefa da doutrina e da jurisprudência, uma vez que repousa na seara da interpretação.

  2. dispositiva - é a norma jurídica de conduta que disciplina o comportamento ou as atividades das pessoas, mas deixa ao destinatário do seu comando a possibilidade de dispor de maneira diversa. Desse modo, a norma legal somente terá aplicação se o seu destinatário não dispuser de maneira diferente. Exemplo desse tipo de norma é a que disciplina a competência relativa. Embora a norma diga qual é o juízo competente, o réu, por exemplo, poderá deixar de apresentar exceção de incompetência quando a ação tiver sido ajuizada em outro local. Nesse caso, ocorrerá a prorrogação da competência, tendo esse comportamento do réu modificado a regra legal;

    Distinguir as normas cogentes das normas dispositivas também é tarefa da doutrina e da jurisprudência, uma vez que repousa na seara da interpretação, salvo quando o legislador tiver estabelecido a recusa de validade pela não observância a certos requisitos.

  3. potestativa - é a norma jurídica de conduta que disciplina o comportamento ou as atividades das pessoas, mas deixa ao destinatário do seu comando a possibilidade de escolher se deseja cumpri-la. As normas que estabelecem ônus são normas potestativas. A dinâmica do processo está ligada à ideia de ônus, com o objetivo de obrigar as partes a saírem da inércia e atuarem utilmente no processo. Impõem, assim, certos encargos às partes e cominam a inação com consequências desfavoráveis.

9.5. Sistema das nulidades processuais

O tema das nulidades processuais oferece indisfarçáveis dificuldades. Daí a necessidade de analisá-lo sob a ótica dos planos da existência, da validade e da eficácia, conforme lições de Pontes de Miranda.426

9.5.1. Plano da existência

O plano da existência é o plano do ser no sentido jurídico. Nele importa verificar se todos os elementos necessários para que o ato jurídico exista se fazem presentes. Vale dizer: nesse plano, verifica-se se o suporte fático se faz presente (v. g., pressupostos processuais de existência).

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A existência jurídica:

  1. pode, ou não, coincidir com a existência material. Um ato cuja existência material é incontestável, portanto, pode não existir juridicamente (v. g., citação feita em pessoa estranha ao réu); o inverso não é verdadeiro;

  2. é premissa de que partem a validade427 e a eficácia. Essa é uma conclusão lógica. Se a existência jurídica é fenômeno que diz respeito à vida jurídica do ato, evidente que ela antecede o exame da validade e da eficácia. Por essa razão, não se deve falar em vício de existência. O vocábulo vício (está reservado ao plano da validade) indica defeito, e defeito "não é falta. O que falta não foi feito. O que foi feito, mas tem defeito, existe. O que não foi feito não existe e, pois, não pode ter defeito. O que foi feito, para que falte, há, primeiro, de ser desfeito";428

  3. impede a produção da coisa julgada material. Daí por que jamais se convalida pelo tempo. Couture resume essa particularidade ao dizer que a "fórmula que define esta condição seria, pois, a de que o ato inexistente não pode ser convalidado, nem necessita ser invalidado".429 Independentemente de recurso ou de demanda específica, portanto, e a qualquer tempo é possível declarar a inexistência, pois "não havendo nada a destruir ou revisar, não há limite para" constatá-la.430

9.5.2. Plano da validade

O plano da validade é aquele em que se afere a qualidade (requisitos ou caracteres) que atos processuais devem possuir para que, ao adentrarem no mundo jurídico, sejam válidos. Nele importa verificar, portanto, se o ato processual foi praticado de acordo com as formas jurídicas.

A validade jurídica não deve ser confundida com a produção de efeitos. A doutrina menos abalizada e a jurisprudência desavisada costumam definir ato nulo como o que não produz efeitos. Definir "a nulidade como o que não produz nenhum efeito, significa, em todo caso, anotar suas consequências, porém, não sua natureza".431

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Atos nulos, em regra, são privados de efeitos. Essa ineficácia, porém, diz respeito à privação de efeitos típicos (preordenados, desejados pelo agente). Nada obsta a produção de efeitos atípicos ou indiretos. Além disso, pode ocorrer de nunca vir a ser constatada a nulidade. Nesse caso, o ato nulo será eficaz durante toda a sua vida. Há de se advertir, por fim, que nem toda ineficácia decorre da nulidade. Há atos válidos que não produzem efeito algum, ou que são ineficazes apenas em relação a certas pessoas (como, v. g., os atos praticados em fraude de execução).

9.5.2.1. Sistematização das nulidades

Entre muitas sugestões,432 é na doutrina de Galeno Lacerda que busco a sistematização das nulidades processuais, por ter ele alcançado a perfeita organização didática de ideias, sendo essa a nota diferençal. Vale, então, transcrever parte de suas próprias palavras:

Em nosso entender o que caracteriza o sistema das nulidades processuais é que elas se distinguem em razão da natureza da norma violada, em seu aspecto teleológico.

Se nelas prevalecem os fins ditados pela ordem pública, a violação provoca a nulidade absoluta, insanável o ato. Vício dessa ordem deve ser declarado de ofício, e qualquer das partes pode invocar.

O critério que as distinguirá repousa, ainda, na natureza da norma. Se ela for cogente, a violação produzirá nulidade relativa. Como exemplo podemos apontar a ilegitimidade processual provocada pela falta de representação, assistência ou autorização (...). Sendo imperativa a norma que ordena a integração da capacidade, não pode o...

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