O 'novo' seguro de acidentes do trabalho

AutorAntonio Bazilio Floriani Neto
Ocupação do AutorPós-graduado em Direito Previdenciário e Processual Previdenciário pela PUCPR. Mestre em Direito Econômico e Socioambiental pela PUCPR. Professor de pós-graduação lato sensu. Advogado
Páginas47-73

Page 47

3. 1 A constituição de 1988 e a cobertura dos riscos sociais

Lei suprema do Estado1, a Constituição pode ser considerada o "fundamento de validade de toda a ordem jurídica"2, eis que são seus dispositivos os responsáveis por conferir unidade e coerência ao ordenamento jurídico.

Ao traçar um paralelo entre a ordem constitucional estabelecida em 1988 e a anterior, Ingo Wolfgang Sarlet3 destaca o surgimento de significativas inovações na seara dos direitos fundamentais, podendo ser considerada a primeira ocasião em que foram tratados com a importância merecida.

Nesse passo, conforme bem elucida Flavia Piovesan4, a Constituição Federal de 1988 constituiu marco na institucionalização de um regime político democrático em nosso país, promovendo grandes avanços na consolidação legislativa dos direitos e garantias fundamentais. Por conta disso, a autora reputa o texto constitucional de 1988 um dos mais avançados em relação a esses direitos5.

Page 48

Ao projetar em seu preâmbulo a construção de um Estado Democrático de Direito e, em seu art. 3°, elencar como objetivos da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e promover o bem de todos, a Constituição demonstra a sua acentuada preocupação"[...] em assegurar os valores da dignidade e do bem-estar da pessoa humana, como imperativo de justiça social"6.

Nessa toada, o legislador constituinte optou por estruturar o ordenamento jurídico com o valor da dignidade da pessoa humana, o qual pode ser considerado núcleo básico e informador de todo o sistema, servindo como critério e parâmetro valorativo para a interpretação constitucional7.

Não por acaso, portanto, a Constituição de 1988 trouxe o conceito de seguridade social em seu art. 194, definida como o conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Em seu art. 196, a Carta Constitucional prevê a saúde como um direito de todos e impõe ao Estado garanti-la mediante políticas sociais e econômicas.

Ingo Wolfgang Sarlet8 comenta que este direito goza de dupla funda-mentalidade: formal e material. A primeira é decorrente da sua positivação do direito constitucional, desdobrando-se em 3 (três) elementos: (i) é direito fundamental integrante da Constituição, razão pela qual encontra-se no ápice do ordenamento jurídico, (ii) é cláusula pétrea e está submetido aos limites formais e materiais da reforma constitucional e, por fim, (iii) deve ser diretamente aplicável, vinculando não só o Poder Público, como os particulares.

Quanto à fundamentalidade material, Sarlet destaca que diz respeito "à relevância do bem jurídico tutelado pela ordem constitucional, o que - dada a inquestionável importância da saúde para a vida (e vida com dignidade) humana - parece-nos ser ponto que dispensa maiores comentários"9.

Já a fundamentalidade formal é uma consequência da relevância do bem jurídico tutelado, sendo inquestionável a importância da saúde para a vida humana10.

A Assistência será prestada a quem dela necessitar, de acordo com o art. 203 do texto constitucional, e independe de contribuição, ou seja, visa atender todos aqueles incapazes de prover a própria manutenção11.

Page 49

Por fim, a rede protetiva é formada pela Previdência Social, "seguro sui generis"12, haja vista a obrigatoriedade de filiação não só para o Regime Geral como também para o Próprio, apresentando como características gerais o fato de ser contributivo e de organização estatal. É de se mencionar, ainda, que seu fim é amparar os cidadãos envoltos nos riscos sociais13, de modo a garantir um padrão mínimo de vida14.

Para haver a efetivação desses direitos consagrados, imprescindível haver recursos, sendo a principal fonte de financiamento, nos Estados contemporâneos, os tributos15. O desafio, contudo, é harmonizar a escassez de recursos com a busca pela liberdade real16.

Nessa linha de raciocínio, o constituinte impôs a todoso dever de contribuir, como se verifica no art. 19517. O mencionado dispositivo, por conta disso, pode ser considerado o responsável por racionalizar18 a forma de custeio do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), prevendo em seus quatro incisos as contribuições a cargo do empregador (inciso I), do trabalhador e demais segurados da Previdência Social (inciso II), sobre a receita de concurso de prognósticos (inciso III) e do importador de bens ou serviços do exterior (inciso IV)19. No § 9° do art. 195, o texto constitucional ainda estipulou que as contribuições sociais a cargo dos empregadores, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma

Page 50

da lei podem ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas em razão da ativi-dade econômica, da utilização intensiva de mão de obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho.

Não foi deixada de lado pelo legislador constituinte a precedência da fonte de custeio20, positivando-a expressamente no § 5° do art. 195. Assim sendo, "[...] o Estado brasileiro, através da Constituição Federal, previu um sistema pro-tetivo a fim de atender as necessidades mais elementares do cidadão envolto em riscos sociais que emergem de sua própria existência humana [...]"21, sendo um deles os acidentes laborativos.

No artigo 7° inciso XXVIII, da Constituição foi previsto o seguro contra acidentes de trabalho, o qual fica a cargo do empregador e independe de qualquer indenização quando este incorrer em dolo ouculpa22.

Ibrahim23 lembra que o fundamento deste seguro está na teoria do risco profissional, vista anteriormente quando abordado o Decreto n. 24.637/1934.

Inicialmente, o dispositivo constitucional foi regulamentado pela Lei n. 7.787/1989, em seus arts. 3°24 e 4°25. De acordo com esse ato normativo, o SAT era formado por uma alíquota única, de 2%. No entanto, poderia ser majorada caso a empresa apresentasse índices de acidentalidade superior à média do respectivo setor. Essa contribuição adicional poderia variar de 0,9% a 1,8%.

Ocorre que a aludida sistemática não perdurou por muito tempo, sendo mantida somente até o advento da Lei n. 8.212/91, responsável por conferir re-dação atual e disciplinar esta exação, como se passa a expor.

Page 51

3. 2 A lei n 8.212/1991 e o "novo" SAT

Visando dar continuidade à evolução legislativa em torno SAT26, chega-se à Lei n. 8.212/1991. Em seu artigo 22, II, foi responsável por definir os contornos desta exação: base de cálculo (total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos), alíquota (1% a 3%), o sujeito ativo (União) e o passivo (empresa).

Trata-se de contribuição previdenciária patronal exigida pelos eventuais danos causados à saúde dos empregados, além de financiar o benefício previ-denciário denominado aposentadoria especial.

Paulo Rogério Albuquerque Oliveira27 ensina que a atual metodologia de proteção ao trabalhador conferida pelo SAT leva em conta tanto pressupostos filosóficos, quanto estatísticos, exprimidos por raciocínios como: o que aconteceu, acontecerá de novo, a causa do acidente será a mesma, o acaso existe, se distribui aletoriamente e alcança a todos.

A empresa é visualizada como um indivíduo28. Aqui, vale lembrar que esta concepção acerca da empresa somente foi possível após os estudos de Ronald Coase, em 1930, considerado o precursor a explicar "a gênese da firma"29.

Até meados do século XX, os economistas acreditavam que um sistema econômico funcionaria por conta própria, não necessitando de um controle central, porque a produção seria ajustada à demanda e a produção ao consumo, ou seja, a ordem natural da economia consistiria em um processo automático,

Page 52

flexível e capaz de sentir as tendências30. Por conta disso, desprezava-se a empresa, a qual não teria relevância, eis que o mercado seria apto para realizar a tarefa de organização de produção31. De acordo com Paulo Furquim de Azevedo, o insight de Coase foi visualizar que a coordenação do sistema econômico poderia estar internamente na firma. Antes dele, a firma era vista somente como a instância na qual uma ou várias transformações tecnológicas eram processadas em um determinado bem ou serviço. Aspectos organizacionais ou de relacionamento com clientes e fornecedores eram sumariamente ignorados, de tal modo que a firma podia ser representada como uma Função de Produção, cujas entradas são os vários insumos necessários à produção e as saídas os produtos produzidos por ela32.

Coase33 foi hábil em formular os seguintes questionamentos: na perspectiva usualmente aceita sobre a coordenação feita pelo mecanismo de preços, por que as empresas são necessárias? Por que existem as ilhas de poder consciente? Fora da empresa, o movimento de preços conduz à produção, a qual é coordenada por uma série de trocas realizadas no mercado; dentro dela, estes mercados transacionais são eliminados.

Com o seu trabalho intitulado Thenatureofthefirm, foi possível visualizar, portanto, o interior da "caixa preta da empresa", estabelecendo as bases para a criação da Nova Economia Institucional (NEI) e posteriores estudos sobre a teoria da firma, conforme ensina Cássio Cavalli34.

Desse modo, foi graças aos estudos iniciados por Coase que a empresa passou a ter importância no mercado, a ser estudada e também...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT