O novo regime do crédito hipotecário na União Europeia

AutorJ. Pegado Liz
Páginas14-66

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Excertos

“O CESE, embora consciente da importância do setor da construção na economia, considerou, no entanto, que a proposta de diretiva não aproveitava devidamente a experiência com a crise financeira, cujas origens se encontram no mercado americano do crédito hipotecário”

“A proposta não contribui para a realização do mercado interno no domínio do crédito hipotecário e é lamentável que neste domínio não tenha sido considerada a utilização de um instrumento opcional”

“A crise financeira mostrou que o comportamento irresponsável de alguns participantes no mercado pode minar os alicerces do sistema financeiro.

Nos domínios não abrangidos pela diretiva, os Estados-membros são livres de manter ou introduzir disposições legais nacionais”

“O princípio geral que enforma quaisquer comunicações comerciais e de publicidade sobre contratos de crédito é o que exige que sejam leais, claras e não enganosas”

“Os Estados-membros devem garantir que, quando um mutuante celebrar um contrato de crédito com um consumidor, o mutuante não resolva nem altere posteriormente esse contrato em prejuízo do consumidor com base no fato de a avaliação de solvabilidade ter sido incorretamente efetuada”

“Os Estados-membros devem assegurar que os mutuantes informem os consumidores de quaisquer alterações da taxa devedora, em papel ou noutro suporte duradouro, antes que as mesmas comecem a produzir efeitos”

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1. Introdução, objeto e âmbito de aplicação

1 .1 Importa desde já esclarecer que a União Europeia nunca aceitou regular, ao nível comunitário, o instituto da hipoteca, nas suas diversas denominações e conceitos nos variados direitos nacionais, nem tomar posição sobre a vexata questio da sua natureza jurídica como direito real ou meramente obrigacional. Ao contrário, de há muito que, no seguimento de toda uma legislação comunitária diversa sobre crédito ao consumo, as várias partes interessadas tinham vindo reclamando e insistindo com o poder legislativo comunitário no sentido de uma harmonização básica da definição de um regime para o crédito hipotecário, considerado como um dos fundamentos da agilização da concessão de crédito transfronteiras e meio essencial da concretização de um mercado único do crédito para pessoas singulares e coletivas.

1.2 A concretização parcial desta aspiração teve lugar com a atual Diretiva 2014/17/UE, de 4 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos de crédito aos consumidores para imóveis de habitação, que altera as Diretivas 2008/48/CE e 2013/36/UE e o Regulamento (UE) 1093/20102 e que estabelece um quadro comum em relação a certos aspectos das disposições legais, regulamentares e administrativas dos Estadosmembros aplicáveis aos contratos de crédito ao consumo que estejam garantidos por hipoteca ou outro tipo de garantia em relação a bens imóveis de uso residencial.

Do enunciado do seu objeto (art. 1°) resulta a delimitação do seu âmbito em termos muito estreitos, para o que ainda contribuem as exclusões à sua aplicação e a faculdade de os Estados-membros ainda limitarem mais a sua aplicação, tudo como resulta do seu artigo 3°3.

2. A proposta da comissão (COM (2011) 142 Final)

2.1 Na origem dessa diretiva está a proposta da Comissão de 20114 sobre a qual foram pronunciados vários pareceres críticos dos quais se destacam os do Banco Central Europeu5, da Autoridade para a Proteção de Dados, do Comité Economico e Social Europeu (CESE)6 e do Parlamento Europeu e nos quais aqueles aspectos e muitos outros foram objeto de detalhada análise e discussão.

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2.2 Na impossibilidade de enunciar e de discutir aqui todas as questões suscitadas, limitamo-nos a dar conta dos aspectos mais controvertidos na referida proposta com base, fundamentalmente, no Parecer do CESE, antes referido, em que se teve a oportunidade de colaborar de forma ativa.

2.3 É importante recordar que, em 18 de dezembro de 2007, a Comissão adotou um Livro Branco sobre a integração dos mercados de crédito hipotecário da UE. A consulta então levada a cabo abrangeu um público muito vasto e permitiu à Comissão constatar que a divergência entre as legislações em vigor em matéria de crédito hipotecário prejudicava o bom funcionamento do mercado único, aumentava os custos e lesava os consumidores. Embora cético quanto à possibilidade real de integrar e harmonizar o mercado do crédito, dadas as especificidades culturais, jurídicas e eticossociais dos diferentes estados-membros, o CESE acolheu favoravelmente a relação estabelecida entre a regulamentação em vigor na matéria e a necessidade de proteger o consumidor, no parecer sobre o Livro Branco sobre a integração dos mercados de crédito hipotecário da UE que adotou, em 9 de julho de 2008.

2.4 A crise financeira que sobreveio pouco depois revelou os disfuncionamentos decorrentes das deficiências dos mercados e da regulamentação, para além do contexto económico, das práticas dos intermediários de crédito e dos mutuantes e do fraco nível de cultura financeira dos mutuários. Por outro lado, a proposta aplicar-se-ia aos créditos destinados a financiar a aquisição ou a renovação de um bem imóvel não abrangidos pela Diretiva 2008/48/CE, quer sejam ou não garantidos por hipoteca ou outra garantia semelhante, e pretendia garantir um elevado grau de proteção dos consumidores, na acepção da Diretiva 2008/48/CE, relativa a contratos de crédito aos consumidores, deixando simultaneamente aos Estados-membros a possibilidade de a alargarem a outras categorias profissionais, nomeadamente as microempresas, num quadro harmonizado à escala da União Europeia, através de uma aproximação entre as legislações dos Estados-membros, e assim criar um mercado único eficiente e concorrencial, no respeito dos direitos fundamentais consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, recuperando a confiança dos consumidores e promovendo a estabilidade financeira.

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2.5 Para tal efeito, a proposta propunha-se utilizar o método da harmonização direcionada, situando-se ao mesmo tempo a um nível suficientemente elevado para ter em conta as diferenças entre as legislações em vigor e a diversidade dos mercados hipotecários na União.

2.6 O CESE, embora consciente da importância do setor da construção na economia, considerou, no entanto, que a proposta de diretiva não aproveitava devidamente a experiência com a crise financeira, cujas origens se encontram no mercado americano do crédito hipotecário. A prática muito pouco saudável dos créditos concedidos a 100% e mais do valor dos imóveis encorajou os consumidores à aquisição, incluindo os que dispunham de baixos rendimentos.

Num período de expansão, é possível fazer face a compromissos substanciais; bastou a economia chegar a uma fase de estagnação, ou mesmo de recessão, para que o desemprego levasse a um incumprimento generalizado do pagamento desses mesmos compromissos. A colocação à venda de uma quantidade elevada de imóveis provocou a queda dos preços e perdas enormes para as instituições financeiras. Assim, na raiz da crise esteve o sobre-endividamento dos mutuários, fenómeno que devia absolutamente ser evitado.

2.7 Daí que se tivessem formulado as seguintes principais críticas, reparos e sugestões à mencionada proposta:

  1. pelo seu teor, a proposta deveria ter como base jurídica o artigo 169º do Tratado, e não o artigo 114º;

  2. o termo “uso residencial” constante do art. 3º deveria ser definido com clareza de modo a saber se visa unicamente a residência principal;

  3. são utilizados vários conceitos...

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