O Novo Paradigma do Direito na Pós-Modernidade

AutorPaulo Márcio Cruz - Zenildo Bodnar
CargoUniversidade do Vale do Itajaí (Univali). Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Jurídica. Mestrado e Doutorado - Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Programa de Pós-Graduação em Ciência Jurídica. Mestrado e Doutorado
Páginas12-20

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O objetivo deste artigo, com a ressalva de que a pretensão é a de apenas contribuir para o debate, é o de estabelecer alguns elementos científicos e teóricos sobre a necessidade de se considerar o surgimento de um novo paradigma para o direito, em função dos novos cenários globalizados e transnacionais atuais. É claramente perceptível atualmente a crise do paradigma que nasceu com a ciência moderna e determinou o modo de ser e agir do ser humano, nos séculos XIX e XX. Este paradigma moderno começou tomar vulto com o Iluminismo. Antes deste modelo, a matriz disciplinar ocidental era a da teologia da Idade Média que remetia ao transcendente e à metafísica a explicação de tudo.

A modernidade jurídica, que começou com as revoluções burguesas, teve e tem como paradigma a liberdade em seu sentido polissê-mico, pois pode ser entendida de várias maneiras. Mas, assim como fatores pré-modernos determinaram a superação do feudalismo e do absolutismo, vários fatores pré e pós-modernos conjugados estão determinando a consolidação de um novo paradigma para o direito pós-moderno. Importante ressalvar que para o escopo deste artigo os autores concebem a relação entre o paradigma moderno e pós-moderno, a seguir discutidos, não como de substituição, mas como de coabitação ou de convivência, se preferirem.

O novo paradigma que surge se justifica pela necessidade vital da preservação da vida no planeta. Isso implica, evidentemente, a ado-ção de um novo paradigma geral para as ciências e, por consequência, para o direito. Afinal de contas, a liberdade justificou a desigualdade material da modernidade, sendo notória a degradação ambiental

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produzida pela pobreza e pela miséria resultado dessas desigualdades. Até a década de 60 do século passado, alcançar níveis superiores de liberdade era o máximo almejado pelo Ocidente capitalista liberal com sua lógica judaico-cristã. Dentre os fatores que determinaram a crise da era da liberdade, da modernidade, foi o fenecimento do modelo de Estado - e de direito - pautado pelas fronteiras nacionais. O fim do contraponto socialista e a hege-monização do capitalismo liberal erodiram sua principal característica, ou seja, a soberania herdada da paz da Westfália.

A partir da década de 80 do século XX, o homem deu-se conta, pela primeira vez, que poderia destruir o planeta. Esse fato, junto com o fenômeno da globalização, acabou por criar uma nova realidade que se convencionou denominar de transnacional. A era moderna entrou em exaustão quando seu paradigma, baseado na liberdade, deixou de ser o valor fundamental de orientação ao modo de vida do Ocidente. Isso como consequência do surgimento de novos poderes e riscos agora globais1.

A liberdade foi perdendo espaço enquanto paradigma, desde a implantação do Estado social de direito, maior legado da disputa capitalismo x comunismo protagonizada durante a guerra fria. Mas o auge desse processo de relativização da liberdade foi o avanço da questão ambiental, fermentado pelos novos cenários transnacionais típicos da sociedade de risco. Dessa forma, passou a ganhar consistência o surgimento de um novo paradigma que indica a sobreposição de valores, acompanhando o surgimento de uma nova era, pautada pela preservação da vida no planeta, o que se convencionou chamar de questão vital ambiental2.

O cenário transnacional da atua-lidade pode ser caracterizado como uma complexa teia de relações políticas, sociais, econômicas e jurídicas, no qual emergem novos ato-res, interesses e conflitos, os quais demandam respostas eficazes do direito. Estas respostas dependem de um novo paradigma do direito que melhor oriente e harmonize as diversas dimensões implicadas. A partir desse contexto de insuficiência da liberdade, enquanto paradigma do direito moderno para o enfrentamento dos novos riscos globais, o que se propõe é a análise da sustenta-bilidade enquanto novo paradigma indutor do direito na pós-moderni-dade em cohabitação com a liberdade.

2. A liberdade enquanto paradigma do direito na modernidade

A modernidade foi construída a partir da busca por liberdade. Portanto, é lógico que seus vórtices econômicos, sociais e jurídicos acompanhassem essa concepção original, o que foi, registre-se, um grande avanço para a humanidade. Naquela época não se falava sobre preservação do ambiente e, muito menos, sobre os possíveis riscos que sua destruição poderia causar. A revolução industrial representou o início da utilização, em grande escala, dos recursos naturais. Nessa evolução surgiu o uso do petróleo como fonte de energia substitutiva do vapor, o que levou a modernidade a ficar conhecida como a "civilização do petróleo". Há que se ter em conta que a exaustão dessa matriz ener-gética, quer seja pela sua finitude como também pelo elevado potencial poluidor, acompanha a crise da própria modernidade.

A liberdade, enquanto paradigma do direito moderno, é produto de um conjunto especial de relações políticas que emergiu na Europa. Aquela liberdade, encontrada no ambiente burguês, foi teorizada em forma de liberalismo num primeiro momento e como liberalismo democrático num segundo momento e também ficou compreendido que aquela liberdade só poderia ser real e permanente caso fosse traduzida em normas jurídicas por intermédio do direito.

Mais adiante, a liberdade como paradigma do direito moderno, durante sua fase de consolidação, ganhou muitas caracterizações. Talvez a mais emblemática seja aquela expressa pelo inglês John Stuart Mill3. Para ele, a liberdade individual deveria ser exaustivamente perseguida e só poderia ser permitida a intervenção da sociedade na liberdade de outrem em caso de autoproteção, ou seja, quando houvesse a invasão dos âmbitos de liberdade de outrem.

A liberdade moderna foi uma conquista do liberalismo preocupado, enquanto corrente doutrinária, com a limitação do poder e com o grau de interferência dos outros e do Estado na vida das pessoas, como, aliás, ressalta Celso Lafer, citando Benjamin Constant, na apresentação da obra de Mill acima citada. A liberdade, enquanto direito à diversidade, sustentada por Mill, seria compatível com o seu critério de igualdade formal moderna, ou

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da igualdade dos pontos de partida almejada pela doutrina liberal, com fundamento na capacidade.

Portanto, onde não houvesse direito à diversidade, não haveria liberdade. A liberdade, como paradigma do direito moderno, passou a consistir em não se estar sujeito à restrição e à violência por parte de outras pessoas, o que não pode ocorrer quando não há estado de direito em sua concepção kantiana, que agrega o "democrático" ao termo4. A modernidade pode ser compreendida, por este diapasão, como diferenciação racional entre a religião, a política, a moral e o direito. Com este último sendo o garantidor dos âmbitos de liberdade.

Importante enfatizar que o liberalismo, e a liberdade como paradigma do direito, como concepção político-ideológica dessa corrente de pensamento que se consolidou a partir das revoluções burguesas do século XVIII e que ensejou a modernidade jurídica, caracterizou-se por defender as maiores cotas possíveis de liberdade individual frente ao Estado, que deve procurar ser neutro. Passou-se a postular uma filosofia tolerante da vida como modelo social que conseguisse substituir o antigo regime e cujos conteúdos se constituíram em fundamento jurídico e político das constituições democráticas5. A criação do direito público, pelos modernos, é a sua maior prova, já que se constitui num grande leque de proteção com relação ao Estado.

O liberalismo ganhou força social de modo gradual na medida em que as zonas mais desenvolvidas da Europa Ocidental e suas colônias passaram a orientar suas estratégias econômicas em direção à economia de mercado e a necessitar de uma nova concepção do mundo que não criasse obstáculos à nova realidade socioeconômica emergente. Dito de outra forma, a liberdade em seus diversos aspectos. Para isso, o direito e a liberdade como seu paradigma foram fundamentais.

Por consequência, com a afirmação das ideias de liberdade burguesas, principalmente durante o século XIX, ocorrem mudanças significativas nos valores sociais dominantes até então. O cidadão, e não outra entidade qualquer, passou a ser o centro das atenções. As propriedades privadas, individuais, operavam como um símbolo de prosperidade, com os pobres representando os incapazes, que não conseguiam aproveitar as inúmeras oportunidades oferecidas pela livre iniciativa.

O liberalismo se consolidou como uma filosofia de progresso econômico, social e técnico, ao propor, essencialmente, uma liberação total das potencialidades dos indivíduos, com suas premissas básicas assentadas na liberdade como paradigma do direito, como anota Jean Touchard6, e na individualidade, com uma visão positiva e otimista do homem, que era visto como um ser individualmente autônomo, materialista e dotado de razão. Razão essa que lhe permitiria lograr sua meta principal, ou seja, a de ser feliz na medida em que pudesse desenvolver suas capacidades individuais sem obstáculos que o intimidassem.

Claro que, baseados nestas premissas, os liberais repudiavam qualquer tipo de privilégios e defendiam, em contrapartida, a igualdade para todos os homens livres perante a lei. Liberdade para atuar no mercado capitalista e ser possuidor de bens que garantissem a sua liberdade. Todos seriam formalmente, e não materialmente, iguais porque o homem possui alguns direitos naturais indiscutíveis. Cada homem poderia fazer de sua vida privada o que bem entendesse ou pudesse. Inclusive admitindo e estimulando a alienação, por contrato de trabalho...

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