O Novo Modelo de Interpretação Jurídica à Luz da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil Brasileiro de 2002

AutorTarlei Lemos Pereira
Páginas103-126
“Legislar é fazer experiências
com o destino humano.”
(Gilmar Ferreira Mendes)
C A P Í T U L O IV
O NOVO MODELO DE INTERPRETAÇÃO JURÍDICA
À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Sumário: 4.1 A constitucionalização do Direito Civil (nova conguração do Direito
Privado); 4.2 O sistema aberto e móvel do Código Civil Brasileiro de 2002; 4.3 Os
princípios norteadores do Código Civil Brasileiro de 2002; 4.3.1 Princípio da Sociali-
dade; 4.3.2 Princípio da Eticidade; 4.3.3 Princípio da Operabilidade; 4.4 A interpre-
tação da norma jurídica; 4.5 As técnicas de interpretação jurídica; 4.6 A integração
das normas jurídicas. A problemática das lacunas; 4.7 O Código Civil Brasileiro de
1916 e o superado modelo de interpretação
4.1 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL
(NOVA CONFIGURAÇÃO DO DIREITO PRIVADO)
Em interessante trabalho coordenado pelo professor e Desembargador apo-
sentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Renan Lotufo, intitulado
Direito Civil Constitucional, o Procurador da República Joaquim José de Barros
Dias1, após realizar percuciente estudo sobre o tema, ar ma que “na condução das
relações privatísticas de hoje, o destaque cabe à ingerência do Estado e das normas de direito
público, tal como se revela na difusão do termo ‘interesse social’ em diversos pontos de contenção
aos direitos privados”.
1 Aut. cit. Direito Civil Constitucional. In: Direito Civil Constitucional. Caderno 3. Coord.:
LOTUFO, Renan. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 14.
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Aduz que a introdução de expressões de direito público em normas que re-
gem a vida dos particulares faz parte de um esquema que visa impregnar o Direito
Privado de um sentido teleológico de justiça social. Mais que isso, a invasão do Di-
reito Público sobre o reino privado atende a um pressuposto axiológico há muito
reclamado, que possui a sua principal derivação na desigualdade produzida nas
experiências práticas, sobretudo em razão dos excessos vericados pela ideologia
capitalista liberal.
No universo do direito, a publicização ou, como quer Renan Lotufo, a socializa-
ção das relações privadas, constitui um fenômeno relativamente novo e de inegável
conrmação, que foi operacionalizado a partir do acoplamento de normas priva-
das ao que poderíamos chamar de fenômeno constitucional.
Sob esta égide, conclui Barros Dias, não seria equivocado aplaudir os que
acenam e anteveem a ideia de uma nova Teoria Geral do Direito Privado, e os que,
na mesma linha, reconhecem a existência autônoma de um Direito Civil-Consti-
tucional2, que passa a ser, assim, a base da reconstrução, de aplicação e de reunicação da
‘summa divisio’ de todo o Direito.
Tais palavras fazem sentido hodiernamente, porquanto estamos diante de
uma nova conguração do direito privado, que lhe é impingida pelo denominado
Direito Civil-Constitucional3.
2 O próprio professor Miguel Reale assinalava que “um dos fatos jurídicos mais relevantes de nosso
tempo é a constitucionalização do Direito Civil, em virtude de as disposições fundamentais deste ascenderem
ao plano constitucional”. (Aut. cit. A Constituição e o direito civil. In: jornal O Estado de S.
Paulo. publicado em 18.06.2005. ano 126. nº 40.786. p. 2. Também disponível em
www.estadao.com.br>)
3 “O chamado ‘direito civil constitucional’ tem provocado renovação no direito civil brasileiro, reflexo da
preocupação com a construção de uma ordem jurídica mais adequada aos problemas sociais. (...) A Cons-
tituição a todos vincula, o legislador, o intérprete, o juiz, o órgão administrador e o cidadão. Há que se
ter uma ‘mentalidade constitucionalizada’, buscar as direções hermenêuticas e construtivas fundamentais
da cidadania, empreendendo leitura do Código Civil e das leis especiais à luz da Constituição, fruto que
é do ‘contrato social’. Esta ‘constitucionalização do direito civil’, bem como de outros ramos do direito, se
justifica diante das exigências da unidade do sistema e do respeito à hierarquia das fontes para evitar o
risco da degeneração do Estado democrático de direito. O ‘direito civil constitucionalizado’, melhor dizen-
do, o direito civil transformado pela norma constitucional, tem como fundamentos a superação da lógica
patrimonial (proprietária, produtivista, empresarial) pelos valores da pessoa humana, porque privilegiados
pela Constituição. Segundo Gustavo Tepedino, ‘a adjetivação do direito civil, dito ‘constitucionalizado,
socializado, despatrimonializado’, ressalta o trabalho que incumbe ao intérprete de reler a legislação civil
à luz da Constituição, de modo a privilegiar os valores não-patrimoniais, a dignidade da pessoa humana, o
desenvolvimento de sua personalidade, os direitos sociais e a justiça distributiva, à qual devem se submeter
a iniciativa econômica privada e as situações jurídicas patrimoniais’. Tratava-se do Código Civil de 1916,
porém não menos adequada é a leitura do atual Código Civil brasileiro seguindo a mesma diretriz.” (TEI-
ZEN JÚNIOR, Augusto Geraldo. A função social no Código Civil. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004. pp. 80-82)

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