Novo (?) modelo assistencial de saúde

AutorClaudia Santos; Jordeana Davi; Márcia Santos Martiniano; Teresa Cristina Péret; Rosana Batista Farias Leite
CargoUniversidade Estadual da Paraíba (UEPb)/Universidade Estadual da Paraíba (UEPb)/Grupo de Estudo, Pesquisa e Assessoria em Políticas Sociais (GEAPS) - UEPb/Universidade Federal de Campina Grande-Pb/Faculdade de Ciências Médicas de Campina Grande-Pb
Páginas73-81

Page 74

1 Introdução

A partir da VIII Conferência Nacional de Saúde e da Constituição Federal de 1988, com posterior regulamentação da Seção Saúde – Leis 8080 e 8142, de 1990 – uma nova direção vem sendo dada à política de saúde no Brasil. A integralidade da atenção é destacada em todos os debates, evidenciando uma questão prática eimediata: o que a população exige do Sistema Único de Saúde (SUS) é que ele seja capaz de atender aos problemas de saúde individuais e coletivos, cuidando da qualidade de vida/saúde e não apenas medicalizando as demandas da população como tradicionalmente se apresenta o modelo hegemônico.

No modelo vigente no país, predomina o caráter assistencialista e curativo. Centra-se na figura do médico, voltando-se mais para a doença. Nesse modelo, há grande fragmentação na atuação dos profissionais/trabalhadores de saúde, em alguns casos, precarizando as relações de trabalho.

O Programa de Saúde da Família (PSF) tem sido adotado pelo Ministério da Saúde desde 1994, como uma estratégia para reorientação da Atenção Básica, com potencial para alavancar mudanças no modelo assistencial de saúde, na direção dos princípios previstos no SUS.

Neste artigo, apresentamos algumas discussões acerca do entendimento sobre “mudanças no modelo assistencial”, evidenciando alguns consensos e dissensos no debate sobre essa relevante temática.

2 Desafios impostos à mudança de modelo assistencial na saúde no Brasil

A reflexão sobre modelos assistenciais de saúde não se constitui um exercício fácil, por envolver inúmeros determinantes, destacando-se, dentre outros, a sua concepção, aparato jurídico e seu sustentáculo técnico operacional, enfim, inúmeros componentes que respaldam a direção das práticas institucionais. Nesse sentido, a construção de um modelo passa por demonstrar o processo histórico no qual está sendo configurado. Como bem expressa Silva (1998, p. 66):

Perceber o modelo em saúde como tal, é compreender que sua construção é contínua e exige permanente esforço, que sua intencionalidade orienta a prática dos atores envolvidos, que por sua vez, com sua cultura, interesses, visões de mundo, vão dando organicidade no modo de ‘fazer saúde’.

A temática da organização dos serviços de saúde e as práticas de atendimento à população revestemse, no Brasil, de uma importância estratégica. O modelo de atenção à saúde predominante em nosso país, na maioria dos municípios brasileiros, não contempla as necessidades de saúde da população, estando ainda em desacordo com os princípios do SUS, embora registremos significativas experiências que têm avançado nesta direção (O SUS que está dando certo!).

O modelo prevalente, na maioria dos países capitalistas, estrutura-se na visão negativa de saúde, vinculando esse à doença e à morte. Nesse sentido, a saúde passa a ser entendida apenas como ausência de doença. Resulta daí o paradigma “flexneriano”, derivado de um relatório elaborado por um educador americano chamado Abraham Flexner que, em 1910, sistematiza o paradigma médico, estruturando respostas ao problema das doenças, qual seja, a política sanitária de atenção médica.

Esse paradigma é sistematizado através de um conjunto de elementos tais como: “individualismo”, “mecanicismo”e “especialismo”. Estrutura, como resposta para os problemas de saúde, a atenção médica e de outros profissionais (dentistas, enfermeiro, etc), medicamentos, exames, equipamentos, dentre outros. Nesse propósito, o “fazer saúde” passa a ser entendido como oferta de serviços de saúde, desconsiderando outros aspectos fundamentais (MENDES, 1995).

O SUS aprovado na Constituição Federal de 1988 é marcado pelo paradigma da produção social da saúde. Sob essa perspectiva, a saúde não é vista apenas como ausência de doença, no sentido tradicional. Significa também a possibilidade dos indivíduos atuarem, de produzirem sua própria saúde, seja mediante cuidados tradicionais, seja por ações que influenciem o seu meio. Requer ações políticas que impliquem na redução de desigualdades, cooperação intersetorial, participação efetiva, ou seja, no exercício da cidadania.

A teoria da produção social possibilita o rompimento com a setorialização da realidade. A produção social da saúde

[...] além de dar conta de um estado de saúde em permanente transformação porque possível de acumulação e desacumulação[de novos recursos, não só econômicos, mas também recursos de poder, valores ou conhecimentos] permite a ruptura com a idéia de um setor saúde, erigindo-a como produto social resultante de fatos econômicos, políticos, ideológicos e cognitivos (MENDES, 1996, p. 241).

Através desse referencial, buscam-se métodos adequados à realidade política que tornem mais eficientes as ações sociais e ambientes para a saúde e qualidade de vida. Procura-se, desta forma, abandonar o enfoque vertical e paternalista tradicional, apoiados no biologismo e mecanicismo. Supõe-se, por outro lado, o desenvolvimento dePage 75 novas relações com o Estado e com a Sociedade Civil e o desenvolvimento de habilidades profissionais inovadoras para implementar novas práticas.

Neste trabalho, adotamos a formulação de “modelo tecnoassistencial” defendida por Mehry e outros (1991, p. 84) que enfatiza:

Ao se falar de modelo assistencial estamos falando tanto de organização da produção de serviços a partir de um determinado arranjo de saberes da área, bem como de projetos de construção de ações sociais específicas, como estratégia política de determinados agrupamentos sociais[...] entendendo deste modo, que os modelos assistenciais estão sempre se apoiando em uma dimensão assistenciale em uma tecnológica para expressar-se como projeto de político articulado a determinadas forças e disputas sociais, damos preferência a uma denominação de modelos tecnoassistenciais, pois achamos que deste modo estamos expondo as dimensões chaves que o compõem como projeto político.

Esse conceito permite, no dizer de Silva Júnior (1998), sistematizar concepções de um mundo diante da problemática de saúde, assim como o debate em torno da superação desta concepção ou abordagem, especialmente na materialização de ações específicas, e das formas de organização para essa tarefa.

A concepção de saúde e doença constitui-se uma dimensão de grande relevância, na determinação da estruturação do modelo tecnoassistencial que se pretende adotar. Quanto maior sua capacidade explicativa, de fenômenos que interferem no estado de saúde, melhor será sua capacidade de formular alternativas de solução.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define que a saúde é o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas ausência de doença. Essa definição evidencia a complexidade do tema, conduzindo ao necessário aprofundamento desse significado, implicando a necessidade de intervenções interdisciplinares e intersetoriais, no sentido de viabilizar condições de vida saudável.

Assim, o processo saúde-doença passa a ser entendido como um processo social que se caracteriza pelas relações dos homens com a natureza e com outros homens (através do trabalho e das relações sociais, culturais e políticas), num espaço geográfico e num determinado tempo histórico (CHIAVENATO, 1985).

A garantia à saúde extrapola a esfera das atividades clínico-assistenciais, conduzindo a necessidade de um novo paradigma que incorpora a complexidade e abrangência do processo saúdedoença. Nesse sentido, como ressalta Dever (1988), a promoção à saúde vem sendo validada como um paradigma alternativo aos enormes problemas de saúde e do sistema de saúde dos diferentes países.

Em 1986, a primeira Conferência Internacional sobre Promoção de Saúde, realizada em Ottawa, no Canadá, aprovou a Carta de intenções de Ottawa, definindo promoção da saúde como

O processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde, incluindo maior participação no controle desse processo. Para atingir um estado de completo bem-estar físico, mental e social, os indivíduos e grupos devem saber identificar aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio ambiente... Assim, a promoção á saúde não é...

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