Novo estatuto jurídico dos animais em Portugal: Direito civil e experimentação animal

AutorAndré Gonçalo Dias Pereira, Ana Elisabete Ferreira
Páginas38-53
Revista Brasileira de Direito Animal, e-issn: 2317-4552, Salvador, volume 14, numero 01, p. 38-53, Jan-Abr 2019
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André Gonçalo Dias Pereira
Diretor do Centro de Direito Biomédico; Professor da Fa-
culdade de Direito da Universidade de Coimbra; Doutor
em Direito Civil pela Universidade de Coimbra.
RESUMO: As recentes alterações introduzidas em Portugal, no plano civil e penal, pela aprova-
ção do Novo Estatuto Jurídico dos Animais – Lei n.º 8/2017, de 3 de março – seguem uma ten-
dência de alargamento da tutela. A alteração que aqui convoca a nossa reexão está prevista no
artigo 493.º-A – Indemnização em caso de lesão ou morte de animal –, em particular o n.º 3 do artigo,
onde é questionável se o legislador foi mais além na tutela da relação com o animal, do que face
àquelas a que subjaz uma relação familiar – de liação, conjugalidade ou união de facto (cf. artigo
496.º do Código Civil).
Muito embora o caminho seja no sentido do alargamento, o direito dos animais é um tema comple-
xo, não só por implicar opções fundamentais quanto à arquitetura dos sistemas jurídicos, mas,
também, porque é perpassado por relevantes discussões bioéticas, v.g., no âmbito da experimen-
tação animal, designadamente os problemas de comissões de ética para a investigação animal e
os métodos alternativos, aqui analisados.
PALAVRAS-CHAVE: direito civil; estatuto jurídico dos animais; compensação; danos não patri-
moniais; experimentação animal; comissões de ética; modelos alternativos.
ABSTRACT: The recent changes introduced in Portugal, in civil and criminal law, by the ap-
proval of the New Legal Status of Animals – Law no. 8/2017, 3 March – follow a trend towards
increasing legal protection. The introduction of Article 493.º-A in Civil Code (Compensation in case
of injury or death of animal), in particular no. 3, is the focus of our concern and we may wonder if
the legislator has gone further in the protection of a relationship with an animal than in the case
of a family relationship (see Article 496 of the Portuguese Civil Code).
Although the path is towards enlargement, animal law is a complex subject, not only because
it involves fundamental options as to the architecture of legal systems, but also because it is
permeated by relevant bioethical discussions, e.g., in the eld of animal experiment, namely the
problems of ethics committees and alternative methods, issues that are discussed in this paper.
NOVO ESTATUTO JURÍDICO DOS ANIMAIS EM PORTUGAL: DIREITO CIVIL E
EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL
New legal status of animals in portugal: civil law and research with animals
Recebido: 06.11.2018 | Aceito: 05.04.2019
Ana Elisabete Ferreira
Advogada; Investigadora do Centro de Direito Biomédico;
Docente da Escola Superior de Saúde de Viseu; Doutora
em Bioética pela Universidade Católica Portugues
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André Gonçalo Dias Pereira e Ana Elisabete Ferreira
Revista Brasileira de Direito Animal, e-issn: 2317-4552, Salvador, volume 14, numero 01, p. 38-53, Jan-Abr 2019
KEYWORDS: Civil law; legal status of animals; compensation; non-pecuniary damages; animal
experimentation; ethics commissions; alternative models.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Novo Estatuto Jurídico dos Animais; 2.1 Reexão sobre as mudan-
ças no Código Civil 3. Experimentação Animal; 3.1. Modelos alternativos; 3.2. Comissões de Ética
Animal; 4. Conclusão – 5. Notas de referência.
1 Introdução1
As recentes alterações introduzidas em Portugal, no plano civil e penal, pela aprova-
ção do Novo Estatuto Jurídico dos Animais – Lei n.º 08/2017, de 03 de Março –, seguem uma
tendência de alargamento da tutela2, feita sobretudo ao nível da legislação ordinária, mas,
em alguns países, complementarmente, também ao nível constitucional – como é o caso da
Alemanha, do Brasil e da Suíça3.
Também ao nível do Direito da União Europeia, a tendência de alargamento da tu-
tela tem-se revelado bastante consistente, destacando-se, desde a vigência do Tratado de
Lisboa, o artigo 13.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), no qual
se consagra que “(...), a União e os Estados-Membros terão plenamente em conta as exigências em
matéria de bem-estar dos animais, enquanto seres sensíveis (...)”
Em Portugal, com a aprovação da Lei n.º 8/2017, de 3 de março, reconhece-se aos
animais a natureza de seres vivos dotados de sensibilidade, procedendo-se em conformidade
a alterações relevantes do Código Civil quer no que respeita à separação entre os animais
e as Coisas, à diferente conceção da propriedade do animal, a regras que visam proteger
o bem-estar animal em caso de divórcio, mas também a alterações do Código de Processo
Civil – consagrando-se que “os animais de companhia são absolutamente impenhoráveis”, pro-
movendo-se ainda alterações ao Código Penal
Como facilmente se depreende, muito embora o caminho seja no sentido do alarga-
mento da tutela, o direito dos animais é um tema complexo, não só por implicar opções funda-
mentais quanto à arquitetura dos sistemas jurídicos, mas, também, porque é perpassado por
relevantes discussões bioéticas, v.g., no âmbito da experimentação animal, razão pela qual,
na segunda parte deste artigo, teceremos também algumas considerações a este respeito.
2 Novo estatuto jurídico dos animais
A aprovação do Novo Estatuto Jurídico dos Animais provocou, em consonância, uma
série de alterações na legislação civil e penal4. Com efeito, e desde logo, destaca-se a altera-
ção ao artigo 1302.º do CC que, sob a epígrafe objeto do direito de propriedade, passa a conter
um novo n.º 2, segundo o qual “podem ainda ser objeto do direito de propriedade os animais, nos
termos regulados neste código e em legislação especial”.
Por via desta mudança, alguns artigos do Livro III (Direito das Coisas) do Código
Civil foram adaptados, nomeadamente o artigo 1318.º - suscetibilidade de ocupação -, o artigo
1323.º - animais e coisas móveis perdidas; e um outro foi aditado, o artigo 1305.º-A – propriedade

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