O Novo CPC, a participação ativa dos sujeitos processuais e a cooperação para enfrentamento das matérias de ordem pública

AutorFernando Rubin
Ocupação do AutorAdvogado sócio do Escritório de Direito Social, especializado em saúde do trabalhador. Bacharel em Direito pela UFRGS, com a distinção da Láurea Acadêmica
Páginas89-99

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Saliente, do texto do Novo CPC, a preocupação constante com o diálogo entre os sujeitos do processo, sempre em posição de igualdade, a fim de ser encaminhada melhor prestação jurisdicional.

Ao lado da liberdade dada às partes no sugerimento de amoldamento do procedimento, deve ser salientado o incentivo à perene colaboração dos litigantes com o Estado-juiz para resolução de incidentes, como a superação de matérias de ordem pública (v. g., as antigamente denominadas "condições da ação" e as tormentosas nulidades ou invalidades) - sendo certo que a partir da Lei n. 13.105/2015 não é dado ao Juízo direito de decidir questão que não tenha sido dado às partes o direito de se manifestar tempestivamente.

Voltamos aqui, sem dúvida, a tangenciar os conceitos iniciais do novo sistema, estabelecidos na parte principiológica, especialmente nos arts. 5º, 6º, 9º e 10, em que são sustentadas as máximas de que todos os sujeitos devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva; e de que não será proferida decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.

Embora a concepção de colaboração lançada na parte principiológica do Codex seja bastante ampla (cooperação entre todos os sujeitos atuantes no feito) - o que mais condiz com a linha de raciocínio adotada por Fredie Didier Jr.325, temos como suficiente e mais exigível aquela que mencionamos no penúltimo parágrafo, qual seja, a colaboração de cada um dos litigantes para com o Estado-juiz - o que mais condiz com a linha de raciocínio adotada por Daniel Mitidiero326.

Seja como for, conforme bem relatam Lucas Buril e Ravi Peixoto, temos no processo cooperativo, defendido pelo Novo CPC, um avanço diante dos pretéritos modelos dispositivo e inquisitivo: enquanto no modelo adversarial há uma predominância da atividade dos sujeitos parciais com um magistrado

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passivo, no modelo inquisitorial, temos a presença mais forte do magistrado conduzindo o procedimento de forma ativa, intervindo mesmo ex officio na atuação probatória das partes; no entanto, percebe-se que em nenhum dos modelos tem-se a efetiva valorização do diálogo, havendo sempre a prevalência da condução do processo por um dos atores, como se não fosse possível a atuação conjunta, colaborativa, dos sujeitos do processo327.

Pedido de reconsideração e matérias de ordem pública. Uma das importantes formas de colaboração das partes para com o magistrado refere-se ao protocolo do pedido de reconsideração, que segue sendo figura não prevista expressamente no Novo CPC.

Limitando-nos a debater a problemática da reconsideração de uma decisão judicial impulsionada por um pedido da parte (dita prejudicada), pensamos que milita a favor da inviabilidade deste "pedido de reconsideração" o princípio da taxatividade recursal (que não admite a criação de qualquer espécie de recurso se a mesma não foi desenvolvida por força de lei federal) e a vedação da utilização de sucedâneos recursais (pregador da exclusiva utilização do recurso próprio, previsto em lei, para atacar o ato judicial)328.

Há de se ter presente que o recurso típico previsto para desafiar uma decisão interlocutória (o agravo de instrumento, pelo texto do Novo CPC) prevê a possibilidade de retratação do julgador, daí por que é necessário comunicar a origem do manejo da irresignação à instância superior (a não ser que os autos sejam eletrônicos, art. 1.018, § 2º) - sendo certo que se inexistisse essa oportunidade de retratação prevista em lei, não se discutiria sobre a viabilidade de interposição de mero pedido de reconsideração, ao passo que o juiz estaria impedido de alterar a sua decisão, mesmo que mantivesse a função jurisdicional em direção à prolação de decisão final329.

Ainda, falando em oportunidades tipificadas pelo ordenamento processual para a hipótese de decisão interlocutória gravosa, há possibilidade de a parte, em tese, poder optar pelos embargos de declaração, com efeitos infringentes, desde que atendidos os requisitos legais contemplados - os quais, de acordo com a posição firme do Superior Tribunal de Justiça, têm a importância prática de, além de viabilizar a reconsideração pelo julgador, vir a interromper o prazo para a interposição de outros recursos, por quaisquer das partes330.

No entanto, fazendo o causídico opção pelo "pedido de reconsideração", e não pelo agravo de instrumento ou até pelos embargos de declaração (repise-se: recursos previstos na novel legislação processual para desafiar decisão incidental gravosa à parte), pensamos que poderia ser apreciada pelo julgador a irresignação desde que apresentado o pedido dentro do limite do prazo do recurso tipificado em lei e desde que pudesse aquele fazer as vias deste - mantendo o prolator da decisão gravosa a função jurisdicional, e não estando excluída pelo ordenamento a possibilidade de reexame por ele.

Se é fato corriqueiro no meio forense a utilização do instituto da reconsideração de maneira indiscriminada, apesar de inexistir previsão no nosso Código de Ritos sobre o assunto, na nossa concepção, como posto em destaque acima, não seria, pois, em qualquer ocasião, admitido o pedido de reconsideração.

Visando a parte autora a ver rapidamente suprido um mau encaminhamento pelo julgador em sede de decisão interlocutória, é comum na prática forense a apresentação de pedido de reconsideração, e não de recurso típico devido - em geral, o agravo de instrumento, com todas as suas formalidades (inclusive

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preparo), a ser julgado por órgão jurisdicional diverso. Daí, entendemos, possa criteriosamente se dar vazão a esse espontâneo encaminhamento processual, figurando-se a questão temporal de substancial relevo, já que pedido fora do âmbito temporal dos recursos não poderia ser acolhido, em face do fenômeno preclusivo.

Nesse sentir, não se optando pelos recursos previstos no sistema processual, aconselhável então a apresentação do pedido de reconsideração dentro do prazo legal do recurso típico mais exíguo, qual seja, os embargos de declaração, a fim de que, sem maiores discussões, seja suprida a exigência formal e consequentemente possa ser reapreciada a matéria pelo magistrado - o qual, mesmo admitindo a teoria da fungibilidade recursal, poderia supostamente, ao analisar o pedido de reconsideração, alegar que o caso seria de interposição de declaratórios com efeitos infringentes (prazo de cinco dias úteis), e não de agravo de instrumento (prazo de quinze dias úteis pelo novo sistema adjetivo), cogitando-se da intempestividade do pedido apresentado em prazo superior a cinco dias úteis da publicação oficial da decisão interlocutória gravosa.

Nesse diapasão, entendemos, de uma maneira geral, que não cabe pedido de reconsideração se a decisão interlocutória for de menor complexidade e envolver mero interesse das partes, a ponto de não desafiar imediato recurso de agravo de instrumento (portanto: antigo cenário de utilização do agravo retido, no Código Buzaid), como nas hipóteses de exame, pelo Novo CPC, de incompetência relativa ou impugnação ao valor da causa. 331

A partir de tais ponderações e levando em consideração a estudada parte principiológica do Novo CPC, temos como exagerado o posicionamento de que o pedido de reconsideração, independentemente do momento temporal em que apresentado, não deveria ser apreciado pelo juiz, como sustentam historicamente, dentre outros, Antônio Vital Ramos de Vasconcelos332 e João Batista Lopes333.

Ora, desse modo, estar-se-ia privilegiando o tão combatido formalismo exacerbado indiferente às finalidades a que se propõe o atípico pedido, embora importante ser ressaltado que essa medida não suspende e nem interrompe o prazo para interposição de outros recursos típicos334.

Mesmo assim, devemos ressalvar, não é de todo incoerente a clássica posição doutrinária contrária ao nosso pensar, já que são inúmeros os recursos típicos previstos no ordenamento processual e o acolhimento de mais esse instrumento estaria, a princípio, na contramão da contemporânea exigência de um procedimento mais claro, simplificado, célere e eficiente. Aliás, um dos pontos centrais do Novo CPC, como vimos, é justamente a simplificação recursal, com a diminuição de incidentes capazes de retardar em demasia a preclusão final das decisões, interlocutórias ou final.

Por outro lado, mais ao encontro das nossas expectativas, poderia muito bem ser alegado que o pedido de reconsideração seria utilizado para viabilizar ao julgador justamente uma resposta mais rápida, desburocratizada e definitiva sobre o caso, como quer o Novo CPC, já que não mais teria a parte o direito de buscar outra via recursal para modificação da matéria incidental resolvida e, por isso, seria utilizado

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por ela nos casos em que entende ser flagrante a viabilidade de o mesmo magistrado retificar seu anterior posicionamento335.

Finquemos, então, posição pela viabilidade do atípico pedido de reconsideração, apresentado tempestivamente como sucedâneo recursal. Mas, levando em conta os fundamentos contrários à utilização do pedido de reconsideração, acreditamos que na hipótese de ser manejado totalmente fora do prazo previsto para o recurso típico, e ainda tivesse caráter manifestamente protelatório, poderia sim, como sustenta José Rogério Cruz e Tucci, representar "comportamento dilatório" inapropriado, com a viabilidade de o julgador, mantendo a decisão atacada, vir ainda a condenar a parte irresignada com a penalidade de litigância de má-fé (ponto central do nosso próximo capítulo)336.

Tais razões demonstram a rara utilidade do pedido de reconsideração, recomendando-se, como aludem Sérgio Porto e Daniel Ustárroz, "todo cuidado em seu manejo, especialmente com o fito de não ser ultrapassado o prazo para a interposição do recurso corretamente previsto em lei"337.

Já em se tratando de matérias de ordem pública enfrentadas em decisão judicial, há mais certezas quanto à viabilidade do pedido de reconsideração. É que nesse...

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