O Novo CPC nos Juizados Especiais e na Justiça do Trabalho

AutorFernando Rubin
Ocupação do AutorAdvogado sócio do Escritório de Direito Social, especializado em saúde do trabalhador. Bacharel em Direito pela UFRGS, com a distinção da Láurea Acadêmica
Páginas163-169

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Aplicação subsidiária do Novo CPC - disposições gerais. Soa evidente que um diploma com suficiente tempo de maturação e debate, em ambiente técnico, democrático e, acima de tudo, contemporâneo, como foi o Novo CPC, deve ser aplicado supletivamente aos demais ritos, salvo situações pontuais que desvirtuem o já estabelecido sistema adjetivo específico, em que se estuda a aplicação subsidiária das disposições de procedimento comum611.

Daí por que, a partir dos comandos contidos nos arts. 13/15 da Lei n. 13.105/2015, vem sendo admitido, em linhas gerais, a aplicação do Novo CPC nos processos eleitorais, trabalhistas, administrativos e tributários. É sabido que a aplicação subsidiária não é novidade no sistema jurídico pátrio, a exemplo da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro em seu art. 4º612, bem como do CPC/1973 em seu art. 126613. No entanto, a inserção expressa da aplicação supletiva determina mais do que a mera complementação de sentido, mas uma verdadeira integração, complementação e, ainda, subordinação destas outras áreas do direito aos princípios informadores do Novo CPC614.

A respeito do rito sumariíssimo, dos juizados especiais, da mesma forma a aplicação subsidiária e supletiva se faz necessária, ainda de forma mais cabal, já que a originária Lei n. 9.099/1995 foi criada a partir da própria disciplina do CPC/1973, para causas de menor potencial econômico615.

Como já chegamos a antecipar, ao longo do desenvolvimento da obra, sendo o rito sumariíssimo voltado para a concretização do macroprincípio da efetividade, por certo, muitas disposições tendentes

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a incrementar a segurança jurídica podem não ser acomodadas de forma tão natural, como é a hipótese da concessão de prazos dilatórios na fase instrutória e o incentivo a uma maior flexibilidade e dinamismo procedimental pela via, por exemplo, dos acordos de procedimento.

Tais medidas estruturais, promovidas pelo Novo CPC para o procedimento comum, tendem a dar maior espaço para a atuação das partes, e por consequência dos seus procuradores, autorizando que por maior lapso temporal se desenrole a lide, em local (rectius: iter procedimental) propício para uma ampla busca da veracidade dos fatos e solução da problemática fático-probatória, objeto de controvérsia.

Por outro lado, a disciplina principiológica do Codex seria fundamental que fosse respeitada, aqui especialmente a lógica do contraditório prévio e o da fundamentação completa das decisões judiciais. Tais elementos, como já estudados na obra, integram a essência do devido processo legal, e, portanto, fazem parte dos direitos processuais fundamentais das partes, com arrimo constitucional, forte especialmente no art. 5º, LIV, c/c art. 93, IX, da CF/1988616. Relativizar tais funções no rito sumariíssimo significa autorizar a ilação de que é facultativo desrespeitar as garantias processo-constitucionais nos Juizados Especiais, o que é inaceitável.

O princípio da não surpresa e a exigência de sentenças fundamentadas de maneira exemplar, estamos convictos, nada contradizem o espírito da legislação dos juizados especiais, a não ser que admitamos que por razões de natureza econômica se tolere um processo de segunda classe, o que além de imoral é inconstitucional.

Já tivemos a oportunidade de formular que, tramitando a demanda no Juizado Especial, necessário observar que tais demandas, embora propícias à efetividade da prestação jurisdicional, não podem, sob qualquer pretexto, deixar de garantir aos litigantes a mínima observação do devido processo legal. O processo nos juizados especiais, sejamos mais diretos, não pode se transformar em uma lide de segunda classe - mesmo que admitamos que possa o jurisdicionado ter optado por este rito menos complexo, como hoje se admite no JEC. O fator estritamente econômico não pode incutir na mente dos operadores do direito que a solução dessas demandas exigem respeito à duração razoável do processo, mesmo que sem o respaldo do devido processo legal e a preocupação com a qualidade da decisão de mérito proferida617.

O Novo CPC, assim, vem em boa hora, exigindo o contraditório prévio e a fundamentação das decisões, sendo já por aí explicada a ausência de legitimidade que vem sendo verificada no rito sumariíssimo, a partir do momento em que se entende que as decisões não precisariam ter fundamentação completa e mesmo que a ausência de contraditório efetivo ente as partes litigantes não seria fator de grave nulidade procedimental. Colocamo-nos, portanto, absolutamente contra essas relativizações de rito, que acabam sim comprometendo o aproveitamento adequado da prestação jurisdicional nos Juizados618.

Com relação à sistemática de prazos, entendemos como viável a contagem em dias úteis, o que em um primeiro momento de vigência do Novo CPC vinha sendo empregado no rito sumariíssimo619. No entanto, ao menos a partir de meados de 2016, iniciou-se movimento mais forte em sentido contrário, a fim de que os prazos de processos que correm nos juizados especiais cíveis e nos juizados da Fazenda Pública passassem a ser contados em dias corridos; isso é o que determinaram o Enunciado Cível n. 165 e o Enunciado da

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Fazenda Pública n. 13, aprovados em junho no 39º Encontro do Fórum Nacional de Juizados Especiais (Fonaje). Também foi estabelecido que, nos JECs, o juízo prévio de admissibilidade do recurso será feito em primeiro grau - o entendimento foi consolidado no Enunciado Cível n. 166620.

Por outro lado, a suspensão de prazos fixados no período de recesso forense, de 20 de dezembro a 20 de janeiro, inclusive, deve ser respeitado tanto no rito comum como no rito sumariíssimo, não havendo razões aqui para distinções621.

Voltando à polêmica dos prazos em dias úteis, mais recentemente tivemos acesso à excelente decisão, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo622, que tratou de aplicar o art. 219 do Novo CPC no rito sumariíssimo, em atenção aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, sem que tal medida gere prejuízo direto à celeridade da marcha processual623. Estamos amplamente de acordo com tal manifestação judicial, que não nega a ratio da efetividade que permeia o rito sumariíssimo, mas felizmente reconhece também a presença do macroprincípio da segurança jurídica nos juizados especiais, a ponto de determinar a preservação de alguns avanços processuais (como são os prazos em dias úteis) relacionados proximamente com o due process of law.

Outros cenários viáveis. É de se reconhecer a aplicação do Codex no que toca à redução dos formalismos excessivos, de acordo com o comando geral do art. 932, parágrafo único. Nesse mesmo diapasão, o princípio da primazia do mérito relaciona-se a qualquer rito, devendo ser aplicado o art. 139, IX, nos Juizados. Ainda relacionado: os comandos de efetivação das decisões judiciais são bem-vindos nos Juizados, sendo respeitados os comandos contidos nos arts. 297 c/c 139, IV, do Novo CPC.

Os avanços feitos pelo Codex com relação às tutelas provisórias, de urgência e evidência (art. 294 e ss.), por certo podem ser adaptadas ao microssistema dos Juizados Especiais, mesmo porque amplamente de acordo com o macroprincípio da efetividade, que orienta o rito sumariíssimo624.

Embora não prevista expressamente nas leis que regulamentam os juizados especiais (Leis ns. 9.099/1995, 10.259/2001, 12.153/2009), a mediação deve fazer parte da estrutura para a autocomposição dos conflitos levados aos juizados625; nos juizados especiais, também é possível a realização de negócio processual, desde que respeitados os princípios informadores dos juizados e o controle judicial previsto no parágrafo único do art. 190 do CPC/2015626.

As inovações na linha de formação dos precedentes também precisam ser estudadas e ajustadas à luz dos Juizados, já que por certo há necessidade de segurança e previsibilidade também no rito sumariíssimo627.

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Em especial, a tramitação de demandas repetitivas precisam seguir as regras do Codex, sendo respeitada nesse particular a hierarquia prevalente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) perante a Turma Nacional de Uniformização (TNU)628.

Com relação às novidades executivas, da mesma forma devem ser aplicadas, embora com ressalvas, de acordo, por exemplo, com o Enunciado n. 97 do Fórum Nacional de Juízes Estaduais (FONAJE): a multa prevista no art. 523, § 1º, do CPC/2015 aplica-se aos Juizados Especiais Cíveis, ainda que o valor desta, somado ao da execução, ultrapasse o limite de alçada; a segunda parte do referido dispositivo não é aplicável, sendo, portanto, indevidos honorários advocatícios de dez por cento629.

Por fim, há de se dizer que o Codex é expresso ao regulamentar que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica aplica-se aos juizados (art. 1.062), como também que os embargos de declaração, tanto no rito comum como no sumariíssimo, tratam de interromper o prazo para interposição de outros recursos (art. 1.065).

São esses os grandes dispositivos do Codex que fazem menção ao rito sumariíssimo, o que deixa claro - façamos questão de repisar - que o Novo CPC trata do procedimento comum, deixando em aberto o exame da compatibilidade dos seus institutos com os Juizados...

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