Um novo estímulo à negociação coletiva: Súmula n. 277

AutorMauricio Pereira Simões
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho no TRT-SP. Professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de Mogi das Cruzes
Páginas78-89

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1. Introdução

Primordial no atual estágio da teoria geral de direito é entender as fontes emergentes de normas jurídicas. Não se pode minimizar o assunto e tornar a lei, entendida aquela aprovada pelo Poder competente e vigente, como única fonte formal de direito.

Basicamente existem três linhas filosóficas de teoria geral que explicam a origem das normas jurídicas: o positivismo, o direito natural e o realismo jurídico. Em rápidas linhas podemos entender que o positivismo é direito posto de forma escrita, enquanto o direito natural decorre de um sistema de referência universal, e o realismo jurídico é a decodificação de normas feitas pelos tribunais, especial-mente os superiores, numa lógica em que a lei escrita e natural tenham um signo e o realismo desvende o signo entregando o resultado dessa formulação.

Assim, se o leitor partir do pressuposto de que a teoria geral é prevista única e exclusivamente pelas leis escritas, o presente ensaio já pode acabar por aqui, pois o pressuposto será outro, de que certos direitos decorrem naturalmente de um senso coletivo de base legítima daquilo que a sociedade considera normal e que acaba se transformando em lei escrita a qual será decodificada pelos tribunais, em uma leitura final e atual do que seja a norma.

Pode parecer inovador, mas já se fala disso há décadas, com o Professor Eduardo Garcia Maynes, em Filosofia del Derecho - México 1974, Editorial Porrúa, e pelo livro do ilustre Professor da Faculdade de Direito da USP, Goffredo Telles Junior, O Direito Quântico - Editora Max Limonad, 1980. Mais atualmente o livro O Capitalismo Humanista, dos professores Ricardo Hasson Sayeg e Wagner Balera, da Editora KBR - Petrópolis, 2011,buscou um entrelaçamento ainda mais ousado no que tange a tais linhas filosóficas, declarando-as consubstanciais, ou seja, todas atuando ao mesmo tempo na construção de uma teoria geral de direito.

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Este ensaio procurará demonstrar como a lei, a doutrina e a jurisprudência convergem para um senso comum de direitos fundamentais que buscam implementar a dignidade de pessoa humana, como patamar de princípio fundamental constitucional, como se lê do art. 1º, III, da Constituição Federal.

Ao final veremos qual o resultado dessa mescla. Nenhum ensaio, artigo, livro, pode deixar de expor ao seu leitor qual a base de raciocínio utilizada na formulação das propostas apresentadas, sob pena de cair no descrédito do leitor, uma vez que a análise da credibilidade do pensamento passa pelo conhecimento do caminho a ser percorrido. Por isso a convicção de que ao final, havendo ou não concordância com o resultado, o leitor terá a certeza da origem do pensamento e o caminho percorrido pelo autor.

2. Natureza das normas coletivas

Durante o amadurecimento dos estudos sobre a natureza das normas coletivas muito se debateu acerca de suas naturezas possíveis, a natureza de contrato e a natureza de lei.

Para alguns se trata de contrato em razão da limitação em sua criação, em regra são as partes envolvidas que formulam referidas normas, aqui entendido o ente coletivo representativo, e servem a reger relações em circunstâncias determinadas, por isso parece um contrato, pois expressa uma vontade entre particulares que, se utilizando da autonomia da vontade, criam algo novo para reger suas relações.

De outro lado, alguns entendem que se trata de lei, em decorrência do alcance das normas que extrapolam os entes convenentes para atingir toda a categoria profissional representada e as categorias econômicas signatárias ou representadas coletivamente (a ressalva se dá em razão da diferença entre acordo coletivo e convenção coletiva).

Em verdade não se trata exatamente de uma coisa nem outra, em razão dos efeitos ultrapartes que se extraem desse tipo de norma, pois o sindicato dos trabalhadores negocia e forma a norma a partir de um consenso com o sindicato das empresas ou estas diretamente, e a observância dos desígnios será para além das partes signatárias, pois envolve empregados e empregadores, ou seja, para além das partes que assinaram o termo, por isso ultrapartes.

Assim também entende o Ilustre Professor Renato Rua de Almeida, como se lê do artigo publicado na Revista LTr em 1996 intitulado de "Das Cláusulas Normativas das Convenções Coletivas de Trabalho: Conceito, Eficácia e Incorporação nos Contratos Individuais de Trabalho" - vol. 60, n. 12, dez. 1996, fl. 1.602 - como se vê nas seguintes passagens:

O direito positivo brasileiro adota a eficácia geral, ao prescrever no art. 611 da Consolidação das Leis do Trabalho que a convenção coletiva de trabalho é um acordo de caráter normativo, ... (grifo acrescido)

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... Seu alcance só é inferior ao da lei, que abrange o universo das empresas e dos trabalhadores. (grifo acrescido)

Veja como se mesclam a natureza de lei, quando fala em caráter geral, e de contrato, quando fala de alcance inferior à lei. Referido professor é uma das maiores autoridades no Brasil no que diz respeito a direito coletivo, por esta razão sua posição reflete o que se tem de mais autorizado no assunto.

Há, inclusive, quem sustente a posição de lei delegada, resquício do tempo em que a autoridade sindical sofria interferência extrema do Estado, sendo a representação sindical nomeada após a expedição da carta sindical, e as normas dependiam de análise controlada pelo Estado, numa espécie mesmo de delegação estatal, mas que parece superada pela Constituição de 1988 e a ideia de representação semicorporativista que se instalou com a nova ordem.

A Recomendação n. 91 da Organização Internacional do Trabalho, em seu art. 2º busca uma definição dessa natureza, mas parece não concluir claramente.

Carnelutti ponderou com maestria essa dicotomia ao dizer que norma coletiva tem natureza de contrato, mas corpo de lei.

Assim, parece se tratar mesmo de um acordo de natureza normativa, pois elaborado pelas partes, mas tendo como destinatário os trabalhadores e empregadores insertos no âmbito de aplicação dos sindicatos convenentes.

Aqui um primeiro "insight", pois se fosse puramente contrato, nos termos individuais do termo, já teríamos a aderência de suas cláusulas aos contratos individuais, como condição mais benéfica ou norma mais benéfica, elemento típico de direito individual. Se fosse lei, a mesma coisa ocorreria, até que fosse revogada tácita ou expressamente, pois em regra as leis são de observância obrigatória e de tempo indeterminado. Mas devemos lembrar que não se trata de critérios de direitos individuais, mas sim coletivos.

Contudo, em sendo uma cláusula normativa, trata-se de manifestação demo-crática de vontade, a ter sua eficácia desvendada por outra linha de análise, não simplesmente lei, não simplesmente contrato. Assim, parece se enquadrar em método de solução de conflitos, na vertente autocomposição, ato-regra, o que renova seu claro caráter democrático.

3. Limitação temporal das cláusulas coletivas

O tema da limitação temporal das cláusulas coletivas é altamente controvertido no Brasil e no mundo, tendo cada local adotado uma teoria diversa.

Três correntes são descritas pela doutrina quanto à ideia de limitação temporal das cláusulas coletivas: a primeira tratando da aderência irrestrita; a segunda da aderência temporal; e a terceira da aderência por revogação.

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A primeira trata da aderência irrestrita. Para essa linha todo e qualquer direito criado a partir da autocomposição coletiva adere aos...

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