O Novo Código de Processo Civil e a Teoria da Causa Madura: uma Mudança de Paradigma em Busca da Efetividade do Direito Material no Âmbito do Processo do Trabalho

AutorBen-Hur Silveira Claus
Ocupação do AutorCoordenador
Páginas77-106

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Ver Nota1

O legislador estabelece o Direito primário e originário; porém o Direito vivo é um resultado da exegese, mormente em sua feição jurisdicional. Em outras palavras, o Direito legislado afigura-se como uma rede de coordenadas, na qual deve operar o intérprete, perscrutando caminhos e desvendando riquezas, especialmente as ocultas sob a superfície. O texto exige ir além do texto.

Juarez Freitas

1. Introdução

Estamos diante de um novo paradigma no que diz respeito ao processo civil e, por consequência (ex vi art. 769 da CLT e art. 3a, XXVIII, da Instrução

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Normativa n. 39/2016 do E. TST), do processo do trabalho. Vê-se que o legislador, em decorrência da necessidade de efetivação do direito material e em contrapartida ao que vinha sendo defendido pela doutrina processualista até então, deixou de lado o processo como procedimento autónomo, para dar prioridade aos meios de consecução do direito. O princípio da colaboração entre os atores do processo, elencado expressamente na exposição de motivos do atual Código de Processo Civil, tem este objetivo bem claro.

Algumas alterações se destacam e, dentre as que interessam direta-mente ao andamento do processo do trabalho e à função jurisdicional do juiz do trabalho, de primeiro e segundo graus, está o disposto no art. 1.013 do Novo CPC (à luz do anterior art. 515 do CPC de 1973), o qual fixa os efeitos do recurso da apelação (para nós, do recurso ordinário, disposto no art. 893, II, da CLT). Segundo o art. 1.013, o tribunal, ao apreciar o recurso, tem o dever de decidir desde logo o mérito nas hipóteses ali elencadas, quais sejam, quando reformar a sentença que extinguir o processo sem resolução de mérito, quando declarar nulidade da sentença extra ou ultra Tpetita, quando constatar omissão no exame de um dos pedidos (sentença citra petita) ou quando declarar a nulidade da sentença por falta de fundamentação, podendo, ainda, julgar o mérito nos casos em que a sentença reconhecer a decadência ou prescrição, sem determinar o retorno dos autos ao juízo de primeiro grau.

Tal medida, contudo, ainda não se incorporou à processualística do trabalho, sobretudo no âmbito do segundo grau de jurisdição, em que vemos diversas decisões díspares quanto ao reconhecimento de validade e eficácia da norma legal expressa ora em estudo. Nesse sentido, em muitos julgados, como se verá adiante, reconhece-se a aplicabilidade do disposto no art. 1.013, mas em outros a matéria sequer é abordada, mantendo-se o protocolo regular, com justificativa constitucional já ultrapassada, de decisões que determinam o retorno do processo ao juízo de primeiro grau para novo julgamento de mérito.

A fundamentação para a não aplicação do art. 1.013 do CPC no âmbito do segundo grau de jurisdição permanece a mesma: a desobediência ao duplo grau de jurisdição e, em decorrência, a supressão de instância. Dessa forma, a análise da matéria perpassa pela necessária infusão ao conceito de tal princípio e sua importância processual e material, relativizada em relação ao princípio da razoável duração do processo (art. 5a, LXXVIII, da Constituição Federal) e seus correlatos (tempestividade e celeridade), como meios de realização do direito material, o que é o objetivo deste estudo.

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2. O devido processo legal A razoável duração do processo, a tempestividade e a celeridade como garantias fundamentais a uma ordem jurídica justa

O devido processo legal é consectário da experiência constitucional americana (áue process of law) e que remonta à longínqua Magna Carta de 1215. Não há ordem jurídica justa sem devido processo legal, tido como aquele em que seja assegurado o tratamento isonômico, em um contraditório equilibrado e em que se busque um resultado efetivo, adaptado aos princípios e postulados da instrumentalidade do processo (CÂMARA, 2009, p. 40). Ou seja, que não se consubstancia como uma garantia de índole exclusivamente processual (proceâural áue process of law), a qual trata da garantia de acesso à justiça, mas também de direito material (substantive due process of law), já que não mais se reconhece o processo como um fim em si mesmo, mas meio para a realização efetiva do direito material — vida-liberdade-propriedade (CANOTILHO, 2015, p. 493).

Para Canotilho (2015, p. 495), o processo devido em direito (expressão do autor) não apenas significa a obrigatoriedade da observância de um tipo de processo legalmente previsto antes de alguém ser privado da vida, da liberdade e da propriedade, mas também o processo justo de criação legal de normas jurídicas, sobretudo das normas restritivas das liberdades dos cidadãos, pressupondo que processo legalmente previsto obedeça aos trâmites procedimentais formalmente estabelecidos na Constituição ou plasmados em regras regimentais das assembleias legislativas. Logo,

[...] o direito segundo um processo justo pressupõe que justo seja o procedimento de criação legal dos mesmos processos, asseverando ainda que "o áue process é a efetiva proteção alargada de direitos fundamentais, quer nas dimensões processuais, quer nas dimensões substantivas". (CANOTILHO, 2015, p. 497)

Entende o autor, ainda, que é parte indelével do áue process o núcleo essencial da garantia institucional da via judiciária, que se correlaciona com o dever de uma garantia jurisdicional de justiça a cargo do Estado, dever este que não resulta apenas do texto da constituição, mas de um princípio geral que impõe um dever de proteção por meio dos tribunais, como consequência do monopólio da coação, exercida pelo Estado; do dever de manter a paz jurídica; da proibição da autodefesa, salvo em hipóteses excepcionais. Já o direito de acesso aos tribunais implica direito a uma decisão final incidente sobre o fundo da causa (mérito) sempre que tenham sido cumpridos e observados os requisitos processuais da ação ou recurso, ou seja, o direito de

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obter uma decisão fundada no próprio direito, com emissão de juízo sobre o mérito da pretensão formulada, e este juízo meritório não pode ser suprimido por conta de exigência de pressupostos processuais desnecessários, não adequados e desproporcionais (CANOTILHO, 2015, p. 497-499).

Logo, as próprias regras processuais devem ser adequadas a proporcionar uma efetiva resolução do mérito e não simplesmente a solução do processo, o que de nada adianta à proteção do bem da vida tutelado.

Segundo Alexandre de Freitas Câmara (2009, p. 38-39), "a preocupação do processualista deve ser descobrir meios capazes de garantir uma prestação jurisdicional capaz de satisfazer o titular das posições jurídicas de vantagem que busca, no Judiciário, abrigo para suas lamentações e pretensões". Nesse sentido, como meios de efetivação do devido processo legal alguns pontos se destacam, como a reforma do Poder Judiciário, para adequá-lo às exigências de um moderno Estado Democrático de Direito, a garantia de informalidade dos procedimentos em juízo, bem como a valoração dos meios paraestatais de resolução de conflitos, como a mediação.

Corolários do devido processo legal são todos os demais princípios de cunho processual, como a razoável duração do processo, a isonomia, a celeridade e a tempestividade. O que se assegura é a construção de um sistema processual em que não haja dilações indevidas, uma vez que o processo não deve demorar mais do que o estritamente necessário para que se possam alcançar os resultados justos visados por força da garantia do devido processo, mas o tempo necessário para que tal resultado possa ser alcançado (CÂMARA, 2009, p. 58).

Ou seja, a proteção jurídica dos tribunais implica garantia de uma proteção "eficaz e temporalmente adequada", de sorte que o controle judicial deve viabilizar, ao postulante da proteção jurídica, a possibilidade de, em tempo útil (adequado), obter uma decisão com eficácia executória definitiva.

Durante mais de um século, e com a defesa da doutrina processualista civil dominante, sobretudo italiana (com destaque para Chiovenda), a demora processual era tratada como algo acidental e decorrente do processo, não tendo maior importância. Nesse sentido, Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2016, p. 221) destacam que:

Quando o direito processual, contudo, é reduzido a uma esfera exclusivamente técnica, e assim é desligado da sua relação com a vida social, o tempo acaba não tendo importância. Acontece que não há como deixar de questionar a real capacidade de o processo

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atender às necessidades dos jurisdicionados e, para tanto, além de problemas como o do custo, importa o significado que o tempo aí assume, em especial como o tempo repercute sobre a efetiva proteção do direito material.

Para os autores, ainda, citando a doutrina italiana, se verifica que a morosidade do processo atinge de modo muito mais acentuado aqueles que têm menos recursos, considerando que:

[...] quando o autor não depende economicamente do valor em litígio, ele obviamente não é afetado como aquele que tem o seu projeto de vida, ou o seu desenvolvimento empresarial, vinculado à obtenção dobem ou do capital objeto do processo. (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2016, p. 222)

Esse dano causado pela morosidade, no âmbito da Justiça do Trabalho e...

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