O novo capitalismo: influência na sociedade do trabalho atual

AutorMaria do Perpétuo Socorro Wanderley de Castro
Ocupação do AutorProfessora
Páginas99-126

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5.1. A sociedade pós industrial e pós-moderna

O capitalismo construiu uma forma de sociedade para atender aos seus fins. Com a mais recente crise do capital, que é geralmente situada a partir de 1970 e que atingiu os países centrais, com repercussão nos países emergentes, pois, de alguma forma, Norte e Sul se ressentiram dela, tornou-se imperiosa uma reestruturação surgindo a questão sobre o modo em que ela se faria.

As vitórias políticas de Margaret Thatcher na Inglaterra e Ronald Reagan nos Estados Unidos reestruturaram o mercado, com embasamento no pensamento único neoliberal, promovendo o deslocamento do Estado de centro da sociedade e da grande narrativa da modernidade, para buscar estabelecer o mercado como novo centro da sociedade. Nessa linha, propalou-se não ser conveniente para a reprodução do capitalismo que o Estado investisse recursos na promoção de políticas públicas e planejamento da economia: a ausência do Estado, nas relações de produção, tornou-se um dos elementos mais fortes para a nova dinâmica do capita-lismo, cuja permanência refaz e configura as relações sociais, segundo um modelo econômico que é destinado à implementação e fortalecimento de uma conjuntura de acumulação capitalista. A cada crise, o capitalismo propõe uma revisão das relações sociais, como acontece agora, quando retoma procedimentos anteriores que aprofundam a oposição entre capital e trabalho.

No mundo do trabalho, o modelo desenhado na globalização econômica e revolução tecnológica dá lugar a empresas virtuais, determina processos de fusão e

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aquisição de empresas, e instaura uma concentração que tende ao estabelecimento do mercado único, com o que, ao mesmo tempo, acarreta a transformação do modo da prestação de serviços e do seu local.

Nesse movimento, a literatura pertinente aponta a ocorrência de um colapso das identidades modernas, com seu deslocamento ou descentramento,1 mediante uma mudança estrutural, que implica a mudança das identidades pessoais, com a perda de um sentido de si e descentração dos indivíduos, tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos. Trata-se de uma das características da sociedade pós-moderna. Enquanto o sujeito do Iluminismo era unificado e centrado e o sujeito sociológico se encontrava diante da complexidade do mundo moderno e desenvolvia uma interação entre o ‘eu’ e a sociedade, o sujeito pós-moderno se vê diante da multiplicidade de identidades, dentro de sistemas de significação e representação cultural múltiplos. Essas identidades, ao tempo em que são múltiplas, cambiantes e possíveis, instauram na modernidade tardia, para o indivíduo, a variação de sua posição no mundo e da forma como o sujeito é interpelado ou representado. As sociedades modernas mudam constante, rápida e permanentemente, o que impõe aos sujeitos experiências novas, o que também alcança as questões de classe social.

Na Idade Moderna, o sujeito era centrado em discursos e práticas, o que bem se caracteriza, quanto ao trabalhador, no fordismo, com os tempos rígidos e tarefas delimitadas. É amplamente aceito que o capitalismo, em seu início, exigiu uma concepção mais individualista do sujeito, mas as sociedades modernas, ao se tornarem mais complexas, assumiram uma forma mais coletiva e social.2 Nela, o trabalho tinha um lugar central e específico, como elemento da identidade pessoal, da sobrevivência individual e da ordem social.

A pós-modernidade, ou modernidade tardia, ao estabelecer o descentramento e a fragmentação, teve entre suas premissas a consideração das condições históricas e dos recursos materiais e culturais do momento em que se dá a atuação do indivíduo, bem como do poder disciplinar como regulação e vigilância que sobre ele operam. Ela promoveu para isto uma individualização maior do sujeito, que se vê diante de uma sociedade com múltiplos centros e autodescrições sendo definida pelas partes em que está fragmentada.

Desde o fordismo e o trabalhador sem qualificação, e o taylorismo do trabalhador especializado, com a divisão do trabalho em frações ou etapas da produção, afirmou-se a racionalidade como determinante do modo de trabalho e da separação do produto do trabalho e do sujeito trabalhador. Na nova sociedade, a adoção do toyotismo não implica uma diferença radical, pois a multifuncionalidade exigida da mão de obra também é uma fase de racionalização do trabalho, sendo de salientar

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logo que as formas da produção não são estanques ou sucessivas, pelo contrário, convivem fordismo e toyotismo. A racionalização que foi formulada para o trabalho abstrato e que informa o conceito capitalista de valor, envolvendo o tempo de trabalho, prossegue em novas formas, quando setores de ponta buscam fazer com o que o escritório se pareça com a casa, oferecendo refeições gratuitas e programas de exercícios, o que mantém os empregados no escritório por maior número de horas acentuam Michael hardt e Antonio Negri.3As novas formas de trabalho e a fragmentação do indivíduo, interpelado por múltiplas identidades sociais expressa a fragmentação do mundo cuja superação exige a percepção de que a fratura das identidades não anula a singularidade, e que, em um conceito aberto, a multidão é formada por todos aqueles que trabalham sob o domínio do capital, no qual as diferenças não impedem a comunicação e a colaboração.4

A pós-modernidade se instala em um mundo aberto e infinito que foi configurado a partir da modernidade, mas exclui dele as grandes narrativas da política e da religião, do Estado-nação e de Deus, e pelo descentramento aponta para a existência de centros múltiplos, possibilidades diferentes as quais têm na diversidade e na multiplicidade suas referências. Conforme Dufour,5 com a queda do Muro de Berlim e a passagem da China para uma economia de mercado, desapareceu também a grande narrativa da emancipação do povo trabalhador e, na economia neoliberal, ou ultraliberal que não tem amarras, o trabalho não é mais produção de valor em si, e o capital não é criado pela mais-valia. Aparece a economia virtual, que cria muito dinheiro com quase nada e vende o que ainda não existe, não existe mais ou nunca existiu.

Não há mais centralidade, não há mais o grande sujeito. Na sociedade pós-moderna, as situações são voláteis, e a instabilidade é o único sinal da existência. há só o presente, e nele a incerteza e a fragmentação. Depara-se o conceito de pessoas redundantes, desnecessárias que sequer podem nutrir a expectativa de um lugar na sociedade, pois o mundo, em um giro muito rápido, deslocou ou fez cair do veículo6 em aceleração grande número de pessoas, enquanto outro contingente nem mesmo conseguiu embarcar ou correr até o veículo.7

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Isto corresponde à introdução, no mundo do trabalho, do Direito do Trabalho flexível, que assume as formas do momento, do local, como requerido pelo Mercado, mas que não confere localização ou identidade, nem mesmo expectativas a todos. O mercado e a mercadoria crescem e ascendem a uma posição dominante, aspirando ao papel de Grande Sujeito da Pós-modernidade, para o qual existe o sujeito, e ocorre o assujeitamento. O discurso do mercado é a autonomia, a liber-dade, e o discurso neoliberal, ou ultraliberal, apresenta-se como a face atual da racionalidade. Não há distância, não há tempo, não há narrativa oposta que não esteja ultrapassada pelo Mercado, cujo poder se expande para alcançar tudo e todas as atividades humanas, sobrepondo-se ao Estado-nação e aparecendo como novo Grande Sujeito.

Dufour8 recusa esse papel de racionalidade última ao Mercado, apontando a leniência dos Estados, o conformismo da política em aceitar o desmantelamento do Estado como se, em uma catástrofe, bastasse apresentar as razões para justificar o procedimento que determinara sua eclosão. O mercado se tornou onipresente e suas mensagens operam em um espaço de naturalidade, sem que haja a reação ao seu domínio, às suas regras e exigências. Somente se ouve como palavra de ordem o aumento cada vez mais intensivo de produtividade e a extensão de mercados, com a agregação de novas necessidades, novos espaços e novas relações. O Mercado cresce com a abdicação do ato político e impõe a rede de trocas de mercadorias como nova forma de relações, que se mostra reducionista do sujeito ao impor a ele definir-se por ele mesmo: isto corresponde, no mundo do trabalho, à autorreferenciação do sujeito do trabalhador pela autonomia jurídica e pela liberdade econômica, sem que ocorra a mediação do Estado, que se ausenta dessa relação demitindo-se do papel político e do significado do Estado Social, para dar preeminência ao econômico.

5.2. A sociedade da globalização

A análise da sociedade atual, conhecida como sociedade global, mostra a existência de um processo constante e múltiplo de transformação, que se afasta dos parâmetros fixados na modernidade, como objetividade, neutralidade e visão mecanicista do mundo, seguindo a incerteza e questionamento. Essa mudança acarreta múltiplas consequências na sociedade e nas relações sociais, atingindo seus protagonistas. Enquanto ocorre a globalização do capitalismo, como modo de produção, instala-se a sociedade global, com suas estruturas de poder econômico e político.

As relações sociais, como as...

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