Novidades em torno do benefício da justiça gratuita na clt reformada e o ônus financeiro do processo

AutorRaphael Miziara
Páginas59-67

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1. Introdução

Com o intuito de modernizar a regulamentação das relações de trabalho no Brasil, foi promulgada a Lei n. 13.467/2017, intitulada de “Reforma Trabalhista”, que inseriu 96 disposições na Consolidação das Leis do Trabalho.

Conforme justificativas dos pareceres ao Projeto de Lei n. 6.787, de 2016, da Câmara dos Deputados (PLC), e do PL n. 38, de 2017, do Senado Federal, bem como do Relatório da comissão especial destinada a proferir parecer ao PL n. 6.787/2016, da Câmara dos Deputados, e do Parecer do relator do PLC n. 38/2017, do Senado Federal, a Reforma traz declarado objetivo de reduzir o número de demandas perante a Justiça do Trabalho. Para consecução de tal objetivo, deu nova roupagem a diver-sos temas processuais, dentro os quais se pode mencionar o relacionado ao benefício da justiça gratuita.

O objetivo do presente ensaio é perscrutar o verdadeiro sentido e alcance das novas disposições legais relativas ao tema da gratuidade de justiça e do ônus financeiro do processo, bem como efetuar o exame da compatibilidade com a Constituição da República de 1988, especialmente no que toca ao disposto no art. 5º, incisos XXXV e LXXIV. Buscou-se, para tanto, realizar uma análise dogmática e analítica do texto aprovado.

Inicialmente, procurou-se demonstrar a diferença entre a “assistência jurídica integral e gratuita” e o “benefício da justiça gratuita”, expressões que representam institutos ainda não tratados com o adequado rigor terminológico pela doutrina e jurisprudência.1

Posteriormente, abordou-se a forma de comprovação dos fatos que ensejam a concessão do benefício a justiça gratuita no processo do trabalho, mormente diante da inclusão do § 4º ao art. 790 da CLT.

Outrossim, fez-se referência ao momento de concessão e à forma de impugnação do benefício, bem como às questões de direito intertemporal que por certo surgirão em torno do benefício da justiça gratuita já concedido sob a égide da lei processual antiga.

Por fim, o trabalho enfrentou a polêmica em torno da condenação do beneficiário da justiça gratuita em custas, honorários periciais e advocatícios sucumbenciais.

2. Prévia e necessária distinção terminológica: assistência jurídica integral e gratuita, assistência judiciária e benefício da justiça gratuita

De início, cumpre traçar as diferenças entre os institutos da “assistência jurídica integral e gratuita” e da “assistência judiciária”.

A assistência jurídica integral e gratuita, prevista no inciso LXXIV, do art. 5º, da CRFB/88, compreende a consultoria, o auxílio extrajudicial e a assistência judiciária a serem fornecidas pelo Estado àqueles que necessitem. Trata-se de direito fundamental aos que, segundo a Constituição, comprovarem insuficiência de recursos.

De seu turno, assistência judiciária diz respeito ao direito que o indivíduo possui de ser assistido profissionalmente perante juízo, por meio de atividade técnica patrocinada pelo Estado.2 A própria Constituição prescreve a organização dos meios necessários a tal fim, quando, no art. 134, prevê as Defensorias Públicas com

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incumbência de orientação jurídica e de defesa, em todos os graus, aos necessitados, na forma do que dispõe o inciso LXXIV.3

Enquanto a assistência judiciária diz respeito ao exercício técnico perante juízo, a assistência jurídica é mais abrangente, envolvendo também atuações antes e fora do processo, tais como consultoria jurídica, aconselhamentos, resolução de conflitos extrajudiciais, defesas em processos administrativos, entre outras atividades.4

A norma inscrita no inciso LXXIV do art. 5º da CRFB/88 inclui, além da garantia de meios para o acesso à jurisdição mediante o exercício do direito ao processo (assistência judiciária), a oferta de apoio para o correto e efetivo exercício dos direitos fora da esfera jurisdicional, tais como orientações em contratos etc. Esses dois polos da assistência jurídica integral procuram cobrir toda a área de atividades que no exercício profissional remunerado integram a advocacia contenciosa e a consultiva.5

Pode-se afirmar que há uma diferença de amplitude. A “assistência judiciária” é a “assistência jurídica integral e gratuita” manifestada em juízo, ou seja, em seu viés processual.

Por sua vez, o benefício da justiça gratuita é um instituto de menor abrangência, de natureza processual, que pode ser requerido ao juiz da causa, importando na dispensa provisória das despesas processuais e condicionada à manutenção do estado de pobreza do postulante, podendo, inclusive, ser revogada a qualquer tempo. Acerca dessa diferenciação, Fredie Didier Júnior e Rafael Oliveira lecionam que justiça gratuita, ou benefício da gratuidade, ou ainda gratuidade judiciária, consiste na dispensa da parte do adiantamento de todas as despesas, judiciais ou não, diretamente vinculadas ao processo, bem assim na dispensa do pagamento dos honorários do advogado. Assistência judiciária é o patrocínio gratuito da causa por advogado público ou particular.6

Na mesma linha, Manoel Antônio Teixeira Filho, ao sustentar que as expressões não se confundem, afirma que justiça gratuita significa a isenção de despesas processuais às pessoas que não possuem condições financeiras de suportá-las. De outro flanco, aduz que assistência judiciária traduz o ato pelo qual determinada entidade, pública ou particular, fornece advogado, gratuitamente, para pessoa que não possui condições de pagar honorários advocatícios, ingressar em juízo.7

Legalmente, o benefício da justiça gratuita compreende, nos termos do art. 98, § 1º, do CPC, as taxas ou as custas judiciais; os selos postais; as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios; a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se em serviço estivesse; as despesas com a realização de exame de código genético – DNA e de outros exames considerados essenciais; os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira; o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução; os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório; e, os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.

Importa registrar que a concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência (art. 98, § 2º, do CPC).

Portanto, assistência, tanto a judiciária como a jurídica, implica prestação de uma atividade – comportamento ativo. Por seu turno, gratuidade traduz-se em isenção de pagamento – ato de abstenção.8

A diferenciação entre os três institutos também é feita por Araken de Assis, que assim afirma:

Em tal assunto, o modelo constitucional impõe a distinção de três institutos distintos, mas complementares: (a) a assistência jurídica integral, que compreende consulta e a orientação extrajudiciais, representação em juízo e gratuidade do respectivo processo; (b) a assistência judiciária,

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ou o “serviço público organizado, consistente na defesa em juízo do assistido, que deve ser oferecido pelo Estado, mas que pode ser desempenhado por entidades não-estatais, conveniadas
ou não com o Poder Público”; e (c) a gratuidade
da justiça
, que isenta o beneficiário do dever de
antecipar e do dever de ressarcir as despesas do
processo, objeto da Lei n. 1.060/1950, sucessivamente alterada, e agora, vigorando o diploma
parcialmente (art. 1.072, III), nos arts. 98 a 102
do NCPC. Era imperioso remodelar o instituto
do benefício da gratuidade e o NCPC, corajosamente, desincumbiu-se da empreitada.9

Feita a distinção, é preciso ainda enfrentar dois questionamentos imprescindíveis para a compreensão do estudo proposto: a) assistência jurídica integral e gratuita engloba o benefício da gratuidade da justiça? b) o benefício da gratuidade da justiça tem assento constitucional? Em outros termos, o direito fundamental à assistência judiciária gratuita prevista no inciso LXXIV do art. 5º da CRFB/88 tem como uma de suas vertentes a justiça gratuita?

A maioria da doutrina entende que a assistência jurídica integral e gratuita engloba o benefício da gratui-dade da justiça, sendo esta uma espécie daquela. Dina-marco afirma que a assistência judiciária tem como viés a dispensa de adiantamento de despesas em geral, quer devidas ao Estado ou não, como as custas, taxas judiciárias, emolumentos em geral etc.10 No mesmo sentido, Mauro Schiavi leciona que a...

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