Novas considerações sobre o antigo dilema do prazo para restituição de tributos inconstitucionais

AutorThais de Laurentiis
CargoMestre em Direito Tributário pela USP, parcialmente cursado no Institut d´Études Politiques de Paris (SciencesPo). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários-IBET.
Páginas262-277

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1. Introdução

Muito embora seja tema clássico e abrangente, a restituição de tributos inconstitucionais tem se demonstrado atual e problemática. Isto porque dogmas jurídicos têm sido revistos, especialmente por inovações no direito constitucional, no direito processual e na jurisprudência das mais altas Cortes do Judiciário brasileiro, acarretando em consequências diretas na temática da restituição de indébitos tributários.

Como exemplo atual das problemáticas apontadas, veja-se o caso da Contribuição ao Programa de Integração Social-PIS e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social-COFINS sobre importações, que tiveram suas bases de cálculo julgadas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 559.937-RS.1Dúvidas sobre o alcance dessa decisão em relação aos contribuintes e o prazo para os pedidos de devolução demonstram como permanecem em aberto diversas questões sobre a restituição de tributos inconstitucionais.

Isto porque, paralelamente ao famigerado prazo prescricional imposto ao Fisco para acionar o Poder Judiciário com o fito de cobrar débitos fiscais, previsto nos arts. 150, § 4º e 173, o Código Tributário Nacional-CTN estabeleceu a prescrição do direito do contribuinte em matéria tributária, segundo a qual ocorrerá a perda do seu direito à prestação devida pelo

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Poder Público, de modo que não poderá mais pleitear a restituição do indébito tributário pela via judicial, em consequência de ter sido ultrapassado o tempo limite para fazê-lo.

Desta definição, de pronto percebe-se que a prescrição constitui instituto de grande valia para o direito como um todo, à medida que impede a eternização de interesses individuais. Realmente, não fosse a existência de limites jurídicos como a prescrição, ruiria o princípio da segurança jurídica, além de se tornar impossível a almejada pacificação social, pois a qualquer instante uma pessoa física ou jurídica poderia ir ao Poder Judiciário em busca da satisfação de direitos tão antigos que já teriam sido consumidos por uma nova acomodação das relações inter-pessoais, de modo que a sua implementação não faria nada além de tumultuar o estado de direito reinante. Ou seja, "no contexto do direito tributário, como direito público que é, a decadência e a prescrição têm a função de estabelecer um horizonte limitador no tempo, dos efeitos positivos ou negativos de eventuais imperfeições legislativas".2Contudo, é comum que um sistema jurídico estabeleça algumas exceções à regra geral de que todos os direitos possuem um respectivo prazo prescricional. No caso brasileiro, por exemplo, quando se fala do interesse objetivo de preservar a harmonia da ordem jurídica, e não de interesses individuais, não há prescrição aplicável. Assim, o direito de o cidadão instar o Poder Judiciário a se manifestar sobre a invalidade de determinado ato normativo é imprescritível, tendo em vista que a inconstitucionalidade não convalida com o tempo.3Por essa razão, a ação direta de inconstitucionalidade ou a ação declaratória de constitucionalidade não prescrevem, como determina a Súmula 360 do STF.4No caso da restituição de tributos inconstitucionais, todavia, não há de se cogitar da falta de prazo prescricional. De fato, o CTN fixou os prazos que devem ser seguidos pelo contribuinte para que faça jus ao seu direito de reaver montantes indevidamente pagos a título de tributo.

Assim, diante da imprescritividade das ações constitucionais, de um lado, e da prescrição da ação de repetição de indébito, de outro, torna-se imperiosa a harmonização do tema da prescrição de ações que pleiteiam a restituição de tributos declarados inconstitucionais. Vale dizer, é preciso identificar quais os dispositivos legais aplicáveis à matéria, além de determinar como tais dispositivos devem ser empregados. Com este intuito, nesse artigo será demonstrado o justo emprego das normas do CTN quanto à prescrição de tributos inconstitucionais, além da questão do termo a quo a ser utilizado neste tipo de situação.

2. Prazo prescricional cabível: a polêmica sobre a aplicação do art 168 do CTN à restituição de tributos inconstitucionais

A temática do prazo prescricional cabível para as ações de restituição de indébito tributário, cujo fundamento é a inconstitucionalidade da exação, encontra-se intimamente relacionada com a discussão acerca da natureza e do regime jurídico da restituição de tributos inconstitucionais.

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Portanto, observa-se, de um lado, os defensores da tese de que Código Tributário Nacional não trouxe normas referentes à restituição de tributos inconstitucionais, de forma que se deve aplicar ao caso a regra geral de prescrição contra o Poder Público, consubstanciada no art. 1º do Decreto 20.910, de 6 de janeiro de 1932.5Por este raciocínio, o prazo a ser seguido seria de cinco anos contados da data do ato ou fato de que se originam as dívidas do Estado, ou seja, do momento em que se tornou indevido o pagamento.6Por outro giro, de acordo com a tese de que o Direito Tributário abarcou a disciplina da restituição de tributos inconstitucionais, e que por uma interpretação sistemática deve ser empregado o CTN às relações em questão, ou seja, acerca do prazo para a restituição do indébito, conclui-se pela aplicação do art. 168 do CTN, cujo conteúdo estabelece que o fluxo temporal da prescrição é de cinco anos, sendo o dies a quo: (i) a extinção do crédito tributário (art. 168 inciso I); ou (ii) o momento em que se torna definitiva a decisão que reformou, anulou, revogou ou rescindiu decisão condenatória (art. 168, inciso II).

Pela análise dos mandamentos do CTN, constata-se ser especificamente o prazo previsto no inciso I do art. 168 do CTN,7que deverá ser aplicado às relações de indébitos decorrentes de inconstitucionalidade de norma tributária. É de se notar, assim, que não é o caso de fazer esforço analógico para a aplicação do prazo previsto no inciso II do art. 168 do CTN, como propõe, por exemplo, Marcelo Fortes de Cerqueira.8Isto porque a cobrança de tributos inconstitucionais foi incorporada dentre as causas geradoras do direito à restituição de indébito previstas no art. 165, inciso I, do CTN ("cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido"). Dessa forma, é imperiosa a utilização do art. 168, inciso I, do mesmo Codex no que concerne ao prazo prescricional aplicável à hipótese, haja vista que é justamente esse dispositivo que faz referência às situações descritas no art. 165, inciso I, dentre as quais, repita-se, está o pagamento de tributos inconstitucionais.

Dito isso, cumpre reafirmar que não há de se cogitar de inexistência de prazo prescricional, muito embora a inconstitucionalidade esteja presente no fenômeno ora estudado.

Assim, àqueles que indagam "se não há prazo para arguir-se de inconstitucionalidade uma lei, por que haveria prazo para aforar ação, visando reparar danos dela consequentes?",9há de se responder: justamente porque no caso da inconstitucionalidade busca-se preservar o ordenamento jurídico in abstracto, de modo que o sistema entendeu serem as ações constitucionais incompatíveis com lapsos prescricionais. Diferentemente, a restituição de tributos diz respeito a direitos subjetivos dos administrados, que, como qualquer outro direito, devem ser exercidos p or meio de ação, dentro do prazo prescricional estabelecido em lei, restando, destarte, incólume a segurança jurídica e o Estado de

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Direito. Afinal, não é porque o direito à restituição de tributos possui embasamento constitucional, consagrando importante direito do contribuinte, que se pode concluir pela imprescritibilidade das pretensões exercidas por meio de ações de repetição de indébito.10O magistério de Lúcio Bittencourt não deixa dúvidas sobre a questão, quando ensina que "podem prescrever, sim, os direitos decorrentes de situações afetadas pela lei, mas a própria inconstitucionalidade, essa não prescreve nunca".11Veja-se que, o advento de acórdão do Supremo Tribunal Federal-STF reconhecendo a inconstitucionalidade de um tributo não fará com que o seu tratamento jurídico seja colocado de fora do direito tributário. Pelo contrário. Os montantes a serem devolvidos pelo Fisco, por deterem natureza tributária, serão regidos pelas normas jurídicas dedicadas à matéria tributária, o que significa a aplicação do art. 168 do CTN para a contagem do prazo prescricional das ações de repetição de indébito, afinal a regra especial e posterior, instituída pelo CTN, deve prevalecer sobre a regra geral trazida pelo Decreto 20.910/1932.12

3. Termo a quo para a contagem do prazo prescricional

Como restou demonstrado acima, o prazo prescricional a ser utilizado para as ações de restituição de tributos inconstitucionais é aquele constante do art. 168, inciso I, do Código Tributário Nacional, cujo conteúdo impõe que o direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados: (...) da data da extinção do crédito tributário.

Em face deste cenário, surge a dúvida sobre qual seria o preciso momento a partir do qual passa a correr o período de cinco anos que o contribuinte detém para exercer seu direito à restituição (termo a quo). Em outras palavras, "a data de extinção do crédito tributário" deve ser interpretada de qual forma, em se tratando do tema da restituição de tributos inconstitucionais?

É certo que, quando se pensa em "extinção do crédito tributário", o intérprete é imediatamente conduzido às hipóteses pre-vistas no art. 156 do CTN,13dentre as quais a mais recorrente e importante é...

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