A nova Landnahme. Dinamicas e limites do capitalismo financeiro/Die neue Landnahme. Dynamiken und Grenzen des Finanzmarktkapitalismus.

AutorDorre, Klaus

[...] Eu trabalho em uma grande empresa como trabalhador temporario e nao pertenco, portanto, a equipe de trabalhadores permanentes. De todo o modo, nao serei mais contratado. [...] Ha apenas trabalho temporario por todos os lados. Infelizmente, essa forma de capitalismo tem sido livremente adotada. [...]. Em 2004, depois que as leis sobre trabalho temporario foram flexibilizadas pelo governo federal [...], se consegue por aqui apenas trabalho temporario. Da secretaria ao administrador, e a unica coisa que se propaga. Os contratos ocorrem sob a convencao coletiva da chamada Federacao dos Trabalhadores Temporarios e Prestacao de Servicos, (2) que preve uma remuneracao muito menor do que o salario normal de um empregado. A obrigacao de pagar um salario equivalente ao de um contratado fixo tambem nao existe mais, tem sido evitada [...]. Eu recebo, em comparacao com meus colegas, um terco a menos de salario, cinco dias a menos de ferias, nenhum bonus, algo como a metade dos acrescimos, nenhum subsidio para alimentacao, nao recebo pensao, aposentadoria por tempo de trabalho, nem mesmo aumento salarial, ou lugar no estacionamento; tambem nao posso participar das festas internas da empresa [...]--e isso tudo tendo, em parte, melhor qualificacao. Nao quero nem falar do peso psicologico. Ele e assustador, e como sentir-se um homem de segunda classe. Ha todas razoes para isso. Para onde essa situacao ira conduzir? Qual saida eu deveria encontrar? O que o senhor me aconselha? Eu estou muito, muito perplexo [...]. (3) A passagem acima citada, do correio eletronico de um trabalhador temporario, contem uma queixa que se tornou comum no mundo do trabalho. A aflicao psiquica nao e tratada de forma publica, nem mesmo a propria miseria em sentido absoluto. Contudo, as experiencias descritas sao existenciais. Analisando superficialmente, o trabalhador em questao fez tudo certo. Formado em um setor de ponta, a industria de Tecnologia da Informacao, ja tendo sido empregado, ele continuou a se especializar para concluir ao final que, apesar de ter terminado a formacao escolar, nao consegue voltar a ter um posto de trabalho permanente. Discriminacao dolorosa e perplexidade e tudo o que lhe resta.

Como um sociologo pode e deve reagir a esse tipo de reclamacao? Naturalmente nao faltam instrumentarios cientificos dispostos a compaixao barata. Poder-se-ia informar ao trabalhador temporario em questao que ele tornou-se vitima de uma decisao de alto risco--pessoalmente perturbadora, mas ainda sim o destino escolhido por muitos em uma modernidade individualista. Poderia dizer-lhe francamente, baseado no que ensina a hermeneutica, que ele, por meio do bode expiatorio do capitalismo, abriu mao de sua responsabilidade ao inves de decididamente completar seus estudos e assim aproveitar as oportunidades de formacao estatisticamente comprovadas. Do ponto de vista dos especialistas na Teoria dos Sistemas, ao autor do e-mail seria talvez explicado que sua reclamacao causa um ruido no sistema, em cujas subestruturas ele, no entanto, permanece inevitavelmente incluido. Mas tambem seria possivel fazer algo surpreendente: levar o trabalhador temporario a serio e perseguir a pista que ele proprio oferece em sua mensagem. Ha de fato uma conexao entre a situacao precaria de vida de um individuo e uma variante especifica de capitalismo? Como criticar e transformar este capitalismo? Quais sao as alternativas existentes?

Tentando responder a questao colocada pelo trabalhador temporario, sustenta-se a tese de que, desde os anos 1970, os contornos de uma nova formacao capitalista foram criados, a qual sera aqui denominada provisoriamente de capitalismo financeiro. Uma caracteristica fundamental dessa formacao fragil e a de que ela torna instituicoes limitadas pelo mercado objeto de uma nova Landnahme. (4) Esse processo se forma entre crises dramaticas. Nelas, os limites da Landnahme financeira tornam-se explicitos e permitem que surjam espacos de manobra para mudancas. Para fundamentar esse ponto de vista, deve-se, primeiro, (1) ressaltar as estruturas socioeconomicas centrais do capitalismo. Em seguida, (2) o conceito de Landnahme sera introduzido, assim como os tracos marcantes do capitalismo financeiro (3), e de suas crises (4). Ao final, trata-se de discutir como as reclamacoes cotidianas podem ser traduzidas em uma critica sociologica ao capitalismo contemporaneo (5).

  1. O que e capitalismo?

    Quem pergunta sobre a estrutura socioeconomica central do capitalismo geralmente refere-se a socializacao atraves dos mercados. Para o mainstream economico ou, de forma abreviada, neoliberal, o capitalismo ideal e identico a uma sociedade de mercado, que e regulada por meio de um Estado reduzido e alem disso, no melhor dos casos, mantida de maneira unificada por um auto-compromisso moral de seus membros. Inumeros diagnosticos contemporaneos que tratam a transicao para uma nova formacao capitalista como "economizacao do social", como "mercantilizacao" ou ate mesmo como "totalitarismo de mercado" (5) conectam-se--por vezes criticamente, mas nao necessariamente--ao mesmo modelo anteriormente citado. Um problema em tais paradigmas--sejam convergentes ou contrahegemonicos --e o fato de que eles identificam excessivamente o capitalismo com a generalizacao da forma mercadoria e da competicao. No entanto, como sera demonstrado, nem o postulado, nem a critica ao "puro" capitalismo competitivo, sao suficientes para compreender a nova formacao social. Assim e necessario, primeiramente, esclarecer o que o capitalismo nao e ou, ainda, o que ele nao e exclusivamente.

    O paradigma ortodoxo de mercado...

    A "exigencia de uma separacao estrita entre violencia de coercao e violencia de exclusao" (6) e fundamental para o sistema de pensamento academico liberal e seu individualismo metodologico. Liberdade e definida primariamente como ausencia de coercao e regulacao. Relacoes de mercado que baseiam-se na aspiracao ao interesse proprio e deixam aos membros do mercado o maior espaco de decisao possivel sao consideradas como casos ideais de livre interacao. Dessa perspectiva, a ortodoxia de mercado contemporanea trata o respectivo capitalismo de concorrencia como requisito para liberdade politica. Nesse capitalismo ideal, a busca pelo lucro e o motivo central da acao economica. Tudo que visa enfraquecer essa motriz, logicamente conduz a distorcao da concorrencia e, com isso, a deformacoes sociais. Para Milton Friedman, o ideal de uma empresa com responsabilidade social significa, no melhor dos casos, uma distorcao consideravelmente problematica. (7)

    Alem disso, deve-se acrescentar que o paradigma ortodoxo de mercado e em si diversificado: contem escolas e sistemas de pensamento diferentes. (8) Mesmo seus expoentes mais radicais admitem que aprenderam a partir das falhas do Laissez-faire e reconhecem os limites da coordenacao do mercado. Nao somente para os "ordo-liberais", mas tambem para os representantes da Escola de Chicago, Estado e governo sao importantes enquanto "forum que define as "regras do jogo", mas tambem como "juiz-mediador que fiscaliza as regras e diz se elas foram corretamente interpretadas". (9) Assim, a ortodoxia de mercado nao se direciona geralmente contra as associacoes e organizacoes sociais. Contudo, ela insiste no principio da liberdade de contratar que deveria permanecer no modo de atuar de cada organizacao. Opoe-se "apenas a utilizacao da coercao na formacao de uma organizacao ou sociedade, nao contra a formacao social como tal". (10) Dado que o mercado de trabalho e, segundo esse paradigma, um mercado como qualquer outro, a liberdade de contratar e reivindicada tambem e exatamente contra as organizacoes da populacao assalariada.

    Requer-se um mercado que nao elimine as desigualdades e assimetrias de poder, mas, pelo contrario, que utilize-as de forma otimizada. Desigualdade e vista a si mesma como "altamente gratificante", (11) pois estimula o empenho dos individuos. Abstraindo-se das intervencoes estatais indispensaveis, os eventos do mercado funcionam para a ortodoxia de mercado moderna a luz do principio da "sobrevivencia do melhor". Sua majestade, a eficiencia economica, decide, e somente os mais fortes sobrevivem ! Sabe-se que ha regras do jogo que devem ser respeitadas pelos parceiros de troca. Essas regras devem ser aceitas nao porque tenham sido dadas por Deus ou porque possam ser racionalmente justificadas, mas exclusivamente por um motivo: elas se impuseram. Capitalismo pode ser traduzido na formula "mercado + concorrencia funcional + liberdade de contrato = eficiencia" (maxima emissao de mercadorias pelo menor preco possivel). A formula recebe, todavia, um acrescimo, sobretudo no Ordo-liberalismo. Este diz que mercados necessitam de um Estado capaz de negociar, o qual pode apenas ser forte se e quando limitado a poucas funcoes centrais. A "grande realizacao do mercado" consiste entao em reduzir o numero de problemas, que "devem ser decididos com a ajuda de medidas politicas". (12) Como o Estado e o governo estao confinados na funcao de vigias das regras do jogo do mercado, no final das contas e, novamente, a economia que decide sobre a eficiencia da politica e seu grau de compatibilidade de mercado.

    O liberalismo economico tambem oferece uma resposta ao nosso interlocutor, o remetente do correio eletronico. Para a ortodoxia de mercado, o status de "outsider" do trabalhador temporario surge como uma consequencia do mercado hiper-regulado. Enquanto uma parte dos empregados, devido ao poder de cartel dos sindicatos, recebe acima do valor de mercado e e especialmente protegida nessa posicao, aos grupos "outsiders", para ter acesso a uma boa remuneracao, resta recusar locais de trabalho seguros. (13) Para melhorar o lugar dos Outsiders no mercado de trabalho, e necessario, portanto, enfraquecer o poder dos sindicatos, diminuir o nivel do salario, flexibilizar a protecao contra demissao, impulsionar formas de emprego flexiveis, como o proprio...

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