Notas sobre a perene crise do princípio de obrigatoriedade da ação penal no ordenamento italiano

AutorBruna Capparelli
CargoDoutoranda em Processo Penal pela Alma Mater Studiorum - Università di Bologna/Itália
Páginas118-149
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 11. Volume 18. Número 1. Janeiro a Abril de 2017
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira. ISSN 1982-7636. pp. 118-149
www.redp.uerj.br
118
NOTAS SOBRE A PERENE CRISE DO PRINCÍPIO DE OBRIGATORIEDADE
DA AÇÃO PENAL NO ORDENAMENTO ITALIANO
1
NOTES ON THE ONGOING CRISIS OF MANDATORY PROSECUTION IN
ITALIAN LAW
Bruna Capparelli
Doutoranda em Processo Penal pela Alma Mater Studiorum
Università di Bologna/Itália. bruna.capparelli2@unibo.it
orcid.org/0000-0003-1249-2658
Vinicius Gomes de Vasconcellos
Doutorando em Direito pela Universidade de São Paulo
(USP), com período de sanduíche (PDSE/Capes) na
Universidad Complutense de Madrid (ESP). Mestre em
Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul - PUCRS (2014), com bolsa integral
CAPES. Pós-graduado pela Universidad de Castilla-La
Mancha (ESP) (2013). Pesquisador visitante no Max Planck
Institute for Foreign and International Criminal Law (2014 e
2017). Editor-chefe da Revista Brasileira de Direito
Processual Penal (RBDPP) e editor-assistente da Revista
Brasileira de Ciências Criminais (RBCCRIM). Professor de
Direito Penal e Processual Penal das Faculdades Integradas
Campos Salles (SP). vgomesv@gmail.com
orcid.org/0000-0003-2020-5516
RESUMO: Este artigo pretende analisar o cenário italiano e as principais discussões
relacionadas à obrigatoriedade da ação penal e à possibilidade de previsão de critérios de
priorização para relativização de tal premissa. Trata-se de questão primordial diante da
1
Artigo recebido em 23/03/2017 e aprovado em 19/04/2017.
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 11. Volume 18. Número 1. Janeiro a Abril de 2017
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira. ISSN 1982-7636. pp. 118-149
www.redp.uerj.br
119
generalizada sobrecarga da justiça criminal, especialmente em razão do expressivo e há
muito descrito fenômeno da expansão do direito penal. Assim, coloca-se o seguinte
problema: é sustentável a ideia de uma obrigatoriedade absoluta, que determine um dever de
acusação pública em todos os casos de ocorrência de um crime e de existência elementos
suficientes para a sua comprovação? A partir desse estudo, sustentar-se-á que devem ser
previstos espaços de racionalização de tal princípio, por meio de diretrizes parlamentares e
atividades integrativas das procuradorias, com critérios distintos à exclusiva ocorrência de
um crime e de elementos suficientes para a sua comprovação, regulados de um modo a
poderem ser generalizáveis e controláveis, com pressupostos objetivos e taxativos, assim
respeitando a necessidade de igualdade de tratamento entre os cidadãos.
PALAVRAS-CHAVE: processo penal; obrigatoriedade da ação penal; critérios de
prioridade; Ministério Público; verificação da notícia de crime; processo penal italiano.
ABSTRACT: This article intends to analyze the Italian situation and the main discussions
related to the principle of mandatory prosecution in criminal procedure and to the possibility
of regulating criteria of prioritization to relativize that premise. This is a primordial issue
considering the widespread overload of criminal justice, especially because of the expressive
and long-described phenomenon of the overcriminalization. Thus, the following problem
arises: Is sustainable the idea of an absolute mandatory prosecution, which establishes a duty
to the public prosecution in all cases of a crime and existence of sufficient evidence to
substantiate it? Based on this study, it will be argued that some criteria should be provided
for rationalization of this principle, through parliamentary guidelines and integrative
activities of the prosecutor's offices, with standards distinct from the exclusive occurrence
of a crime and sufficient evidence to prove it, regulated in such a way as to be generalizable
and controllable, with objective assumptions, thus respecting the need for equal treatment
between citizens.
KEYWORDS: criminal procedure; mandatory prosecution; priority criteria; public
prosecutor; investigation of notitia criminis; Italian criminal procedure.
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 11. Volume 18. Número 1. Janeiro a Abril de 2017
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira. ISSN 1982-7636. pp. 118-149
www.redp.uerj.br
120
SUMÁRIO: Introdução. 1. O conceito de ação e o controle jurisdicional sobre o dever de
agir. 2. Investigações do acusador para a verificação da notícia de crime. 3. Critérios de
prioridade: dados normativos, circolari e possíveis perspectivas. Considerações finais.
Referências bibliográficas.
Introdução
Como é notório, o princípio de obrigatoriedade da ação penal encontra consagração
no art. 112 da Constituição italiana, o qual estabelece que “o ministério público tem o dever
de exercer a ação penal”
2
. Trata-se de uma fórmula curta e incisiva, uma das disposições
“mais lacônicas da Carta fundamental da republica”
3
italiana. Até mesmo por esses motivos,
trata-se de uma norma que encontrou múltiplas disputas interpretativas, tornando-se terreno
de ásperos debates de política da justiça penal.
Existe concordância, seja na doutrina como na jurisprudência, em considerar o
princípio da obrigatoriedade da ação penal uma norma instrumental, em lugar de final. A
própria Corte constitucional o define como “ponto de convergência de um complexo de
princípios basilares no sistema constitucional”
4
.
A ratio da norma é, de fato, reconduzível a três diferentes valores de status
constitucional: o princípio de igualdade (art. 3), o princípio de legalidade (art. 25, inciso 2)
e o princípio de independência externa (ou, também dita, “independência institucional”
5
) do
ministério público. Os primeiros dois valores são estruturas não elimináveis do princípio,
contudo não se pode dizer o mesmo em relação à independência externa: de fato, existem
sistemas onde a larga confiança entre sociedade, poderes públicos e magistratura torna
possível uma pacífica convivência e aceitação seja do princípio de obrigatoriedade da ação
penal seja daquele de dependência do Ministério Público ao poder executivo. Tais
2
(Tradução livre).
3
CHIAVARIO, Mario. L’obbligatorietà dell’azione penale: il principio e la r ealtà, Cassazione penale, 1993,
p. 2658 s. (tradução livre). Ver também: CHIAVARIO, Mario. Profili del principio costituzionale di
obbligatorietà dell’azione penale. In: CHIAVARIO, Mario, L’azione penale tra diritto e politica, Padova:
Cedam, 1995, 55 s. e GIALUZ, Mitja. Art. 112. In: BARTOLI, Roberto; BIN, Roberto (org.), Commentario
breve alla Costituzione, Padova: Cedam, 2008, p. 1011 s.
4
Corte const., sent. 28 de janeiro de 1991, n. 88. Cassazione penale, 1992, p. 249 s.
5
Sobre isso, ver: RUSSEL, Peter H. Toward a General Theory of Judicial Independence. Judicial
Independence in the Age of Democracy, Vir ginia: University of Virginia Press, 2001, p. 7 s. Em geral, e m
âmbito internacional: CAIANIE LLO, Michele. L’esercizio dell’azione pe nale nella Corte penale
internazionale, Rivista di diritto processuale, 2001, n. 1, p. 200 s.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT