Notas sobre a alteração da atividade jurisdicional

AutorElisandra Riffel Cimadon/Aristides Cimadon
CargoAdvogada (UNOESC ? Campus de Joaçaba) Mestre em Ciência Jurídica (UNIVALI)/Reitor da Universidade do Oeste de Santa Catarina ? UNOESC
Páginas30-40

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Introdução

Os princípios ganharam especial atribuição após a segunda guerra mun-dial, principalmente em razão da ascensão de constituições que resguardam direitos sociais. No Brasil, com a promulgação da CRFB/88, não foi diferente. Os princípios se tornaram verdadeiros alicerces do ordenamento jurídico, e tanto a jurisprudência como a doutrina têm consolidado este entendimento.

Em razão disso, inclusive princípios não expressos no texto constitucional são aplicados, como é o caso dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (neste estudo utilizado de forma fungível) e que possuem origem no direito alemão e norte-americano.

Este redirecionamento do direito como também da práxis social, com a aceitação da aplicação de princípios não expressos (análise substancialista e, consequentemente, política e econômica), faz com que o princípio da proporcionalidade/razoabilidade remonte a uma ressignificação da própria atividade jurisdicional.

Exemplo disso são as demandas juspedagógicas das universi-dades, as quais afloram por meio do recente ramo da ciência jurídica, o direito educacional, e dão prova da efetiva e necessária discussão da possibilidade de superação do positivismo jurídico e da viabilidade de aceitação de novos paradigmas.

Portanto, a movimentação do ordenamento jurídico se perfaz em razão dos anseios sociais, os quais possuem um vasto desejo de justiça e de ressignificações. O princípio da proporcionalidade/razoabilidade é um elemento de atuação jurisdicional que perpassa textos constitucionais na busca de efetivi-dade e consecução da justiça.

1. Princípios – linhas conceituais

Os princípios são normas de fundo de um ordenamento jurídico, constituídos por valores que conduzem e alicerçam o sentimento de justiça. São, por si só, até mesmo ante a trajetória percorrida, elementos essenciais da sociedade e de seu ordenamento jurídico, integrando, de acordo com a época percorrida, diversos fatores e fatos na flexibilização, ponderação e solução de controvérsias, na tomada de decisões políticas, sociais, prestacionais e outras, de alcance judicial ou não.

Justamente por serem fundamentos do sistema, os princípios, na atualidade, ultrapassaram a concepção de que somente poderiam ser aceitos se contemplados por certa dogmática jurídica ou se previstos expressamente nos textos legais. O clamor de hoje outorga aos princípios uma função vital, de garantia de direitos e consecução da justiça.

Com a promulgação de novas constituições, nas últimas décadas do século XX, houve uma acentuação da hegemonia axiológica dos princípios, que se tornaram um

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pedestal em que se assenta todo o ordenamento jurídico dos novos sistemas constitucionais1.

Neste contexto se vê na atividade jurisdicional do poder judiciário uma alternativa viável, uma vez que as decisões estão sendo proferidas com fundamento em princípios, estejam eles expressos ou não no texto legal, ampliando, notadamente, a garantia de direitos.

Princípio é:
“por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.”2

Robert Alexy entende que “princípios são, tanto quanto as regras, razões para juízos concretos de dever-ser, ainda que de espécie muito diferente”3; que são normas que determinam que algo seja realizado na medida do possível e de acordo com as probabilidades fáticas e jurídicas relacionadas ao caso4, como mandamentos de otimização5.

Os princípios representam um traço unificador e de comum acepção quando referidos como normas de alto grau de generalidade, de indeterminação, de caráter programático, de posição hierárquica elevada perante as fontes, de grande e fundamental importância em um sistema jurídico e político considerado, e de função específica de fazer a escolha dos dispositivos ou normas aplicáveis ao caso6.

É por esta razão que se faz necessário distinguir os campos de atuação dos princípios, pois se eles representam os valores supremos de uma sociedade, possuem a função não só de serem pilares basi-lares, mas meios de condução para a resolução de conflitos fáticos, de tomada de decisões, da própria consecução do direito e da justiça, como um norte a ser respeitado, interpretado e bem aplicado.

Sob este enfoque, uma característica fundamental do princípio é apontada por Dworkin7, qual seja, a prestação jurisdicional substantiva do direito, pois é por intermédio dela que é possível se encontrar um meio-termo entre os casos exagerados e aqueles niilistas8 acerca dos direitos das pessoas.

E é também em razão da discussão acerca da possível superação do positivismo jurídico – concepção jurídica – e alicerce de direitos que ele é debatido, especialmente por contribuir como elemento da alteração da atividade jurisdicional. É o caso do princípio da proporcionalidade/razoabilidade.

2. Proporcionalidade/ razoabilidade – uma visão teórica e prática

A doutrina e jurisprudência da Europa continental, assim como a do Brasil, afeiçoam e estabelecem a fungibilidade do princípio da proporcionalidade com o da razoabilidade9.

Guerra Filho10 ensina que existe diferença na denominação proporcionalidade e razoabili-dade decorrente de suas origens culturais (a primeira de origem germânica e a segunda de origem anglo-saxônica). Entretanto, esta diferença de origens não evita que uma seja utilizada em associação à outra, como, por exemplo, a vinculação da proporcionalidade à cláusula do devido processo legal, até em razão de um sistema de proteção aos direitos fundamentais que necessitam desta íntima conexão.

A dificuldade de uniformização terminológica de proporcionalidade e razoabilidade pode ser vista em decisões dos tribunais superiores. Entretanto, esta ausência de uniformização e de critérios expressos e claros de fundamentação do uso de proporcionalidade e razoabilidade não impede que possam ser construídas analiticamente as decisões, reconstruindo-se os critérios implícitos utilizados pelo Supremo Tribunal Federal11.

Para fins deste estudo, será aplicada a terminologia princípio da proporcionalidade/razoabilidade de forma fungível. Visto isso, passa-se a uma breve análise teórica e prática.

A legalidade atrelada a postulados do Estado Democrático de Direito, como a dignidade humana, a proporcionalidade e o controle dos atos jurisdicionais, torna-se escopo para a necessidade e a adequação de medidas proporcionais12. Neste contexto, o princípio da proporcionalidade/razoabilidade deve ser bem conceituado, para servir também como meio de segurança jurídica.

“O princípio da proporcionalidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em um conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva. É razoável o que seja conforme a razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia, o que não seja arbitrário ou caprichoso, o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar.”13

Podem-se considerar duas linhas de construção constitucional em relação ao princípio da razoabilidade, quais sejam: a) o princípio da proporcionalidade deve ser aplicado em qualquer caso que chegue a conhecimento do intérprete da constituição, linha que o considera princípio constitucional não escrito, inspirada na doutrina alemã14 e; b) o princípio da razoabilidade é exigível em razão do caráter subs-

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tantivo inserido pela cláusula do devido processo legal, inspirada na doutrina norte-americana15.

“No Brasil a proporcionalidade pode não existir enquanto norma geral do direito escrito, mas existe como norma esparsa do texto constitucional. A noção mesma se infere de outros princípios que lhe são afins, entre os quais se avulta, em primeiro lugar, o princípio da igualdade, sobretudo em se atentando para a passagem da igualdade-identidade à igualdade-proporcionalidade (...).”16

De acordo com Guerra Filho17, o princípio da proporcionalidade é o “princípio dos princípios”, pois é o ordenador do direito; a circunstância dele não estar expresso na Constituição brasileira não impede que ele seja reconhecido, com a invocação do parágrafo segundo do art. 5º da CRFB/8818.

Assim, o princípio da proporcionalidade enuncia sua destinação, qual seja: preservar os direitos fundamentais e, assim, coincide com a destinação da constituição, a qual desempenha um papel reservado na ordem jurídica do Estado Democrático de Direito19. Ainda, neste cenário de assunção dos princípios como normas, o princípio da proporcionalidade passou a ser compreendido como um curinga para solucionar conflitos, especial-mente quando da colisão dos direitos fundamentais20.

Muito embora os entendimentos acima mencionados, Ávila21 considera razoabilidade e proporcionalidade como postulados específicos22 e não princípios.

“O postulado da proporcionalidade não se confunde com a ideia de proporção em suas mais variadas manifestações. Ele se aplica apenas a situações em que há uma relação de causalidade entre dois elementos empiricamente discerníveis, um meio e um fim, de tal sorte que se possa proceder aos três exames fundamentais: o da adequação (o meio promove o fim?), o da necessidade (dentre os meios disponíveis e igualmente adequados para promover o fim, não há outro meio menos restritivo dos(s)...

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