Nota Introdutória

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas621-637

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Comentário

Conforme pudemos demonstrar, em Capítulos anteriores, o processo é o método, a técnica, o instrumento de que o Estado se utiliza para, no exercício do seu poder-dever jurisdicional, solucionar os conflitos de interesses ocorrentes entre os indivíduos e as coletividades e entre uns e outros.

O legislador brasileiro adotou a tradicional classificação trinária do processo em:
a) de conhecimento; b) de execução; c) cautelar.

Sendo, o processo, um método estatal de solução de lides, pareceria injustificável cogitar-se de processo do trabalho, de processo civil, de processo penal, etc., pois essa fragmentação seria atentatória da inegável unidade ontológica do processo. Todavia, quando se fala em processo do trabalho, em processo civil e o mais, o que se está pretendendo, apenas, é colocar em destaque a natureza da lide que esse instrumento estatal se destina a solucionar.

O procedimento, por sua vez, traduz o conjunto dos atos que se praticam no processo, com o objetivo de realizar a entrega da prestação jurisdicional. Esses atos se encontram legalmente encadeados de maneira lógica; são, em regra, preclusivos; e visam à preparação do ato mais importante do processo, seu ponto de coroamento e de exaustão: a sentença de mérito. Ainda que, por motivos diversos, a sentença não examine o mérito, o procedimento terá sido realizado.

Divide-se o procedimento, no processo do trabalho, em: a) comum; b) especial. O procedimento comum se subdivide em: a.a.) ordinário; a.b.) sumaríssimo. Certos setores da doutrina entendem que este processo apresenta não duas, mas três espécies de procedimento comum: 1. ordinário; 2. sumário; 3. sumaríssimo. O procedimento sumário seria o estabelecido pela Lei n. 5.584/70. Discordamos dessa opinião. O que se tem considerado como procedimento sumário nada mais é do que uma pequena variação do ordinário. O fato de o § 3.º, do art. 2.º, da Lei n. 5.584/70 dispor que, nas ações da alçada exclusiva dos órgãos de primeiro grau “será dispensável o resumo dos depoimentos, devendo constar da Ata a conclusão da Junta (Vara) quanto à matéria de fato” não é suficiente para atribuir o status de um novo procedimento (supostamente sumário) a esse mero resumo. A estrutura do procedimento é a mesma do ordinário. Deste modo, podemos dizer que o processo do trabalho passou do procedimento ordinário para o sumaríssimo, sem jamais ter conhecido o sumário.

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A propósito, olhando-se internamente para o processo do trabalho, percebe-se que o procedimento clássico é o ordinário; cotejando o processo do trabalho com o processo civil, entretanto, o procedimento ordinário daquele corresponde ao sumário deste (CPC, art. 275). É oportuno recordar que o processo civil atual também saltara do procedimento ordinário para o sumaríssimo; dando-se conta, no entanto, dessa falha e de que a celeridade de um procedimento não depende da denominação que se lhe dê, nem de superlativos que os exaltem, acabou por alterar a redação do art. 275, para aludir, de modo mais sensato, e com os pés na terra, ao procedimento sumário (Lei n. 9.245/95).

Não há relevância de ordem prática na discussão sobre se o procedimento comum trabalhista apresenta duas (ordinário e sumaríssimo) ou três (ordinário, sumário e sumaríssimo) espécies. Por isso, deixemo-la de lado, embora nossa exposição, daqui para a frente, seja influenciada pela subdivisão que considera existentes apenas dois procedimentos.

O procedimento ordinário, que é clássico, foi o que marcou o surgimento do processo do trabalho, no texto da CLT. Posteriormente, esse procedimento recebeu uma pequena variação, representada pela Lei n. 5.584/70. Mais tarde, a Lei n. 9.958, de 12-1-2000, incorpora ao processo do trabalho o procedimento sumaríssimo (CLT, arts. 625-A a 625-H; 895, §§ 1.º e 2.º; 896, § 6.º, dentre outros).

Seção única - O procedimento e a EC n 45/2004
1. Considerações introdutórias

Quando entrou a viger a Emenda Constitucional n. 45/2004, que introduziu diversas alterações na estrutura do Poder Judiciário de nosso País - além de esparsas modificações de ordem processual -, alguns estudiosos passaram a argumentar que as ações oriundas das relações de trabalho (ou seja, que não decorressem de contrato de trabalho), a que alude o inciso I, do art. 114, da Constituição Federal, deveriam ser submetidas ao procedimento estabelecido pelo CPC, porquanto seriam relações de natureza civil.

Jamais concordamos com essa opinião. A nosso ver, o pensamento daqueles intérpretes continha equívocos e inconvenientes manifestos, que os procuramos demonstrar em livro publicado pouco antes de vigência da referida EC (Breves Comentários à Reforma do Poder Judiciário. São Paulo: LTr, 2005). Ei-los:

  1. ao dispor que “Os dissídios oriundos das relações entre empregados e empregadores, bem como de trabalhadores avulsos e seus tomadores de serviços, em atividades reguladas na legislação social, serão dirimidos pela Justiça do Trabalho, de acordo com o presente título e na forma estabelecida pelo processo judiciário do trabalho”, o art. 643, da CLT, jamais pretendeu excluir do raio de incidência do processo do trabalho os demais conflitos, para cuja solução a Justiça do Trabalho estaria dotada da imprescindível competência. Tanto é certa esta interpretação que estamos a conferir à mencionada norma legal que, na prática, nunca se questionou, por exemplo, se as lides provenientes dos contratos de empreitada, em que o empreiteiro fosse operário

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    ou artífice (CLT, art. 652, a, III), deveriam ser subordinadas ao processo e ao procedimento regulados pela CLT, ou não, uma vez que essa submissão era evidente. Parece-nos, assim, dissociada da realidade e do critério ideológico, como técnica hermenêutica, qualquer interpretação que vise a fazer com que os conflitos de interesses emanantes da relação de trabalho, lato sensu (CF, art. 114, I), sejam dirimidos à luz do processo e do procedimento previstos no CPC;

  2. a aplicação sistemática (e com exclusividade), a tais lides, das regras próprias do CPC, implicaria fazer com que a Justiça do Trabalho passasse a ter dupla face, a ser serviçal de dois amos, no que se refere ao processo e ao procedimento a ser adotado com vistas à solução dos conflitos de interesse, em geral, que lhe são submetidos à apreciação: 1. processo do trabalho para as lides decorrentes da relação de emprego e de outras, previstas na CLT; 2. processo civil, para as lides envolvendo trabalhadores autônomos e outros, nos termos do art. 114, I, da Constituição (relação de trabalho sem relação de emprego). Não cremos que a Justiça do Trabalho se sinta confortável no papel de Janus, personagem da mitologia romana, que possuía uma cabeça com duas faces: ora mostrava uma das faces, ora a outra, conforme fossem as circunstâncias.

    Essa dualidade de sistemas processuais, além de colidir com os escopos fundamentais da Justiça do Trabalho, dentre os quais destacamos: a) informalidade; b) celeridade;
    c) acessibilidade, viria em detrimento do processo do trabalho, pois este passaria a sofrer, com intensidade muito superior à atual, influência do processo civil, cujo risco, com o decorrer do tempo, seria a transubstanciação ideológica do processo do trabalho, a perda da sua identidade enciclopédica, o espezinhamento de seus princípios medulares. Não seria despropositado imaginar que o processo do trabalho teria de escancarar as portas, por exemplo, no terreno dos recursos, para o agravo de instrumento de decisões interlocutórias (CPC, art. 522), a despeito da regra inibitória, inscrita no art. 893, § 1.º, da CLT; e para os embargos infringentes (CPC, art. 530), dentre outros.

    Ademais, a referida dualidade acabaria por afrontar a própria tradição histórica da Justiça do Trabalho, que se veria convertida em uma espécie de departamento heterotópico da Justiça Comum, e, deste modo, revitalizando a ideia, há muito vogante, de extinção da Justiça do Trabalho, transferindo sua competência para a Justiça Comum que, para esse efeito, especializaria Varas e Câmaras.

    Ainda: a dualidade em questão implicaria uma discriminação odiosa aos trabalhadores sem vínculo de emprego, relativamente aos submetidos à legislação trabalhista, pois enquanto as lides envolvendo estes últimos seriam solucionadas segundo os procedimentos traçados pela CLT, as lides nas quais figurassem os primeiros seriam regidas pelos procedimentos próprios do CPC.

    Podemos vaticinar, até mesmo, que essa dicotomia de sistemas processuais conspiraria também contra a tendência pragmática da Justiça do Trabalho, consistente em amoldar ao processo que lhe é característico, sempre que for possível, as ações previstas no processo civil, para efeito de adoção supletiva de normas deste (CLT, art. 769). Sirva como corolário de nosso argumento o que se passou com a ação de consignação em pagamento, regulada

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    por procedimento especial, do CPC. Na redação primitiva do art. 893...

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