Normas Fundamentais do Processo Coletivo Laboral

AutorMarcelo Freire Sampaio Costa
Ocupação do AutorDoutor em Direito pela PUC-SP. Mestre em Direito pela UFPA
Páginas53-68
Capítulo 3
Normas Fundamentais do Processo Coletivo Laboral
3.1. Considerações gerais
A expressão normas fundamentais foi copiada do CPC (Capítulo I, Título Único, Livro I). É gênero do qual são
espécies princípios (normas-princípios), regras (normas-regras) e postulados normativos(114).
Antes do CPC, tais normas ditas fundamentais tinham assento integral no texto constitucional.
Essas normas fundamentais apresentam peculiaridades fortemente compatíveis com o processo coletivo do trabalho,
cuja aplicação, como já se vem aqui trabalhando desde o início, detêm peculiaridade própria e distinta da tutela individual.
Aliás, as normas fundamentais do CPC são amplamente aplicáveis ao processo coletivo laboral, por se tratarem
de normas de estrutura do direito processual brasileiro.
Fazem parte, portanto, originariamente, do microssistema do processo coletivo do trabalho, conforme já desenvolvido
anteriormente.
Antes de ser apresentado o rol das normas fundamentais regentes do processo coletivo laboral, será desenvolvida
brevemente, nos próximos dois itens, a transformação da posição conceitual-normativa dos princípios na ciência jurídica,
bem como a distinção desta categoria normativa com as aqui chamadas normas-regras.
Inobstante essa palavra princípios estivesse ligada às verdades primeiras ou base da ciência, tal modalidade
normativa até bem pouco tempo atrás, até meados da década de oitenta do século anterior, não era reconhecida nem
como modalidade normativa, com potência suciente para impor comandos impositivos nos conitos de direito. Eram
dispositivos legais meramente programáticos, ou, no máximo, de aplicação subsidiária na ausência da lei.
Essa realidade cou para trás, conforme será desenvolvido ao longo deste capítulo.
Parece-me que, em relação ao processo coletivo do trabalho, por se tratar de disciplina ainda em fase de amadu-
recimento, essa força expansiva dos princípios se dará com ainda maior força.
Mas não é só. Busca-se transpor, neste curso, a realidade losóca, mundo no qual os princípios são largamente
desenvolvidos com forte carga teórica, para o processo coletivo do trabalho num viés principializado e moderno, visando à
necessidade de serem buscadas melhores justicativas argumentativas para a solução das questões processuais e meritórias
surgidas nessa seara processual.
Caminhando para o m, ca registrado que serão desenvolvidos princípios constitucionais e infraconstitucionais
processuais, inclusive aqueles inscritos no capítulo das normas fundamentais do CPC, com alguma potencialidade
especíca ao processo coletivo laboral.
Não se pode deixar de registrar, para nalizar, que, o processo do trabalho, inclusive na vertente do processo cole-
tivo — ora objeto deste estudo, ao contrário das inovações modernas consolidadas por intermédio do CPC de 2015,
notadamente a inserção de capítulo de normas fundamentais, vem retrocedendo por culpa exclusiva do movimento
legislativo da Reforma Laboral de 2017.
(114) Sobre a distinção entre princípios, regras e postulados normativos veja ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da denição à aplicação dos
princípios jurídicos, op. cit.
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O processo coletivo laboral também foi atingido diretamente pela pena implacável e conservadora do legislador
da chamada Reforma Trabalhista de 2017, por diversos dispositivos legais, a serem trabalhados ao longo de todo este
estudo. Especialmente, um deles, § 3o do art. 8o da CLT, impacta diretamente nos princípios que serão desenvolvidos
neste capítulo. Vej amos.
3.2. Evolução histórica do papel dos princípios
No tocante à evolução histórica-conceitual do papel dos princípios, Paulo Bonavides talvez tenha sido o primeiro
autor nacional a tratar dessa questão na perspectiva pós-positivista, dividindo-a em três fases.
Na primeira, a mais antiga e tradicional, chamou de jusnaturalismo. Nesta os princípios habitariam ainda uma
esfera “por inteiro abstrata(115) e sua normatividade é basicamente nula.
Na segunda, o positivismo, os princípios seriam meras pautas programáticas supralegais, dotados de carência
normativa, caracterizando, portanto, a sua irrelevância jurídica. Eram, no máximo, reconhecidos como regras interpretativas,
situadas como fontes subsidiárias do direito, sempre no contexto do direito privado.
A terceira, e última, chamada de pós-positivismo, em consonância com as obras de Ronald Dworkin e Robert
Alexy, reconhece a possibilidade de “tanto uma constelação de princípios quanto uma regra positivamente estabelecida
podem impor obrigação legal”(116). Passam, inclusive, a ter relevância também para o direito público, vindo a integrar,
com maior intensidade, as Constituições.
E mais. Além dessa característica normativa, deverá ser reconhecida a superioridade e hegemonia, formal e material,
dessa categoria na pirâmide normativa.
Essa terceira fase atrai o conceito de princípios a ser desenvolvido no próximo item.
3.3. Conceito de princípios
Há diversos conceitos de princípios na ciência jurídica, mas escolhemos trecho doutrinário bastante didático
sobre esse tema. Vejamos:
É que os princípios jurídicos são aquelas normas que estabelecem um estado ideal de coisas para cuja realização
é necessária a adoção de comportamentos que provocam efeitos que contribuem para a sua promoção. Daí se
armar que eles envolvem um m (estado de coisas) e meios (condutas necessárias a sua promoção). Em uma
simples ilustração, para garantir um estado de moralidade é preciso adotar condutas sérias, leais, motivadas
e contínuas. Em suma para atingir o m é necessário escolher comportamentos cujos efeitos contribuam
para a sua promoção. Pode-se, por isso, asseverar que o modelo dos princípios pode ser simbolizado pela
expressão ‘para, então é preciso.(117)
Esse conceito apresenta pelo menos quatro aspectos fundamentais ao conceito de princípios.
O primeiro é que os princípios revelam uma chamada “dimensão de peso”(118) inexistente nas regras. No conceito
apresentado tal dimensão foi chamada de “estado ideal de coisas”. Isso signica que, em caso de colisão entre princípios,
haverá um deles que prevalecerá sobre o outro, sem que este superado perca a sua validade(119).
O segundo é que tal modalidade normativa, inobstante ter concepção distinta das regras (consoante será apresen-
tado no item posterior), funciona como padrão normativo imediatamente nalístico, mudando a realidade dos fatos,
“não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque
(115) BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 259.
(116) Ibidem, p. 265.
(117) ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica. Entre a permanência, mudança e realização no direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 113.
(118) DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 42.
(119) Sobre esse assunto, vide com maior profundidade ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da denição à aplicação dos princípios jurídicos, op. cit.
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