A norma de incidência exoneratória

AutorJorge Bravo Cucci
CargoProfesor de Derecho Tributario de la Maestría de Tributación y Política Fiscal de la Universidad de Lima
Páginas27-38

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Ver nota 1

1. Introdução

Que é uma exoneração? Qual é a sua natureza jurídica? Que relação mantém com a regra-matriz de incidência tributária? Qual é a sua relação com a obrigação tributária? Este trabalho tem como propósito responder essas interrogações e outras mais a respeito do fenômeno em questão.

Antes de mais nada, é preciso deixar assentadas algumas considerações preliminares sobre o emprego da palavra "exoneração" em lugar de "isenção". Não se trata de signos que se referem a objetos diferentes e que tenham significações diversas: pelo contrário, denotam e conotam uma mesma realidade. No entanto, como se verá posteriormente, não outorgamos à exoneração o sentido amplo de benefício tributário ou o de compreender da mesma maneira as outras técnicas desoneratórias, como as deduções ou o mínimo não tributável, alcance que um importante setor da doutrina espanhola outorga.2Finalmente, diante de uma entidade abstrata, intimamente ligada à fenomenologia da incidência da norma tributária, não é de estranhar que entre os doutrinadores que abordaram esta matéria não exista consenso quanto ao entendimento do que é uma exoneração e qual é sua fenomenologia. Como prova palpável disso, iniciamos este trabalho, descrevendo as correntes teóricas que a nosso

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juízo são as mais importantes e representativas do pensamento jurídico, para concluir o que em nossa visão, é uma exoneração.

2. Teoria da dispensa do pagamento
2. 1 Sustento

Esta tese foi sustentada por renomados autores espanhóis como José Luis Pérez de Ayala e Eusebio González, para os quais a diferença entre exoneração e não sujeição reside em que na primeira se produziu o fato imponível, nascendo, portanto, o dever de realizar a prestação tributária correspondente, o que segundo tal corrente de opinião, não ocorre no caso da exoneração. O suposto de exoneração libera, precisamente do cumprimento desses deveres; e se libera ou exime deles, é lógico concluir que previamente deveram nascer.

Em tal ordem de ideias, sustentam que a exoneração qualifica como uma hipótese de sujeição, nascendo o dever de realizar a prestação tributária, liberando o suposto de exoneração do cumprimento desses deveres; tal situação se produz porque o pressuposto de fato do tributo e o suposto de isenção são simultâneos, mas a realização deste segundo tem por efeito paralisar os efeitos que derivam da realização do primeiro.

Observe-se, muito atenciosamente, que a tese sob comentário implica que produzido o suporte fático no mundo fenomênico, o dever de prestação nasceu, de cujo cumprimento releva a exoneração. Portanto, um eventual pagamento da obrigação tributária originaria um pagamento indevido, sujeito à restituição em favor do sujeito exonerado.

2. 2 Crítica

Entender a exoneração como uma dispensa de pagamento implica configurá-la como um favor fiscal, confundindo-se de tal forma a finalidade da norma com sua essência. Igualmente, conceituá-la como uma dispensa de pagamento é considerá-la como uma forma de extinção da obrigação tributária.

Finalmente, questiona-se a pertinência desta concepção, porquanto se outorga maior velocidade à norma que dispõe sobre a incidência tributária do que à norma de exoneração. Numa das mais contundentes críticas que se formula, o professor Paulo de Barros Carvalho sustenta que não há cronologia na atuação das vigentes num dado sistema, quando contemplam idêntico fato do relacionamento social, e que esta tese estaria outorgando uma dinâmica de atuação das normas que elas verdadeiramente não possuem.33. Teoria da não exigibilidade da prestação tributária

3. 1 Sustento

Sustentada por um importante setor da doutrina tradicional brasileira, destacando-se as opiniões de Amílcar de Araújo Falcão e Rubens Gomes de Souza, se afirma que quando se produz o acontecimento da exoneração, origina-se a relação jurídico-tributária e como consequência disso nasce a dívida tributária, a que não pode ser exigida pelo ente público credor, em observância ao preceito legal. Assinala Araújo Falcão que na isenção há incidência, produz-se o fato gerador, mas o legislador, "seja por motivos relacionados com a apreciação da capacidade econômica do contribuinte, seja por considerações extrafiscais, estabelece a não exigibilidade da dívida tributária".4A tese sob comento não assinala que o preceito legal que contém o mandato de exoneração, extingue a obrigação tributária senão que em virtude desta, o credor tributário

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carece da faculdade de exigir o pagamento da dívida ou se for o caso o devedor tem a potestade de opor a exceção de exigibilidade. Trata-se de uma situação bastante similar à prescrição da obrigação tributária, na qual o credor carece da faculdade coerciva para exigir o pagamento da dívida tributária. Dessa forma, dada a inexigibilidade da dívida tributária, quem resulta exonerado se qualificaria como sujeito passivo da obrigação tributária, de tal sorte que se efetuar o pagamento do tributo este se qualificaria como um pagamento válido, pois existe obrigação tributária ainda que a mesma seja inexigível.

3. 2 Crítica

As críticas a esta teoria são, em essência, as mesmas que se faz a respeito da teoria da dispensa do pagamento em relação à prévia incidência da regra-matriz de incidência tributária e a subsequente incidência da norma exoneratória.

4. Teoria da incidência prévia da norma exoneratória
4. 1 Sustento

Alfredo Augusto Becker5expressa que a regra jurídica da exoneração incide para que a regra jurídica da tributação não possa incidir. Assinala dito autor que para que pudesse existir a relação jurídico-tributária, seria indispensável que antes da incidência do que ele denomina regra jurídica de isenção tivesse ocorrido a regra jurídica da tributação (acontecimento da hipótese de incidência). Em sua opinião, a regra jurídica da exoneração incide em oportunidade anterior à regra jurídica tributária.

Outro eminente doutrinador que acolhe esta teoria é o professor José Souto Maior Borges, para quem a exoneração é uma não incidência legalmente qualificada da norma que prescreve a obrigação tributária. Na visão deste ilustre jurisconsulto, a norma de exoneração corresponde a uma hipótese de não incidência: dela advém um fato isento diferente do fato gerador (fato imponível) da obrigação imponível, que é um fato jurídico em sentido estrito.64.2 Crítica

Conquanto esta tese supere as objeções formuladas a respeito das duas anteriores construções teóricas, questiona-se o fato de que as normas jurídicas existem para incidir, pelo que, sustentar que uma norma possa pertencer a um ordenamento para não incidir é negar-lhe sua juridicidade, marca universal das unidades jurídico-normativas.75. Teoria da hipótese neutralizante

5. 1 Sustento

Por mais que esta teoria se sustente na realidade fática, na qual os elementos tipificadores do fato imponível se produzem por razões de índole econômica, política, social, financeira, etc., expressamente se exime o sujeito passivo, através de um mandato legal do pagamento do imposto, operando as hipóteses exoneratórias como hipóteses neutralizantes totais da configuração do fato imponível, de tal sorte que com seu acontecimento não nasce a obrigação tributária.

Catalina García Vizcaíno afirma que didaticamente as exonerações ou benefícios tributários se operam como uma tesoura que

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corta os fios que unem os fatos imponíveis à obrigação tributária. "En las exenciones, la tijera corta todos los hilos, operando como una hipótesis neutralizante total. En los beneficios tributarios son cortados algunos hilos - no todos -, de modo que la hipótesis neutralizante es parcial, con la consecuencia de que la obligación tributaria nace, pero por un importe menor o con un plazo mayor para su pago".8Por sua vez, Héctor Villegas assinalou com relação à hipótese exoneratória que esta "tiene la virtud de poder ‘cortar’ el nexo normal entre la hipótesis como causa y el mandato como consecuencia. En efecto, cuando se configuran exenciones o beneficios tributarios, la realización del hecho imponible ya no se traduce en el mandato de pago que la norma tributaria originariamente previó (...). Así - continua afirmando - se tiene una hipótesis legal condicionante tributaria (hecho imponible). Pero no está sola. Está escoltada por una hipótesis legal neutralizante tributaria. La consecuencia de la primera es el precepto de pagar el exacto monto tributario que la ley ordena. La consecuencia de la segunda es impedir (total o parcialmente) la realización de la primera se traduzca en el originario precepto".9Em apoio a esta teoria, Fernando Sainz de Bujanda10sustenta que as normas que contêm a exoneração não são normas interpretativas ou aclaratórias, já que contêm um mandato muito concreto, que é privar o fato imponível de sua eficácia para gerar a obrigação tributária.

5. 2 Crítica

Esta teoria tem como principal crítica o fato de colocar o efeito neutralizante na hipótese de incidência (parte descritiva de toda norma) e não na consequência normativa (parte que prescreve os efeitos jurídicos que se desencadearão na verificação da hipótese).

6. Teoria da norma completa integrativa da norma tributaria
6.1. Sustento

Finalmente, esta teoria, defendida fundamentalmente por Sacha Calmon Navarro Coêlho11e Roque Carrazza,12sustenta que não existe uma norma exoneratória anterior e distinta da norma de...

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